A educação enfrentou um grande desafio durante a pandemia: levar a sala de aula para casa. E o acesso à tecnologia era fundamental para isso. Lentamente, o número de computadores para professores e linhas de crédito telefônico para estudantes aumentou, mas ainda manteve-se abaixo do ideal, como avaliavam especialistas. Agora, com o retorno ao ensino presencial, a tecnologia volta para o colégio.
Dados obtidos pelo Diário Gaúcho apontam que, desde o início da pandemia, prefeituras de 11 cidades da Região Metropolitana adquiriram cerca de 21,5 mil computadores portáteis, como notebooks e, principalmente, os chromebooks. Este último é um computador semelhante ao notebook, mas que funciona com o sistema operacional do Google, o ChromeOS. Este sistema tem por base a maior utilização dos serviços de armazenamento em nuvem, como o Google Drive, por exemplo. Isso exige menos processamento das máquinas, mas também uma conectividade de internet constante.
E os números devem aumentar, pois somente Porto Alegre e Canoas, por exemplo, vão adquirir mais 31 mil chromebooks, que estarão nas salas de aula ao longo deste e do próximo ano. Se os números crescem nas redes municipais, as instituições estaduais também não ficam para trás na conta. No final de junho, a Secretaria Estadual de Educação (Seduc) anunciou a distribuição de 90 mil novos chromebooks. Estes equipamentos se juntarão a outros 50 mil adquiridos desde o início da pandemia para uso de professores.
Numa conta rápida, é possível apontar que até o próximo ano, mais de 200 mil computadores portáteis estarão inseridos dentro das instituições públicas nas redes municipais e estadual. Na prática, a inserção de milhares de computadores no ambiente da educação pública está fazendo diferença? Ou a vida real mostra que giz, lousa, lápis e caderno ainda são o melhor caminho?
Eduarda Barth Gonçalves, 11 anos, ainda é reticente com a presença dos computadores em sala de aula. Estudante do 5º ano da Escola Municipal de Ensino Fundamental (Emef) Theodoro Bogen, de Canoas, ela conta que prefere papel e caneta.
– Acho que consigo entender melhor as questões quando vejo elas no papel. Mas, quando tem fotos, é melhor o computador – confessa Eduarda.
Professora dos anos iniciais da Emef Theodoro Bogen, Ana Paula Medeiros Brito acredita que a inserção da tecnologia no ambiente escolar faz “as aulas renderem muito mais”. Na escola de Canoas, a direção estima que 80% das provas já sejam aplicadas através dos chromebooks. Os alunos respondem as questões com múltipla escolha no computador, mas o desenvolvimento é feito ainda no papel. Os resultados saem na hora e as questões erradas são refeitas com a turma toda.
– Torna mais ágil, participativo e com base nos erros, sabemos onde reforçar os conteúdos – explica a professora Ana.
Victor Figueiró Tostes, 11 anos, é mais amigo da tecnologia. Ele gosta da presença dos computadores em sala, principalmente para a produção textual. Para o aluno, fica “muito mais fácil no computador do que no papel”.
A chegada dos chromebooks abriu espaço para que os tablets que a escola possuía fossem direcionados para alunos em fase de aprendizagem, por meio de jogos interativos e educacionais.
Cenário diferente no Estado
Mesmo que a Seduc tenha anunciado a distribuição de 90 mil chromebooks para escolas estaduais, o equipamento precisa de infraestrutura para ser utilizado. E em alguns espaços, isso ainda é artigo de luxo.
O Colégio Estadual Piratini, no bairro Auxiliadora, em Porto Alegre, é uma das poucas instituições públicas com ensino em tempo integral. São nove horas diárias de presença dos estudantes na escola. Manter a carga horária apenas com o modelo formal de ensino é um desafio, por isso, a chegadas das tecnologias é essencial, como aponta o professor Fernando Tomé, que dá aulas de Física e de Cultura Digital, uma disciplina presente no ensino integral.
