Locais de abraços fraternos, risadas contagiantes, conversas pedagógicas e compartilhamento de objetos, os ambientes de trabalho são potentes disseminadores de doenças virais, como a covid-19. Estes espaços precisam ser preparados para, cedo ou tarde, indústria, comércio e serviços retomarem suas atividades gradualmente.
O estudo "Tendências de Marketing e Tecnologia 2020: Humanidade redefinida e os novos negócios", capitaneado pelo professor André Miceli, da Fundação Getulio Vargas, prevê crescimento de 30% do home office no Brasil passada a crise. Porém, a imensa maioria dos trabalhadores terá de ocupar seu posto original de trabalho e, por isso, há necessidade de adaptação do ambiente, a começar pelo distanciamento entre as pessoas.
— Uma bancada onde antes trabalhavam cinco funcionários, agora terá de ser utilizada por dois. Nos restaurantes, as pessoas não vão poder sentar frente a frente. O ideal é que fiquem intercaladas e com uma cadeira vazia de cada lado — explica o médico Fernando Thome Kreutz, doutor em biotecnologia e professor licenciado de imunologia na Escola de Ciências da Saúde e da Vida da PUCRS.
Algumas empresas estão abrindo mão dos refeitórios e oferecendo comida para ser consumida na estação de trabalho. Computadores, canetas, telefones e outros objetos, habitualmente compartilhados, necessitarão ser individualizados para evitar que a contaminação se espalhe.
— Aqueles escritórios com grandes mesas repletas de pessoas sentadas lado a lado e de frente umas para as outras devem ser estruturalmente modificados por algum tempo —acrescenta Miceli.
Para o professor da FGV, a tendência é que sejam adotados layouts comuns na década de 1990, com cabines de trabalho exclusivas, limitadas por divisórias que chegam a 1m70cm e servem de barreira para as gotículas salivares. A transmissão do coronavírus se dá, principalmente, de maneira direta, a partir do contato com a saliva do infectado. Também há contaminação indireta, quando alguém deixa saliva na superfície de um corrimão ou maçaneta, por exemplo. Se outra pessoa tocar, poderá levar o vírus para o seu corpo quando colocar a mão nos olhos, no nariz ou na boca.
Novos horários como alternativa
Ricardo Kuchenbecker, professor de Epidemiologia da UFRGS e gerente de Risco do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, ressalta que cada ramo da atividade produtiva tem as suas especificidades e se diz mais preocupado com a junção de pessoas do que com a contaminação indireta.
— Os empregadores terão de estar atentos às aglomerações. As agências bancárias, por exemplo, precisarão estabelecer algum regramento. Cada setor terá de se adaptar de alguma forma, porque, pelo menos nos próximos seis meses ou um ano, o vírus vai estar circulando — projeta.
A professora do curso de Engenharia da Produção da Universidade Feevale Jacinta Sidegum Renner sugere que entrada, saída e horário de almoço, sobretudo nas grandes indústrias, sejam escalonados para não haver aglomeração:
— Se todo mundo tiver que bater o cartão às 7h, inevitavelmente haverá aglomeração. Porém, se alguns entrarem às 7h, outros 15 minutos mais tarde e assim por diante, pode nem haver fila — detalha, lembrando que o uso de máscara é indispensável.
Home office definitivo
Rodrigo Sisnandes é diretor-presidente de uma empresa que oferece previdência privada em Porto Alegre e que adotou o home office há cerca de um mês por conta da pandemia. Apesar de não ter ideia de quando a sede será novamente ocupada pelos funcionários, algumas decisões estão tomadas, prontas para serem colocadas em prática quando esse dia chegar. Uma delas é redesenhar o ambiente de trabalho para acomodar os colaboradores o mais distante possível.
A Família Previdência ocupa seis andares de um prédio localizado na Rua dos Andradas, no centro histórico da Capital, e emprega 82 pessoas. O imóvel comporta bem o quadro de funcionários, mas Sisnandes estuda utilizar espaços ociosos para garantir uma distância segura para colaboradores e clientes. Outra medida em análise é a permanência definitiva em home office de 30% do pessoal, dando prioridade para ficar em casa os que pertencem ao grupo de risco para o coronavírus.
— O home office vai fazer parte da nossa empresa. Não estava no nosso radar antes da pandemia, mas essa situação toda nos ajudou a entender que algumas coisas funcionam até melhor assim do que presencialmente.
O retorno, ainda sem data marcada, será gradual e sem descuidar das medidas essenciais para evitar a propagação. A disponibilidade de álcool gel e a limpeza constante das mesas, botões dos elevadores e catracas, ações intensificadas ainda quando a sede estava ocupada, vão ter atenção redobrada a partir do retorno à normalidade.
— Vamos voltar somente quando tivermos segurança absoluta. Até porque atendemos um público de mais idade, vulnerável — explica.
Embora considere cedo para dizer quando a situação tende a normalizar, Kreutz acredita que as mudanças sejam temporárias:
— Estes espaços precisarão ser adaptados até que uma vacina seja desenvolvida, o que não tem previsão para acontecer, ou até que ao menos 30% da população adquiria anticorpos que combatam o coronavírus. Depois disso, pode ser que tudo volte à normalidade — finaliza.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou um guia com as orientações para empregados e empregadores que valem para o período crítico da pandemia e para os meses seguintes à crise. No documento, estão listadas medidas como limpar superfícies várias vezes ao dia; estimular a lavagem regular e completa das mãos dos funcionários e clientes; colocar higienizadores de mãos em locais de destaque na empresa; espalhar cartazes no ambiente incentivando a etiqueta respiratória; e disponibilizar máscaras.
Dicas da Federação do Comércio do RS e da Federação das Indústrias do RS
- Flexibilize os turnos para reduzir uso de transporte coletivo nos horários de pico
- Crie novos turnos para reduzir contato social na empresa
- Adote o home office em dias alternados por equipes
- Reduza encontros presenciais e viagens de trabalho
- Estimule reuniões virtuais mesmo no ambiente da empresa
- Restrinja o acesso ao público externo
- Estabeleça diferentes turnos de refeição
- Mantenha, se possível, o estabelecimento com uma entrada para os clientes, controlada por um funcionário. Em caso de fila, sinalize o distanciamento de dois metros
- Estabeleça jornada reduzida de atendimento ao público
- Regule a entrada de pessoas mantendo número reduzido de clientes no interior
- Sinalize o chão informando distância mínima entre clientes
- Adote barreiras físicas, como um vidro, entre funcionários e clientes
- Crie procedimentos para isolamento imediato de casos suspeitos e promova treinamento aos seus trabalhadores para implementar esses procedimentos