Em 2021, pelo menos um em cada dez estudantes do Ensino Médio em escolas públicas do RS abandonou os bancos escolares ao longo do ano. A taxa de abandono, divulgada nesta quinta-feira (19) pelo Instituto de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), aponta que o Estado tem o quarto pior índice do Brasil nesta etapa, na frente apenas do Pará, do Rio Grande do Norte e da Bahia. A evasão, de 10,7%, é a pior desde 2012, quando o RS registrou abandono de 11,6% nesta etapa. Desde então, os números vinham melhorando anualmente.
O percentual de alunos que abandonaram o Ensino Médio na rede pública gaúcha em 2021 é quase o dobro do registrado em nível nacional – no Brasil, o índice de evasão foi de 5,6% no período. Nos últimos 10 anos, as taxas de abandono nessa etapa sempre foram piores no RS.
Diretor de Pesquisa e Avaliação do Cenpec – organização da sociedade civil que trabalha com foco na educação pública brasileira –, Romualdo Portela de Oliveira destaca sua preocupação com os resultados no Rio Grande do Sul.
— A média nacional, de 5,6%, já preocupa, e o Rio Grande do Sul vai a 10,7%. O Estado, inclusive, puxa a média da região Sul para cima — comenta o diretor.
Apesar de o quadro ser consideravelmente menos grave no Ensino Fundamental, o percentual de abandono também é o pior dos últimos 10 anos no RS – em 2012, o índice de alunos que evadiram das escolas dessa etapa era de 1,4% e, desde então, vinha reduzindo, chegando a 1,1% em 2019 e 0,4% em 2020. Em 2021, porém, a taxa saltou para 1,7%. Em nível nacional, essa taxa caiu de 3% para 1,5% entre 2012 e 2021.
Com a necessidade de isolamento social e o fechamento de boa parte das escolas da rede pública em 2020, os percentuais registrados naquele ano devem ser lidos com ressalvas. Em todos os aspectos relativos às taxas de rendimento – taxa de abandono, de aprovação e reprovação – de 2020 houve uma aparente melhora nos índices. No entanto, a diretora do Centro em Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da Fundação Getulio Vargas (FGV) e professora visitante em Harvard (EUA), Claudia Costin, alerta que os dados revelados pelo Censo Escolar de 2021 ainda são muito frágeis, uma vez que, quando foram coletados, muitas escolas ainda estavam fechadas.
— De certa forma, o que estamos mapeando foi quem não participou das atividades a distância, o que pode ter ocorrido porque esses jovens estavam envolvidos com trabalho. Só vamos ter certeza de verdade com o Censo Escolar de 2022 — aponta a especialista, que avalia que os índices podem ser ainda piores na realidade.
Enquanto isso, na rede privada, as taxas de abandono se mantiveram quase nulas. O índice mais acentuado dos últimos 10 anos foi em 2020, quando, em nível nacional, 2% das crianças do Ensino Fundamental não concluíram o ano letivo. Nos demais anos e no Ensino Médio, bem como quando fazemos o recorte somente das escolas particulares do RS, o percentual máximo de evasão foi de 0,5%.
A diferença entre as taxas da rede privada e da pública evidenciam uma desigualdade educacional agravada durante a pandemia, segundo Claudia Costin.
— Uma coisa foi ficar dois anos fechado em casa com os pais, livros e equipamentos para as aulas remotas à disposição, e outra muito diferente foi ficar dois anos fechado em casa sem livros, sem equipamentos e sem os pais, que precisavam sair para trabalhar. Mesmo tendo programas educacionais na TV ou na rádio, como a criança ou o adolescente vai se organizar para aprender? Os pais têm um papel muito importante nisso — afirma a docente.
A taxa de reprovação, que vinha acima de 10% em todas as etapas no Estado há pelo menos cinco anos, sofreu uma queda drástica em 2020 e 2021 nas escolas públicas – se, em 2017, 12,2% dos estudantes do Ensino Fundamental e 21,3% dos matriculados no Ensino Médio foram reprovados, o índice foi reduzido para 0,5% e 1,1% em 2020, respectivamente. O percentual subiu um pouco em 2021, para 1,9% no Fundamental e 1,5% no Médio. Em nível nacional, a taxa de reprovação, que costumava ser menor do que a gaúcha, ficou acima da média estadual em 2020 e 2021.