Quando iniciou o ensino integral, a escola recebeu 148 notebooks, no ano passado. Há pouco mais de 20 dias, outros 30 chromebooks chegaram. Boa parte dos equipamentos segue na caixa. Segundo o diretor do Piratini, Maurício Girardi, há uma dificuldade na habilitação dos equipamentos por falta de verbas. Por isso, o próprio professor Fernando decidiu ir habilitando os computadores para uso aos poucos.
Atualmente, somente cerca de 30 dos 178 disponíveis estão em uso. Entretanto, na sala de aula, o uso é limitado.
– Estamos com problemas para ter uma internet de qualidade na escola. Contratamos o serviço com a Autonomia Financeira (verba da Seduc para uso das escolas em manutenções de rotina), mas às vezes temos problemas – confessa Maurício.
Na sala de aula, a insatisfação dos alunos com as dificuldades no uso da tecnologia é evidente. A estudante Fernanda Moreira de Souza, 15 anos, conta que até costuma usar o próprio celular para estudar, mas com pouca frequência.
– Às vezes, os professores não conseguem nem fazer a chamada de tão ruim que fica a internet – diz Gabriel Tocchetto, 16 anos.
Com a internet limitada, o uso dos computadores fica mais restrito às aulas de Robótica.
– Seria legal usar mais os computadores, mas é preciso mais infraestrutura para isso, uma boa internet – opina Matheus da Costa Graeff, 17 anos.
Lousas digitais também são tendência
Um outro equipamento que vem ganhando espaço nas escolas é a lousa digital. Simplificando, é como um tablet gigante. Uma tela com 1,70m de largura totalmente sensível ao toque. Os professores podem usar para demonstração de conteúdos multimídia, navegação na internet e, claro, para atividades que contam com a participação dos alunos.
Na Emef Santos Dumont, em Canoas, 11 das 18 salas têm lousas interativas. Duas ficam em espaços compartilhados, a biblioteca e a chamada Sala Google, que tem a tecnologia da gigante da informática.
Nestes espaços, os dedos fazem as vezes de giz. A agilidade e o interesse que os itens trazem para o aprendizado são os pontos destacados pela professora Mairi Alves e pela técnica em Educação Básica Patrícia Vicente, que usam frequentemente o equipamento na escola de Canoas.
– Ajuda os alunos a fixarem os conteúdos, eles se sentem muito mais interessados em aprender – conta Mairi.
Aliados na educação
Assim como a aquisição de equipamentos, a infraestrutura para o bom uso dessas ferramentas também precisa ser implementada por meio de programas sistemáticos, não com cada escola agindo de maneira individual.
A opinião é do professor Tiago Bartholo, do programa de pós-graduação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Para o especialista, a pandemia “escancarou a necessidade e urgência” para que se tivesse um avanço na conectividade das escolas públicas no Brasil, principalmente, com internet de qualidade.
– Durante a pandemia, estudos mostraram que as crianças aprendem mais presencialmente e que as ferramentas tecnológicas são eficazes, mas dependem de uma boa conectividade para isso – pontua Tiago.
O professor ressalta que, mesmo assim, o uso das telas deve ser feito com bastante diálogo entre alunos, pais e comunidade escolar. Ainda mais para as crianças pequenas, que devem ter um menor chamado tempo de tela, como define a Organização Mundial da Saúde (OMS):
– O tempo de tela vem aumentando porque o acesso aos dispositivos eletrônicos é cada vez mais abrangente. Entretanto, é preciso respeitar limites. Para crianças menores, por exemplo, da pré-escola e anos iniciais, a OMS recomenda não mais que uma hora por dia de exposição às telas.
Segundo Tiago, tanto estudos nacionais quanto internacionais têm mostrado que o uso excessivo de telas nos primeiros anos de vida reduz a frequência das atividades físicas, da interação e de brincadeiras, podendo prejudicar a saúde física e mental das crianças.
– Um dos ganhos observados na pandemia foi a maior facilidade de comunicação entre a família e a escola. Então, as instituições têm que aproveitar para manter esse diálogo. Para isso, é preciso internet de qualidade e planejamento pedagógico. Não imaginando que as tecnologias por si só vão resolver as questões relacionadas as defasagens de aprendizado, mas tratando elas como um aliado importante da educação – projeta o professor da UFRJ.