Não há plano de contingência para realização do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) caso a pandemia de coronavírus se prolongue até novembro, disse Camilo Mussi, presidente substituto do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas (Inep), órgão ligado ao Ministério da Educação (MEC) e responsável pela produção da prova. As inscrições para o exame começaram na segunda-feira (11).
De acordo com Mussi, o MEC e o Inep têm dialogado com o Ministério da Saúde para que decisões sejam tomadas. O presidente do instituto afirma que não há qualquer possibilidade de o Enem 2020 ser cancelado e que o adiamento seria prejudicial para o acesso de estudantes à universidade, mas confirma que em até um mês haverá nova reunião com o ministério para reavaliar a situação.
Um funcionário da área técnica do Inep disse à Folha de S.Paulo, em condição de anonimato, que é praxe do instituto criar planos de contingência para eventuais crises, mas que não houve um planejamento específico relacionado à pandemia do coronavírus. Segundo este funcionário, já há atrasos na preparação do órgão para o exame.
O ministro da Educação, Abraham Weintraub, já expressou mais de uma vez sua oposição ao adiamento. No começo do mês, em reunião com senadores, o ministro chegou a dizer que o Enem não serve para corrigir injustiças.
Para Claudia Costin, diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV), ex-diretora de educação do Banco Mundial e colunista da Folha, o ministério errou ao não coordenar a resposta educacional à covid-19 no país e ignora a importância do Enem para a educação brasileira.
— O ministro deveria aparecer para dizer o que está sendo feito para garantir a educação em casa. Não dá para deixar esses jovens tantos dias sem o direito de aprendizagem enquanto as escolas particulares estão mandando tarefas e atividades para casa, com aulas e orientação — disse.
Costin aponta que os instrumentos educacionais deveriam dispor de uma combinação de excelência com equidade, considerando as diferenças socioeconômicas dos estudantes:
— Deve-se, sim, ter altas expectativas de aprendizagem, mas ao mesmo tempo não esquecer que a educação é um dos poucos elementos de nivelamento de origem socioeconômica. Quando os jovens voltam para suas casas e ficam sem recursos, livros, acesso confiável de internet ou melhores condições de estudar mesmo com esforço dos estados e municípios, nós estamos dizendo que temos jovens que, por sua origem de classe, valem menos do que outros.
As inscrições para a prova deste ano já ultrapassaram o patamar de estudantes registrados no primeiro dia de inscrição do ano passado. Em 2019, nas primeiras 24 horas de inscrição, 1,3 milhão de candidatos se registraram. Nesta segunda, foram mais de 1,4 milhão, uma média de 30 candidatos por segundo.
Mussi afirma que o número de candidatos registrados no primeiro dia de inscrições abertas para o Enem indica que as pessoas têm possibilidade de fazer inscrição.
— Não parece haver falta de acesso ou conectividade. Pelo menos 60% dos candidatos se registrou pelo celular — disse.
Para o presidente substituto, é prematuro falar em adiamento do exame porque isso levaria a um efeito cascata. Isso porque após a realização da prova são necessários cerca de 60 dias para a digitalização dos cartões de resposta e para que a correção seja feita. Após esse prazo ainda seria necessária a inscrição no Sisu e posterior matrícula nas universidades para ingresso no ensino superior.
— O calendário serve para que as pessoas possam fazer seu planejamento. A forma como a prova será feita, se haverá distanciamento maior ou se será adiada está sendo pensado, mas não há nenhuma decisão tomada porque isso depende do Ministério da Saúde. Ainda não existe plano de contingência contra o coronavírus. O adiamento da prova é possível e pode ser feito — afirmou
O diretor de estratégia política da ONG Todos pela Educação, João Marcelo Borges, diz acreditar que "há preguiça ou que o ministro está em negação quanto à gravidade da crise". Para ele, o MEC deveria ter começado a desenhar um plano de contingência com variados cenários possíveis desde que a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a expansão dos casos confirmados de coronavírus uma emergência de saúde internacional em 30 de janeiro. Em 11 de março a organização declarou a pandemia da covid-19.
— É uma preguiça, um menosprezo da situação, isso vai criando mais problemas. O MEC pode chamar as associações nacionais de ensino superior, as universidades estaduais e as particulares e coordenar o calendário do ensino superior de 2021. Mas isso dá trabalho, precisa ser planejado e é necessário ouvir. E esse não é um ministério disposto ao diálogo — disse.
Borges diz que o posicionamento do ministro tem inviabilizado a resposta do MEC à pandemia. O diretor indica que o ideal seria que houvesse uma gestão federativa da educação, similar ao Sistema Único de Saúde (SUS), mas que apesar de haver previsão na Constituição para que se crie esse mecanismo, o projeto está travado no Congresso.
— Na ausência disso, caberia ao MEC ter criado um gabinete para dialogar com os estados e municípios e com as escolas particulares. No caso do Enem não basta adiar o exame. Um eventual adiamento tem que estar associado a uma coordenação com as instituições de ensino superior para que o adiamento não impeça os aprovados de ingressarem no primeiro semestre em 2021. Isso é possível, porque cabe à União coordenar a política de ensino superior no Brasil — explica.
A União Nacional dos Estudantes (UNE) e a União Brasileiras dos Estudantes Secundaristas (Ubes) entraram na segunda (11) com um mandado de segurança no Superior Tribunal de Justiça (STJ) requerendo o adiamento do Enem em virtude da pandemia de coronavírus.
Ambas as instituições apontam que os candidatos mais pobres serão prejudicados caso o calendário atual do Enem se mantenha. Entre os motivos está a dificuldade de acesso à internet e falta de recursos, como computadores, por exemplo.