A intensa rotina de viagens e duas próteses na coluna cervical fizeram com que Nívea Nunes Saraiva cultivasse, ao longo dos anos, a vontade de parar de trabalhar como representante de medicamentos para abrir um negócio próprio, preferencialmente na zona rural. Foi esse desejo que levou ela e o marido, Cristian Luis Gomes Pereira, que atuava no mesmo ramo, a comprarem uma propriedade de 37 hectares e investirem na construção de um parque de aventuras na localidade de Cascata, em Pelotas, na região sul do Estado.
Natural de São Gabriel, Nívea conta que o amplo espaço que hoje abriga o Parque Stone Land fica no quilômetro 89 da BR-392 e já era conhecido e admirado pelo casal, que queria investir em algo diferente. O processo de compra da propriedade iniciou em 2018, quando a ideia de empreender ganhou força durante um passeio por atrações da serra gaúcha.
— Quando estávamos retornando, o Cristian me olhou e disse: “quem sabe fazemos um parque lá naquele lugar que estamos querendo comprar?”. Então, viemos conversando sobre isso, mas eu não queria fazer algo só de aventura, queria algo que toda a família pudesse usufruir — recorda Nívea, 47 anos.
Assim, enquanto Cristian fazia a proposta para o proprietário, Nívea procurou ajuda especializada para elaborar um plano de negócios. Na época, essa etapa custava em torno de R$ 10 mil e o casal não tinha condições de pagar. Então, entrou em contato com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) do município, que oferecia condições bem mais acessíveis.
Em março de 2019, eles iniciaram os investimentos no parque, com a limpeza e a reforma do prédio onde seria a recepção. No mesmo período, Nívea entrou em licença médica e pode acompanhar de perto o trabalho que estava sendo feito no local. Também era responsável pela compra de materiais, enquanto o marido seguia trabalhando no ramo farmacêutico. Mas, no final daquele ano, Cristian teve câncer de tireoide e eles precisaram dar uma pausa no investimento.
— Também já estávamos sem dinheiro, porque todo o dinheiro que tínhamos foi usado para adquirir a propriedade e fazer as primeiras restaurações. Em 2019, foi feita a restauração da recepção, a limpeza, o lago e a restauração da churrasqueira grande — enumera a empresária.
Após a cirurgia de Cristian, em fevereiro de 2020, eles decidiram voltar ao parque e organizaram uma inauguração para abril, mesmo sem ter instalado tudo que gostariam no local. Em março, no entanto, teve início a pandemia de coronavírus.
Entre diversos períodos de restrições e flexibilizações, o casal conseguiu se adaptar, investir ainda mais e, finalmente, inaugurar o Stone Land em 7 de novembro de 2020 – na época, havia apenas balanços, pêndulos, churrasqueiras, venda de piqueniques e tirolesa. Hoje, o espaço também conta com quiosques, restaurante, espaço para refeições, pracinhas, trilhas, mirante, arvorismo, parede de escalada e super salto. Todas as atrações foram pensadas para proporcionar o maior contato possível com a natureza, segundo os sócios.
A recepção fica logo no início da propriedade, próximo ao estacionamento, ao lago e aos primeiros quiosques – um deles é administrado por uma das filhas de Nívea, Mariane Saraiva, e disponibiliza as cestas de piquenique com produtos coloniais produzidos na região, como pão caseiro, cuca, salame, queijo, suco de uva e roda de carreta (uma espécie de bolinho frito típico alemão, feito com farinha de trigo, água, açúcar e sal, no formato de uma roda). O local ainda abriga banheiros, um escritório e, atualmente, a residência do casal.
O parque funciona de quinta-feira a domingo e aos feriados, sempre das 10h às 19h. A entrada custa R$ 10 por pessoa, mas crianças de até seis anos não pagam, e cada aventura tem um preço, que já inclui os equipamentos de segurança. Mais informações podem ser obtidas pelo WhatsApp (53) 98113-4528 ou pelo Instagram @parquestoneland. A estrutura também recebe eventos e ensaios fotográficos, mediante a agendamento prévio e valores diferenciados, que são repassados por orçamento. Contando freelancers e contratados, até 40 pessoas trabalham no local nos finais de semana, quando o parque registra seu maior movimento.
