Geralmente repleta de troca de afagos e gentilezas, a relação entre pais e escolinhas tem atravessado uma prova de fogo em razão do coronavírus e da quarentena. Especificamente, desde a chegada dos boletos de abril, um mês em que creches e escolas de educação infantil não abrirão, conforme determinação do governo do Estado para toda rede de educação no Rio Grande do Sul, pública e privada.
Para muitos pais, a sensação é de que a cobrança da mensalidade integral é descabida em razão do serviço não estar sendo prestado. Para as escolas, a situação é delicada, pois há compromissos financeiros inadiáveis, como aluguel e remuneração de funcionários, que respondem por cerca de 70% dos custos operacionais.
— Nos últimos dias temos recebido muitas consultas de pais que não sabem como proceder diante da cobrança de abril. O consumidor não sabe se tem que pagar ou se há margem para negociar, por exemplo — relata Fernanda Borges, diretora-executiva do Procon de Porto Alegre.
A resposta fria à primeira questão é que os consumidores não são obrigados a pagar por um serviço que não utilizarão nem assumir multas contratuais em razão de o cancelamento ocorrer por força maior. Fernanda explica que a situação das escolinhas e das creches, cujo ensino não é obrigatório e envolve diretamente o atendimento presencial às crianças, é diferente das instituições que cumprem carga-horária, como no Ensino Médio e nas universidades, e que estão compensando a quarentena com Ensino a Distância (EAD). Por outro lado, famílias que deixarem de quitar a fatura possivelmente perderão as vagas de seus filhos.
— Temos orientado pela negociação. É preciso que os dois lados compreendam o momento delicado. Assim como os pais podem ter perdido a renda, os estabelecimentos também poderão entrar em extrema dificuldade se não receberem as mensalidades — pondera a diretora do Procon.
Alcançar o meio termo, portanto, é o melhor caminho para que todos sobrevivam à crise causada pela pandemia. O administrador Felipe Moura, 39 anos e servidor público do Estado, conta que a escola do filho Rodrigo, de quatro anos, abriu negociações para pais que estivessem enfrentando dificuldades em razão da pandemia.
— Os pais se organizaram para pedir um desconto de 20% nas mensalidades de abril, mas a escola descartou e passou a tratar individualmente cada caso — conta.
Moura pediu que a escola flexibilizasse a data do vencimento da cobrança para amenizar a disparidade com o pagamento do próprio salário, que há mais de 50 meses atrasa. Conseguiu acordo.
— Eu entendo que a escola também tem seus custos fixos, por isso não insisti no desconto. Até porque eles mantiveram muitas atividades, mesmo a distância — conta.
A escolinha de Rodrigo tem utilizado uma ferramenta online para enviar as tarefas que realizaria nas aulas. Além disso, as professoras têm feito transmissões ao vivo com as atividades educativas aos pequenos.
O administrador considera que a instituição demonstraria empatia se espelhasse nas mensalidades sua redução de custos com luz, água e alimentação durante o fechamento. Por outro lado, teme que um corte agora seja usado para justificar reajuste nas mensalidades no ano que vem.
Vice-diretora da Escola de Educação Infantil Pais e Filhos, no bairro Menino Deus, em Porto Alegre, Luciane Gonçalves explica que custos como esses são pouco representativos nos estabelecimentos. O peso principal está em folha de pagamento, aluguel e quitação de empréstimos bancários, que juntos absorvem de 60% a 75% das despesas.
— Esta é uma situação atípica e que as escolas também estão aprendendo a lidar. Temos visto que muitos pais estão aceitando pagar na íntegra as parcelas, preocupados em evitar demissões e manter o vínculo afetivo entre filhos e professores após a pandemia — afirma Luciane.
Ela é uma das organizadoras de um movimento que aproximou 114 creches e escolas infantis, principalmente de Porto Alegre e Região Metropolitana, para debater soluções ante o desafio trazido pela clausura temporária. Foi acionada uma firma de advocacia para ajudar os estabelecimentos a conhecer suas alternativas legais em meio à quarentena, como a adaptabilidade da Medida Provisória 936, que trata da redução de salários e jornada de empregados durante o estado de emergência no país. Também pelo lado das despesas, o grupo se organiza para negociar com fornecedores as contas que poderão atrasar caso a quarentena se prolongue para maio.
As diretorias debatem via grupo de WhatsApp como proceder diante da necessidade de cobrança das mensalidades. Isso porque algumas escolas continuam prestando serviços às crianças, enviando conteúdo via internet e dando acompanhamento pedagógico aos pais durante o isolamento.
— O serviço que é pago às escolas e creches está sendo entregue, ainda que de uma forma diferente. O desenvolvimento infantil não se limita ao espaço físico — reforça.
A opinião enfrenta resistência entre alguns pais. A professora de educação física Angelita Carboni, 43 anos, percebe que a filha Sophia, de cinco anos, sente falta dos colegas, das brincadeiras no pátio da escolinha e das aulas de artes, música, capoeira e inglês. Em casa, explica, os pais não têm a mesma habilidade dos professores para aplicar essas aulas, e os pequenos ainda perdem a convivência com colegas e professores.
Uma alternativa oferecida pela escola de Sophia foi o pagamento de 60% do valor de abril à vista e 40% diluídos nos meses seguintes — o que foi descartado pela família para evitar uma nova dívida. Em contrapartida ao mês sem atividades presenciais, a escolinha se comprometeu a eliminar o recesso de final de ano, que dura quase um mês.
— Em abril pagamos a mensalidade na íntegra, mas se a escola continuar fechada em maio, dificilmente iremos pagar por um serviço que não estamos usufruindo — afirma Angelita.
O Sindicato Intermunicipal dos Estabelecimentos de Educação Infantil do Rio Grande do Sul (Sindicreches) entende que as famílias têm obrigação de quitar a fatura mesmo sem o atendimento presencial, uma vez que a Lei 9.870, de 1999, que versa sobre anuidades escolares, engloba as escolas infantis. Com isso, o valor da mensalidade seria uma das 12 parcelas, e não uma cobrança isolada. Como muitas instituições seguem operando mesmo remotamente, o Sindicreches avalia que o serviço não foi interrompido.
— Nosso entendimento é de que as escolas devem e precisam continuar cobrando e recebendo as quantias devidas, ainda que haja sempre espaço para o bom senso e ajuste entre as partes — avalia Aurea Regina Pedrozo da Silva, responsável pelo departamento jurídico do Sindicreches.
Como as escolas podem compensar a paralisação das atividades, mantendo as mensalidades
- Ofertar serviços adicionais para quando do retorno das atividades, como ampliação do horário de funcionamento de segunda a sexta-feira, disponibilização de atendimento aos sábados, ininterrupção das atividades em períodos como férias de inverno ou de verão, entre outras possibilidades.
- Redução de um percentual do valor das mensalidades distribuídas ao longo do ano, de forma que não haja a interrupção dos pagamentos mensais e se encontre uma compensação e equilíbrio econômico-financeiro das partes.
- Planos alternativos de pagamento para os pais/responsáveis que tiverem seu sustento atingido em razão da declaração de calamidade decorrente da pandemia.
Fonte: Procon de Porto Alegre