Está mais fácil para empreendedores iniciarem novos negócios no Rio Grande do Sul. Nos últimos três anos, até junho, o tempo médio necessário para abrir uma empresa caiu de quatro dias e três horas para um dia e sete horas.
Isso representa diminuição de 69% desde o mesmo mês em 2019, conforme painel digital do Ministério da Economia que mede o tempo necessário para conseguir o cadastro de pessoa jurídica (CNPJ) em qualquer lugar do Brasil.
Mesmo com a melhora, os gaúchos ocupam a 18ª posição no ranking nacional. Entre as medidas capazes de desatar os nós que ainda contêm o empreendedorismo está o programa Tudo Fácil Empresas, que prevê a legalização online de empreendimentos de baixo risco em até 10 minutos e de forma gratuita. Porém, como exige adaptações, como a integração de diferentes órgãos públicos e liberação do pagamento de qualquer taxa, até o momento, a plataforma chegou a cinco municípios.
O levantamento divulgado pelo chamado Mapa de Empresas, conforme a assessoria de comunicação do ministério, contempla as fases de análise de viabilidade (se pode funcionar em determinado local sob o nome escolhido) e de obtenção do CNPJ por meio dos registros automatizados feitos nas juntas comerciais – etapas consideradas oficialmente como a "abertura" de uma empresa. Não inclui eventuais necessidades de emissão de alvará ou de licenciamentos ambiental e dos bombeiros, exigidos para iniciativas mais complexas, mas serve como índice confiável, comparável e atualizado mensalmente do grau de estímulo ao dinamismo econômico em todo o país.
Advogada e ex-presidente do Instituto de Estudos Empresariais (IEE), Júlia Tavares reconhece que o RS conseguiu avançar de forma significativa nos últimos anos, mas observa que ainda há o que melhorar em etapas como licenciamentos:
— Melhoramos bastante, mas a análise por parte dos bombeiros ainda é um limitador para empreendimentos de médio ou alto risco.
Melhoramos bastante, mas a análise por parte dos bombeiros ainda é um limitador para empreendimentos de médio ou alto risco
JÚLIA TAVARES
Advogada e ex-presidente do IEE
O prazo médio para concessão de licença dos bombeiros também vem caindo, segundo o Conselho Estadual de Desburocratização e Empreendedorismo. Na região de Porto Alegre, a aprovação do Plano de Prevenção e Combate a Incêndio demorava 310 dias para análise e 200 para vistoria até 2017. Agora, são 15 e sete dias, respectivamente. Já o tempo de tramitação na Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) variou de 256 dias, até 2018, em média, para 131, hoje.
Graças a uma recente mudança na legislação, número crescente de empresas nem precisa esperar por alvará ou licença para começar a funcionar. Desde a criação da lei federal de Liberdade Econômica, em 2019, empreendimentos de baixo risco ambiental, sanitário e de incêndio podem entrar em operação assim que obtêm o CNPJ.
Simplificação
Há definições federais e estaduais sobre quais tipos de atividade podem ser considerados de baixo risco, e cada município também pode estabelecer critérios próprios. Rio Grande, no sul do Estado, por exemplo, lidera o ranking nacional de prefeituras com o maior número de atividades com tramitação simplificada por serem rotuladas como pouco perigosas.
— Já temos cerca de 1,2 mil atividades dispensadas de análise prévia. Mantivemos o nosso poder de fiscalização, mas, até prova em contrário, acreditamos nas informações prestadas pelo empreendedor — afirma o prefeito de Rio Grande, Fábio Branco.
A tramitação pode ser feita de forma online pela Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios (Redesim), criada por lei federal em 2007, e que foi impulsionada no Estado a partir de 2014 mediante a integração de vários órgãos de registro, fiscalização e tributários. Hoje, está em 99,6% dos municípios gaúchos e atende atividades de qualquer porte ou categoria.
— Com a Redesim, o empreendedor passou a ter um canal único para fazer registro — diz a gerente de Políticas Públicas do Sebrae/RS, Janaína Zago Medeiros.
