Por que as mulheres e o povo negro são tão potentes, mas muitas vezes não conseguem ultrapassar certas barreiras? Foi esse questionamento que fez Ana Minuto, 46 anos, dedicar sua carreira à temática da diversidade racial. Após acompanhar o engajamento da mãe na ONG Fala Negão, Fala Mulher durante a infância, ela decidiu deixar de lado o mercado tradicional na área de tecnologia, na qual é formada, para abrir a Minuto Consultoria — uma das primeiras no Brasil a trabalhar o desenvolvimento humano com foco na população negra.
Por meio de palestras, workshops, cursos e processos de coaching, o objetivo é desenvolver, principalmente, autoconfiança e autoestima de seu público, assim impulsionando a carreira profissional.
— Temos que estar onde nosso coração está — afirma, ao justificar a mudança de rumos.
Netflix, iFood, Avon e Google são alguns dos nomes que preenchem a lista de empresas nas quais Ana ministrou projetos de inclusão e diversidade. Agora, expande seu trabalho para a literatura com a coordenação editorial da obra A Potência: Empreendedorismo da Mulher Negra (Editora Conquista, 128 páginas). O livro conta com a participação de 14 coautoras, que dividem suas vivências e dão dicas para quem quer seguir o mesmo caminho.
— Meu objetivo é mostrar que, apesar de termos menos acesso às oportunidades, somos potentes e grandiosas — ressalta.
Confira a entrevista:
Quais são as especificidades de orientar afroempreendedores?
Existe um primeiro limitador que é mental: "Não é para mim". A população negra não vê pessoas negras sendo coach ou tendo empresas de milhões de reais, então nem pensa que é possível chegar nesse lugar. Existe uma barreira invisível. O maior desafio da população negra é a autoestima. É ela que te faz arriscar, ir para cima. Mas os negros são treinados para não gostar de si, do seu nariz, da sua cor, acreditar que sua história não é valida. Já entra no mercado de trabalho dessa forma. Tem ainda a questão financeira, a maioria não empreende porque tem dinheiro sobrando, mas sim faz o que dá. A educação é o caminho para a libertação, mas a que temos hoje não nos permite o básico. Quem não tem acesso, não tem informação de qualidade para se apoiar. E, por fim, networking. Se você conhece certas pessoas, elas vão te indicando no meio profissional. Geralmente, as pessoas pretas não se relacionam com quem ocupa estes espaços, o que gera dificuldade de captação de recurso e de cliente, por exemplo. Enfim, se você não se enxerga, não consegue criar. É subjetivo, mas é demostrado de forma subliminar em todos os lugares.
Presumimos que todos partem do mesmo lugar. Mas não é assim. As primeiras empreendedoras foram mulheres pretas. Seus companheiros não tinham trabalho, então elas tiveram que começar a vender mercadorias, comidas, quitutes. Essa é a realidade do nosso país, apenas 1% ganha mais de R$ 20 mil. O Brasil é um país pobre. A maioria, e nesse caso brancos e pretos, começa sem dinheiro.
Como as empresas podem se tornar mais inclusivas e diversas?
Em primeiro lugar, com o reconhecimento de que temos problemas. Sou racista, sou machista, sou homofóbico. Por quê? Porque nasci em uma sociedade assim, é impossível não ter esses vieses. Conscientização de que temos 522 anos de país e 74% desse tempo foi um período escravocrata. Então, não ver negros nos lugares é normatizado. Também é preciso sensibilização. Não tem como você saber, como mulher branca, a dor que eu sinto, mesmo que eu conte para você. Falar mais sobre o assunto vai fazer com que as pessoas se tornem mais próximas. Tentam eliminar nossa história, é normal a população negra não saber a origem da família. Se você não sabe de onde veio, também não sabe para onde vai.
Além disso, treinamento, treinamento, treinamento. E punições. O ideal seria que não fosse assim, mas, como o capitalismo foi criado, só vamos conseguir mudar através do capitalismo também. As maiores dificuldades nas contratações das empresas são os gestores médios, que muitas vezes não querem ter problema, não querem ter estresse, e relutam em atuar na mudança dos processos.
