"Vocês pensaram que não haveria formatura? Nós não íamos deixar esse momento especial passar em branco!". Foi com essa frase que o carro de som rompeu o silêncio na área rural no assentamento Belo Monte de Eldorado do Sul. Aos poucos, os moradores começaram a se aproximar de uma Kombi estacionada às margens da estrada de chão batido. E foi ali mesmo que a solenidade de entrega de certificados, quase inimaginável em meio à pandemia de coronavírus, aconteceu para alunos da Escola Estadual de Ensino Fundamental Sergipe, do bairro Bom Retiro.
Por causa da covid-19, os professores estavam incomodados com a possibilidade de não realizarem nenhuma atividade para se despedir dos alunos. Ao todo, 14 estudantes concluíram o 9º ano do Ensino Fundamental e outros quatro alunos do Ensino de Jovens e Adultos (EJA Fundamental). Em meio ao ano duro e atípico, e a um momento tão especial, os professores tiveram uma ideia.
– Conseguimos uma Kombi emprestada e nós, professores e funcionários, fizemos a decoração do carro. Até vaquinha a gente fez entre nós para comprar os presentes dos formandos. Aí, fizemos os enfeites e estamos entregando os certificados na casa dos alunos, aqui na estrada – disse a diretora da escola Sergipe, Claudete de Oliveira.
A festa foi praticamente igual à de uma formatura convencional, porém o palco foi substituído pela carroceria do veículo - e os abraços deram espaços ao cumprimento do "soco entre mãos". Os professores produziram uma painel para fotos, pendurado na lateral do veículo, e colocaram um barrete (capelo) sobre a parte dianteira do carro.
A vice-diretora da Escola Raquel Ritter comandou o microfone, chamando os alunos a receberem o grau de Ensino Fundamental - tudo na Kombi à beira da estrada de chão batido. Os demais professores, incluindo a paraninfa da turma, também fizeram os discursos.
Na casa da família Silva, a festa foi em dobro. Os irmãos gêmeos Vitor e Mariana, de 15 anos, formaram-se no 9º ano e foram pegos de surpresa com a produção da formatura.
– Bah! Eu quase tive um ataque! Meu Deus. Achamos que seria uma coisa simples. A diretora disse que viria aqui para entregar os nossos certificados. A gente nem se preparou muito. E aí veio essa festa toda – comentou a menina, emocionada com o diploma na mão.
Sem internet para os alunos, professores usavam "sacolinha de materiais"
Muitos dos estudantes da Escola Estadual Sergipe são de áreas rurais e carentes. Os sinais de telefonia e internet são praticamente inexistentes na área. O desafio de ensinar a distância tornou-se ainda maior, mas os professores driblaram isso.
– Nós tivemos que nos adaptar. Os professores produziram materiais impressos e a gente deixava esse material nas regiões de 15 em 15 dias. Aí, depois de duas semanas, a gente vinha buscar uma sacolinha de materiais e já trazia outra – comentou a diretora Claudete.
Os alunos e professores reconhecem que o estudo não era o ideal, mas foi melhor possível para lidar com a situação de falta de infraestrutura e impossibilidade de encontros presenciais. A diretora ressaltou que o intuito é, nos próximos anos, transformar a escola Sergipe em uma instituição de nível médio, com possibilidade de aprendizado técnico rural para atender as demandas dos alunos da região.
Aos 73 anos, o diploma
Dílson de Souza não entrava em uma sala de aula há mais de 60 anos. Mas tudo mudou por causa do neto. Com medo da criminalidade na região, ele começou a levar e trazer o menino para a escola Sergipe e até acompanhou algumas aulas. Gostou das aulas e decidiu voltar a estudar. E neste ano, conseguiu concluir o EJA.
Ao falar sobre o tema, "seu Dílson", como ficou conhecido entre os colegas e professores, não conseguiu conter a emoção. A alegria era a mesma dos jovens que estavam recebendo o diploma.
– Eu estudei antes até o segundo ano do primário. Depois parei. E só agora consegui completar. Nunca é tarde para ser feliz. Há 60 anos, eu chorava porque não tive condições de estudar – disse ele, que largou os estudos na adolescência para trabalhar e ajudar a família. - Agora quero completar o Ensino Médio - completou o formando de 73 anos.