Regularização mais rápida por meio de plataforma
Uma iniciativa recente possibilita superar barreiras remanescentes aos empreendedores no Estado. O Tudo Fácil Empresas, plataforma lançada pelo Piratini em parceria com a Junta Comercial e o Sebrae/RS no ano passado, permite que empresas individuais ou limitadas, de baixo risco ambiental, de incêndio ou sanitário se regularizem com um único acesso online, sem custos, em menos de 10 minutos, neste site. Até o momento, está presente em cinco municípios.
O Tudo Fácil corporativo já foi implantado em Porto Alegre, Novo Hamburgo, Bagé, Panambi e, no último dia 4, chegou a Erechim. O governo gaúcho estima que a iniciativa deverá abranger cerca 20 cidades até o final do ano. Janaína Zago Medeiros, gerente de Políticas Públicas do Sebrae/RS, afirma que os municípios interessados devem procurar a Junta Comercial e, a partir disso, o Sebrae pode prestar assessoria à prefeitura para fazer os ajustes necessários a fim de adotar o novo sistema.
— Esse perfil de empresa correspondeu a 70% de todos os novos negócios abertos em 2021 no Estado — compara o coordenador do Conselho Estadual de Desburocratização e Empreendedorismo (Cede), Claudio Gastal.
Ele observa que em torno de 50 prefeituras já se mobilizam para abraçar a novidade. Gravataí, na Região Metropolitana, se apronta para adotar a ferramenta digital nas próximas semanas, mas já está entre as cidades gaúchas com mais de 100 mil habitantes mais ágeis para liberar empreendimentos. Atualmente, a média é de 14 horas em Gravataí.
O casal Izioni Mello, 51 anos, e João Carlos Dihl de Moura, 68, decidiu abrir uma floricultura na cidade para complementar a aposentadoria de um salário mínimo. Izioni lembrava da dificuldade que foi para conseguir alvará para um bar que montou mais de duas décadas atrás, e pensava que iria encarar outra maratona burocrática.
— Fui até a prefeitura em uma terça-feira, e dois ou três dias depois recebi pelo WhatsApp mesmo toda a documentação — conta a florista.
O tempo foi um pouco maior do que a média devido à visita de um fiscal da prefeitura ao local onde seria erguida uma estufa. Mesmo assim, a regularização chegou antes mesmo de terminarem a montagem do lugar, chamado Sol Nascente e localizado na parada 79 da RS-020.
— Ainda temos de acabar a estrutura, mas já estamos trabalhando — comemora a nova empresária.
Piratini pretende ampliar classificação de baixo risco
Uma das iniciativas em curso para tentar reduzir a burocracia envolvendo a criação de novos negócios é a ampliação dos tipos de atividade classificados como de baixo risco no RS e, por isso, dispensados da maior parte dos obstáculos legais. A medida é defendida por entidades comerciais e empresariais gaúchas, mas vista com preocupação por setores como o movimento ambientalista.
Conforme o Conselho Estadual de Desburocratização, atualmente o Estado prevê 530 setores de baixo risco. Projeto em tramitação na Assembleia Legislativa pretende ampliar essa categoria a 732 atividades. Novos critérios, que podem ser estendidos ainda mais por decisão em nível municipal, abrangeria mais de 80% dos CNPJs emitidos no ano passado, por exemplo.
— Esse projeto é muito importante para reduzir um gargalo que ainda temos, que é o processo severo de licenciamento para micro e pequenos empreendedores por conta de uma rigidez desnecessária. A medida acelera o processo de liberação, mas não retira nenhum poder de fiscalização — argumenta o presidente da Federação de Entidades Empresariais do Estado (Federasul), Anderson Trautman Cardoso, que assinou documento em favor da mudança com representantes das federações da indústria (Fiergs), agricultura (Farsul) e comércio e serviços (Fecomércio/RS).
O tempo médio de tramitação para obter licença na Fepam foi reduzido em 49% desde 2018, mas, na avaliação da ex-presidente do IEE Júlia Tavares, muitas vezes uma maior demora pode ser causada por imbróglios jurídicos difíceis de prever ou contornar.
— No caso do licenciamento ambiental, podemos estar nos aproximando de um limite do que é possível fazer com base na legislação atual — opina Júlia.