Claudia Costin relata que o RS é conhecido por ser um Estado “reprovador”, e que as altas taxas de alunos que não passam de aluno dá indícios de que as escolas gaúchas adotam uma “pedagogia da reprovação” que é “altamente excludente”.
— Na rede privada, o pai do estudante que está em risco de reprovar vai contratar um professor particular para lidar com isso. Na pública isso não existe para a maioria das famílias, então o aluno acaba reprovando, o que faz com que ele acabe desistindo da escola, já que a escola passa a ser fonte só de sofrimento — ressalta a especialista.
A docente defende que, em bons sistemas de ensino, é tão malvisto aquele que aprova todo mundo, quanto aquele que reprova. Em sua visão, é preciso ensinar de forma que todos aprendam.
Principal responsável por oferecer o Ensino Médio na rede pública, a Secretaria Estadual de Educação (Seduc) afirma, em nota enviada à reportagem, que impacto da pandemia no aprendizado de crianças e adolescentes fez com que a pasta realizasse uma série de iniciativas para garantir a permanência dos estudantes em sala de aula, evitar a evasão escolar e recuperar as perdas de aprendizagem. "A ideia destas ações, promovidas desde 2021, é qualificar a oferta de ensino público gaúcho de forma mais inclusiva e equitativa e capacitar os profissionais envolvidos", diz o comunicado.
Entre as ações apontadas, estão a busca ativa de alunos (que trouxe mais de 19 mil estudantes de volta ao convívio escolar em 2022); o Aprende Mais, programa de recuperação e aceleração da aprendizagem que aumenta a carga horária de Português e Matemática e oferece R$ 154,7 milhões de bolsas para os docentes da Rede Estadual; a Bolsa todo Jovem na Escola, que garante auxílio financeiro aos alunos; o Programa Merenda Melhor, que aumenta em 166% o repasse da alimentação escolar e o Livre para Aprender, que realiza o repasse de recursos de modo a garantir a aquisição de absorventes higiênicos pelas unidades escolares.
Relação entre taxas de reprovação e abandono
Assim como Claudia, Romualdo Oliveira destaca a relação entre as taxas de reprovação e de abandono:
— A reprovação induz a um processo futuro de abandono escolar. Isso fica claro porque o percentual de abandono é maior entre os alunos que já foram reprovados. Claro que, em um contexto pandêmico, a redução da reprovação pode ter acontecido devido a uma flexibilização maior das redes, mas os índices confirmam as previsões mais pessimistas — afirma o diretor.
Para o especialista, o prolongamento da pandemia fragilizou e concluiu esse rompimento dos laços de crianças e adolescentes com a escola. Em sua visão, o que deve ser feito, para contornar a situação, é um trabalho intenso e célere de busca ativa dos jovens evadidos e a melhoria das condições das instituições, a fim de torná-las mais atraentes para os estudantes.
Roberto Catelli, coordenador executivo da ONG Ação Educativa, salienta que o aumento do abandono escolar é um problema rápido de se instituir e demorado para se resolver.
— Você não traz rapidamente o aluno de volta para a escola. Iniciativas como pagar um valor mensal para o estudante voltar a estudar são tentativas que têm dado algum resultado, mas isso certamente não basta: também temos que verificar como recuperar essa aprendizagem, estimular o aluno e apoiar o professor nos grandes desafios que eles estão lidando, como questões emocionais e climas bastante conflituosos em sala de aula — cita Catelli.
O censo
O Censo Escolar é coordenado pelo Inep e realizado, em regime de colaboração, entre as secretarias estaduais e municipais de Educação, com a participação de todas as escolas públicas e privadas do país. Ele é o principal instrumento de coleta de informações da educação básica e a mais importante pesquisa estatística educacional brasileira.