Questões burocráticas e gestão financeira foram desafios
Para os sócios, a parte mais desafiadora do empreendimento foi aprender o que era necessário para ter um parque de aventuras – licenças e alvarás, por exemplo – e quem poderia ajudá-los com essas questões burocráticas que, até então, eram desconhecidas. Eles comentam que não receberam orientações e que só descobriam certas exigências à medida em que os órgãos apareciam para fiscalizar o local.
— O mais desafiador foi se adequar ao que era necessário, mas, para isso, descobrir o que era necessário, porque nós não tivemos orientação. Então, tudo foi feito através de muito custo mesmo, apanhando. Eles chegavam aqui, pediam e a gente não tinha noção, então fazíamos tudo e gastávamos muito — relata Nívea, que trabalha junto ao Conselho Municipal de Turismo de Pelotas e à Associação Comercial, a fim de desenvolver o turismo rural na região e apoiar futuros empreendedores.
O mais desafiador foi se adequar ao que era necessário, mas, para isso, descobrir o que era necessário, porque nós não tivemos orientação. Então, tudo foi feito através de muito custo mesmo, apanhando.
NÍVEA NUNES SARAIVA
Proprietária
Com a ajuda inicial do Sebrae, o casal conseguiu fazer uma análise de mercado, ver o que outros empreendimentos semelhantes estavam fazendo e o que poderia ser um diferencial, e qual a dimensão de público atingido no início. Também foi possível ter noção de quantos anos demora para ter lucro: de acordo com o plano de negócios, o investimento de aproximadamente R$ 2,5 milhões no parque deve retornar em um prazo de quatro a cinco anos.
Custos com o maquinário pesado utilizado para a limpeza, material gráfico e registro da marca, entretanto, não estavam previstos e pegaram o casal de surpresa. Neste cenário, a gestão financeira acabou sendo outra dificuldade para os sócios, ainda mais diante de uma pandemia, aponta Nívea:
— Nós tínhamos dinheiro e uma ideia. Pensamos em fazer, porque começaria a ter procura e retorno. Mas não acontecia tanto quanto teria que ser (para dar lucro) e até hoje ainda não é, porque o nosso negócio é novo e as chuvas nos atrapalham. Então, temos a nossa reserva, que era para ser particular, mas acabamos implementando muito no parque.
Empreendedorismo no RS
Com o objetivo de apresentar histórias inspiradoras, a série contará semanalmente as trajetórias de empreendedores que transformaram uma ideia ou um sonho em realidade. Fundadores e sócios de 10 empresas de diferentes cidades gaúchas compartilharão os desafios superados e darão dicas para quem deseja abrir seu próprio negócio nos ramos de tecnologia no campo, saúde, moda, cuidados com o corpo, entre outros.
Apesar de Cristian ser formado em Administração e Nívea em Radiologia e Marketing, ela é a responsável pela administração do parque, enquanto o marido cuida da parte comercial. A sócia afirma que, neste ano, buscou o suporte de um gestor financeiro para organizar melhor as finanças e, agora, sua filha, Marina Saraiva, também formada em Administração e pós-graduada em Gestão de Custos e Planejamento Estratégico, é quem está lhe ajudando nesse setor. Ela recomenda que os empreendedores contem com o apoio de um especialista desde o início, se tiverem essa possibilidade.
— Claro que, no início, vai ser o teu aporte, porque tu está empreendendo, mas chega um momento em que tu precisa dissociar para poder ver o que o negócio está dando de lucro e o que se pode investir. Hoje, nós estamos trabalhando nisso, mas passamos dois anos colocando tudo o que tínhamos aqui, vendendo carro, casa, pedaço de terra — ressalta Nívea.
— Isso aqui veio do zero, então tínhamos que aportar para criar o negócio. Só que hoje já não podemos mais, nem devemos. Hoje, tem que ter o ponto de equilíbrio para poder realmente ter o retorno e esse retorno não só pagar o parque, mas nos pagar também — acrescenta Cristian, que tem 43 anos.