Como surgiu a ideia de escrever o livro? Quais foram os critérios de seleção das coautoras?
Todas nós, mulheres pretas, temos histórias muito parecidas. Muitas vezes, viemos do mesmo lugar, mas cada uma ressignifica sua dor de forma diferente
ANA MINUTO
Sempre ouvia homens brancos falando de empreender. Ficava pensando: por que não escrever um projeto focado na população negra? E então a editora Conquista entrou em contato. Todas nós, mulheres pretas, temos histórias muito parecidas. Muitas vezes viemos do mesmo lugar, mas cada uma ressignifica sua dor de forma diferente. Nenhuma das 14 autoras pode dizer que não passou por racismo. Pode não ter visto, mas passou. Busquei mulheres que inovaram seus negócios e o objetivo é fortalecer a história e a autoestima delas. São mulheres que me ensinaram muito, principalmente sobre o que é empreender. Conheço todas, se não pessoalmente, pela internet.
Você diz que pretende falar de empreendedorismo sem romantização no livro. O que é romantizar o empreendedorismo?
No Brasil, a maioria das pessoas começa com o bolso zerado. É um caminho árduo, tortuoso e cansativo. Mas costumamos ouvir que é lindo, fácil, "trabalhe enquanto eles dormem". Da forma que é trazida para os brasileiros parece que é só abrir um negócio e faturar milhões. Não é. Nós trouxemos os desafios diários que vivenciamos, que são diferentes do que é falado por aí.
Frente a tantos desafios, é possível falar em romantização do afroempreendedorismo?
Com certeza, há uma romantização das dificuldades que as pessoas negras passam. Mas também somos educados a não falar que estamos com problemas, que não conseguimos vender, que estamos sem dinheiro. Dentro do próprio afroempreendorismo tem gente que não quer ver (as dificuldades). E ao mesmo tempo não falamos o suficiente de pessoas pretas bem-sucedidas.
Pessoas pretas que passam dificuldades são a maioria do Brasil? Sim. Mas, se você só fala disso, você limita a possibilidade da pessoa enxergar novos caminhos. Se eu falo que só tem gente pobre, elas não enxergam outras alternativas. Por isso também decidi lançar um livro sobre mulheres pretas de sucesso que conseguiram ultrapassar barreiras. Quando vamos começar a contar as histórias grandiosas dos nossos? Quando vamos chamar mulheres pretas empreendedoras que fazem dinheiro para falar? Existem pessoas que ganham dinheiro com esse discurso de que preto é sempre pobre.
Sabemos que muitas pessoas, em especial mulheres negras, recorrem ao empreendedorismo por necessidade e não opção. Que conselhos você costuma dar a elas?
Quem empreende por necessidade costuma enfrentar o desafio da falta de conhecimento do próprio negócio. Isso dificulta pensar estratégia, pedir ajuda e fazer networking. O que eu sempre indico é que a pessoa se dedique, estude. Precisa fazer um trabalho de autoconhecimento, entender tecnicamente o negócio, calcular o tempo de retorno. Se organizar.
Ser empreendedor, para todos, é muito desafiador. Exige de você. O branco não tem o limite da raça, então já esta na frente, mas para todos há a dor de lidar com as emoções, receber muitos "nãos", viver mês que tem dinheiro e mês que não tem. Demora até conseguir trilhar uma recorrência financeira. Por isso, é importante fazer gestão financeira, além de uma precificação de seu negócio. Muitas vezes, vende-se algo que não se paga.
Importante também ter um grupo de pessoas que de vez em quando você possa conversar. Um lugar onde você possa tirar suas dúvidas, principalmente se está iniciando. Desenvolver o networking positivo, se cercar de pessoas que vão te ajudar. Seja com indicação, troca, sugestão de produtos e clientes... Que vão te levar paro o próximo nível.
Que lugares você ainda sonha em chegar com o seu trabalho?
Lugares inimagináveis (nesse momento da entrevista, realizada por videochamada, Ana abre o maior sorriso desde o início da conversa). Quero ter a maior, em termos de excelência, empresa de treinamentos focados em negros. E ser milionária, né, filha? (risos).
*Produção: Luísa Tessuto