É por meio dos conselheiros tutelares que a falta de vagas nas escolas da zona sul de Porto Alegre é evidenciada. Desde fevereiro até quinta-feira (19), conforme a mais recente atualização da Microrregião 7, que atende bairros do Extremo-Sul, foram encaminhadas à Secretaria Estadual da Educação (Seduc) 544 requisições, sendo 442 do Ensino Fundamental e 102 do Médio. O problema, além de retratar a situação de crianças e adolescentes que não possuem matrícula, mostra a demanda por pedidos de transferência.
A situação destas crianças e adolescentes da Capital foi debatida pela Comissão de Educação, Cultura, Desporto, Ciência e Tecnologia, da Assembleia Legislativa, que realizou uma audiência pública no dia 9 deste mês, requerida pelo deputado Dr. Thiago Duarte (União). Para a reportagem, a conselheira tutelar Alice Goulart trouxe os dados apresentados na audiência.
– Tem de tudo um pouco entre as requisições. São 167 só para o 1º ano do Ensino Fundamental e 90 para vagas no 1º ano do Ensino Médio. Uma das coisas que aconteceu que dificultou a matrícula e o acesso foi a questão do cadastro via site. Muitos pais e responsáveis não têm conhecimento e, às vezes, nem acesso à internet – explica.
Também existe a demanda de solicitações de responsabilidade da Secretaria Municipal de Educação (Smed) para a Educação Infantil. Segundo da conselheira, são 102 pedidos de crianças de zero a três anos e 90 para crianças de quatro a cinco anos. Na audiência, a conselheira apresentou casos de alunos matriculados fora da sua região, em outros bairros de Porto Alegre e, até mesmo, em Campo Bom.
– Elas precisam ter essa vaga perto de casa. Mas na matrícula acaba que fica a escola de lá, é absurdo pois já estamos em maio. As crianças continuam sem acesso. As escolas mandam as Ficais (Ficha de Comunicação de Aluno Infrequente) e passam para o Conselho Tutelar cobrar a frequência, mas a maioria desses casos já está aqui esperando a transferência. Em uma relação de 40 Ficais, 38 já eram de pais que tinha feito a requisição. Hoje, temos cerca de 200 Ficais. Na hora de penalizar o responsável vem rápido, mas nesse caso eles não são o violador de direito – explica Alice.
Outro ponto levantado pela conselheira é o risco que essas famílias têm de perder o Auxílio Brasil, que requer a frequência escolar. O debate, além de contar com os conselheiros tutelares da Zona Sul, teve a presença de representantes da Seduc, Smed e Defensoria Pública, entre outros.
Mutirão mostrou problema
Segundo a defensora pública Andrea Paz Rodrigues, o Núcleo de Defesa da Criança e do Adolescente (Nudeca) ingressou com 203 habilitações individuais na Ação Civil Pública que garante o direito as crianças de zero a cinco anos ao acesso à educação. A partir de um mutirão realizado na Restinga, foi atestado que o problema vai além das vagas para os menores:
– Foram atendidos vários tipos de demandas, a maioria de pedidos de vagas em escolas de Educação Infantil, mas também de pedidos de transferência de vaga em virtude da distância da escola ofertada pelo Estado ou município. Sempre buscamos as soluções extrajudiciais antes do ingresso de qualquer ação judicial. Assim, foram encaminhados ofícios postulando tanto as vagas quanto as transferências. Alguns casos, poucos, foram resolvidos na esfera administrativa, sendo que na maioria tivemos que ingressar com pedido judicial.
Escola somente fora do bairro
Uma das responsáveis que procurou o Conselho Tutelar da Restinga foi a dona de casa Carla Vieira Moraes, 37 anos, que é mãe de Eric Davi Moraes de Vargas, nove anos, e de Enzo Moraes de Vargas, seis anos. Os dois filhos estão matriculados em uma escola do bairro Belém Novo. Mas, há cerca de um ano, a família mudou-se para o bairro Restinga, dificultando a ida até a escola. Segundo Carla, a mudança ocorreu quando as aulas seguiam remotamente.
– Eu matriculei lá, porque estávamos lá. Mas, agora, não teria como levar eles ou mandar por transporte. Como que vou largar eles dentro do ônibus? Os professores entenderam o porquê da falta dos dois. Aí, fui nas escolas por perto e em todas tive a resposta de que não tem vagas. Procurei o Conselho Tutelar e me falaram que iriam entrar com o pedido e, em 15 ou 20 dias, eu teria o retorno. Mas, até agora, nada – relata Carla.