Adaptação para driblar empecilhos da pandemia
Para não deixar o parque fechado durante toda a pandemia e ter algum retorno financeiro, o casal buscou alternativas. Além da venda de dois hectares da propriedade, eles criaram o piquenique na caixa e, entre julho e agosto de 2020, quando era permitido agendar visitas, respeitando o distanciamento físico mesmo ao ar livre, iniciaram as vendas.
De acordo com Nívea, no início, vendiam de 20 a 50 kits por final de semana, mas, no feriadão do Dia das Crianças, em outubro, venderam 150 por dia e o Stone Land recebeu cerca de 2,5 mil pessoas. Neste período, não tinham funcionários contratados, quem ajudava no atendimento ao público eram familiares e amigos, e a estrutura do parque não estava adequada para a quantidade de pessoas – havia apenas três banheiros, por exemplo.
— Foi uma loucura, nesses três dias levantamos uns R$ 80 mil, e antes estávamos zerados. Então separamos esse dinheiro para pagar os fornecedores, compramos quatro containers com banheiros prontos e fomos instalando — conta a sócia.
O casal aproveitou a alta procura – que gerou impacto inclusive no número de seguidores nas redes sociais, criadas logo no início do empreendimento – para contratar 10 funcionários e, em novembro, inaugurou o parque.
— Fomos abrindo como dava, um pouco era lucro, outro pouco a gente foi vendendo o que tinha para ir colocando o que queríamos aqui. Em julho de 2021, colocamos o arvorismo e, em setembro, o super salto. E agora, neste ano, a gente fez a parede de escalada. Foi tudo entrando gradualmente, conforme o negócio ia avançando — comenta Nívea, destacando que, hoje, pessoas até de outros Estados visitam o local.
O casal enfatiza que a facilidade para se adaptar e se reinventar é fruto da experiência que ambos adquiriram trabalhando no ramo farmacêutico. Eles explicam que um representante é “dono” do seu setor, então é responsável pela estruturação do negócio e precisa pensar em plano de negócios, marketing e ações que ajudem a reverter cenários desfavoráveis.
Investimento em apoio capacitado e planos para o futuro
Para impulsionar a procura, os sócios investem muito no marketing pelas redes sociais, também participam de feiras e fazem visitas técnicas em outros empreendimentos, em busca de novas ideias e parcerias. Além de contratar uma agência, eles robotizaram uma das linhas telefônicas, que passa todas as informações necessárias aos clientes, e colocaram internet em todo o parque.
Com o crescimento do negócio, também buscaram ajuda de outros profissionais capacitados, como contador, advogado e consultor, dividiram as responsabilidades entre os dois, ampliaram o número de quiosques e investiram na contratação de colaboradores para diferentes funções.
— Quando deu todo aquele boom, estávamos só em família e vimos que não poderia ser assim. Então, fomos buscando as estruturas e chamando pessoas. Criamos o escritório e fomos vendo qual era a necessidade lá dentro. Então, a pessoa pode iniciar como nós iniciamos, um negócio familiar, só que, à medida que vai crescendo, tu precisa começar a estruturar para não perder clientes — recomenda Nívea.
Como dica para quem deseja investir em um negócio voltado ao turismo, o casal indica que as pessoas busquem se unir com empresários do mesmo setor e estar inseridas na região em que planejam instalar seu empreendimento, para saber o que é necessário e como funciona. Eles também citam a importância de visitar negócios do ramo e estar informado sobre o que funciona ou não em determinado local.
— Tem que ir atrás de pessoas para te ajudar, porque sozinho tu não vai longe. É muita informação para quem não tem conhecimento. Quem pode ajudar são esses órgãos que já trabalham com isso, como o Sebrae — afirma Cristian.
— Também tem que ter vontade, acreditar e valorizar aquilo que tu está fazendo. Não precisa esperar ter toda a estrutura pronta, tem que saber o teu diferencial, o que quer oferecer de experiência e vendê-la — acrescenta Nívea.
O Stone Land tem um faturamento anual em torno de R$ 600 mil e R$ 800 mil atualmente, mas os sócios já têm um projeto de expansão, com a implantação de um restaurante, um salão de eventos e uma pousada na propriedade. Também planejam incluir mais atrações de aventura e, no futuro, levar o parque para outros Estados brasileiros.