No Corpo de Bombeiros, um certificado (mais simples) hoje tem prazo médio de dois dias para emissão, contra 22 para um Plano de Prevenção e Combate a Incêndio, mais complexo, com base nas estatísticas da Capital. Uma das iniciativas em andamento para agilizar o trabalho dos bombeiros é a implantação de um sistema informatizado que já alcança batalhões de 10 regiões do Estado.
Os defensores do projeto do Piratini entendem que, ao livrar mais atividades dos processos de análise prévia, sobrará mais força de trabalho para cuidar dos empreendimentos mais complexos e perigosos, resultando também em diminuição dos prazos médios atuais para quem está nas faixas de médio ou alto risco sem perda de qualidade nas averiguações. Mas há setores da sociedade preocupados com possíveis excessos nas flexibilizações.
— Constitucionalmente, a tutela do meio ambiente é exercida por todos os órgãos do Estado. Transferir essa responsabilidade para pequenos e médios empresários, que não têm a obrigação de dominar a legislação ambiental e podem ser mal assessorados, é uma irresponsabilidade da gestão pública, que conta os recursos técnicos do Estado para analisar e o poder formal para licenciar, conforme cada situação — afirma o presidente da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), Heverton Lacerda.
Para Lacerda, gestores públicos que abusarem da classificação de baixo risco para facilitar a instalação de empreendimentos, abrindo mão da responsabilidade do licenciamento, devem inclusive ser responsabilizados em caso de acidentes ambientais.
Ações e projetos
Como facilitar a abertura de empresas
Estado
- A gestão estadual pode determinar quantidade mínima de atividades classificadas como de baixo risco, com tramitação mais ágil ou dispensa de etapas, como licenciamento ambiental ou do Corpo de Bombeiros. O Piratini pretende classificar, por projeto de lei, 732 atividades nessa faixa, que ficariam dispensadas do Certificado de Licenciamento do Corpo de Bombeiros (CLCB)
- O Piratini já lançou plataforma que permite a atividades de baixo risco a liberação em acesso único, de forma gratuita e em até 10 minutos – o Tudo Fácil Empresas. Está presente em cinco municípios, no momento, e depende do interesse das prefeituras para seguir avançando
- O Estado pode adotar medidas capazes de reduzir o prazo de tramitação dos licenciamentos necessários para atividades de médio ou alto risco, em órgãos como Corpo de Bombeiros e Fepam. Desde 2018, o prazo médio de licenciamento na Fepam passou de 256 para 131 dias
Municípios
- Em parceria com outros níveis de governo, os municípios promovem a integração informatizada dos diferentes órgãos envolvidos na liberação de empreendimentos. Para isso, pode contar com orientação do Sebrae/RS, por exemplo
- Ajustam a legislação local para facilitar o lançamento de novos negócios em diferentes áreas. Rio Grande, por exemplo, atualizou o Código de Obras para reduzir o tempo de análise de determinados projetos na prefeitura
- Criam um espaço físico próprio para atender o empresário, reunindo diferentes serviços (a chamada Sala do Empreendedor). Atualmente, segundo o Sebrae/RS, está presente em cerca de 160 cidades, havendo espaço para se disseminar
- Podem determinar uma listagem própria de atividades classificadas como baixo risco, com tramitação simplificada e mais ágil por meio da adoção das políticas previstas na lei federal de Liberdade Econômica. Rio Grande incluiu cerca de 1,2 mil atividades nessa categoria
- Para atividades de risco médio ou alto, principalmente projetos maiores ou mais complexos, cidades como Gravataí contam com um atendimento integrado que reúne equipes de diferentes secretarias a fim de facilitar a tramitação dos novos negócios
Empreendedor
- O empreendedor deve prestar as informações solicitadas pelos sistemas informatizados, de tramitação mais ágil, para atividades de baixo risco, de forma fidedigna. Mesmo que obtenha liberação para operar, sempre pode ser alvo de ações de fiscalização
- Empreendimentos de maior complexidade ganham tempo ao elevar a qualidade dos projetos e estudos prévios previstos em lei. Muitas vezes, projetos acabam demorando meses além do necessário por solicitações de correções ou complementações feitas por órgãos de licenciamento