Em casa com os filhos, ela lamenta pelo tempo perdido de aprendizado e convívio escolar:
– Desde março espero uma posição através do Conselho Tutelar. Sinto que é o maior descaso com a educação.
A conselheira reforça que a lei garante o direito da criança e do adolescente em escola pública próxima de sua residência, dentro da sua área de zoneamento.
– Por lei, a distância máxima entre a criança e a escola deve ser de dois quilômetros. Belém e Restinga ficam a seis, sete quilômetros – salienta.
Situação parecida é enfrentada pela auxiliar de cozinha desempregada Ana Paula Neves, 34 anos. Após mudança da Restinga, ela procura escola para os filhos na região do Lami. Além da transferência, Ana Paula quer que os filhos possam estudar no mesmo local e turno, mais próximos de casa:
– Minha filha de 15 anos está no nono ano e já vai perder por completo. Vai atrasar toda a educação dela, que iria para o Ensino Médio. Ela e meu outro filho, de 11 anos, estão sem estudar desde o início do ano por causa da mudança. Não tenho como levar eles e informei toda a situação para o Conselho Tutelar.
Secretaria reconhece “demanda atípica”
Em resposta ao problema na região, a Seduc diz que identifica que existe uma demanda atípica na região e trabalha, desde o início do ano letivo, para garantir a matrícula de todos os alunos. A reportagem questionou sobre os dados trazidos pela conselheira e a Seduc informou que conforme o último levantamento, “há a demanda de 13 vagas para o 1° ano do Ensino Fundamental e 53 para o 1° ano do Ensino Médio, os demais estudantes apontados no relatório do Conselho Tutelar estão devidamente matriculados”. A diferença, de acordo com Alice, é dos casos que estão matriculados fora do zoneamento.
Para suprir a necessidade do Ensino Médio, a Seduc afirma que está realizando a abertura de novas turmas. Em relação ao Ensino Fundamental, existem tratativas com a Secretaria de Educação de Porto Alegre, em regime de colaboração, para que os alunos sejam atendidos dentro do zoneamento de suas residências.
A Seduc ainda garante que encontros com as microrregionais do Conselho Tutelar serão realizados para cruzar as informações e sanar as necessidades pontuais para que todos sejam atendidos e matriculados.
Conforme a coordenadora do setor de vagas da Smed, Jaqueline Riceti, o momento é de busca por soluções das demandas atípicas. Segundo ela informou na audiência, há a demanda de crianças que não foram matriculadas durante os dois últimos anos:
– Dentro das requisições de vagas para o 1º ano, temos um número significativo de crianças de oito e nove anos nunca antes matriculadas no Ensino Fundamental e que, por isso, ingressam no 1º ano. Estamos buscando soluções.
De acordo com Jaqueline, já ocorre a abertura de turma, como, por exemplo, na Escola Dolores Alcaraz Caldas, na Restinga. Na audiência, a coordenadora salientou que das 114 demandas encaminhadas pelo Conselho Tutelar para o Ensino Infantil, 97 já estão resolvidas. E sobre a garantida do Auxílio Brasil, Jaqueline explicou que foi feito um levantamento com a Seduc das crianças com requisições de vaga escolar em aberto e as informações encaminhadas ao governo federal, para que o benefício não seja cortado dessas famílias.
Como efetuar a matrícula
Seduc
- Pais e/ou responsáveis podem procurar vaga tanto diretamente na escola pretendida (havendo a vaga, a matrícula é feita no ato), ou na Central de Vagas, que procede com a busca de vaga no zoneamento relativo à residência da família e encaminha a designação para ser entregue junto à instituição de ensino.
- A Central de Vagas da Seduc é localizada na Avenida Borges de Medeiros, 1.501, e atende pelo e-mail central-portoalegre@seduc.rs.gov.br ou pelos telefones: (51) 3288-4892, (51) 3288-4894, (51) 3288-4895.
Smed
- Procure uma escola da rede própria de Porto Alegre ou da rede comunitária perto da sua casa, ou entre em contato pelo e-mail gestaodevagas@portoalegre.rs.gov.br ou pelos telefones (51) 3289-1988 e (51) 3289-1803.