O anúncio de que o governo federal não deve realizar concursos públicos nos próximos anos, feito no sábado (22) pelo presidente Jair Bolsonaro, coloca em risco o preenchimento de pelo menos 15 mil vagas, segundo levantamentos de empresas que monitoram o setor.
Diante dos problemas orçamentários, o corte dos certames seria uma forma de conter gastos com pessoal. Bolsonaro abriu exceção apenas para a Polícia Federal (PF) e para a Polícia Rodoviária Federal (PRF), que buscariam autorização para concursar 7,9 mil cargos.
— Dificilmente teremos concurso no Brasil nos próximos poucos anos — afirmou o presidente.
GaúchaZH pediu ao Ministério da Economia dados sobre quantos pedidos de realização de concursos tramitam na pasta e quantos postos de trabalho estariam envolvidos, mas os números não foram fornecidos.
"A realização de novos concursos está temporariamente suspensa", afirmou o ministério, em nota. "A situação fiscal do país limita a atuação da administração pública em ações que acarretem impactos orçamentário-financeiros tanto para este ano quanto para os exercícios subsequentes, o que impossibilita a autorização de um concurso público".
No sábado passado, o presidente Jair Bolsonaro explicou que foi o ministro da Economia, Paulo Guedes, quem decidiu reduzir concursos públicos no Executivo e restringi-los a poucas áreas, entre elas a Polícia Federal e a Polícia Rodoviária Federal.
— O pessoal cobra de mim. Emprego não sou eu. Eu emprego quando crio cargo de comissão ou quando faço concurso. E o Paulo Guedes decidiu basicamente que poucas áreas terão concurso, porque não tem como pagar mais — disse o presidente.
Em seguida, ele vinculou o tema à reforma da Previdência, que tramita no Congresso:
— Em todas as minhas andanças pelo mundo, parece que a palavra mágica passou a ser reforma da Previdência. Muita gente quer investir aqui. E gente de dentro do Brasil. Estão esperando isso que virou algo mágico. Se a Previdência sair, voltamos a ter confiança e os investimentos virão. E atrás disso vem emprego.
INSS pede para contratar 7.580 profissionais
Empresas que acompanham o setor, no entanto, oferecem um vislumbre da quantidade de vagas que ficariam bloqueadas. O portal Concursos no Brasil, que monitora a área há mais de uma década, contabiliza pelo menos 12.744 cargos solicitados ao Ministério. São postos que 12 órgãos federais pediram autorização para preencher mediante concurso. Apenas o INSS pede para contratar 7.580 profissionais. Além disso, o portal cita mais de uma dezena de outros entes federais que pediram para realizar concursos, mas em que se desconhece o número exato de vagas.
Isso costuma acontecer sempre no começo dos governos. Aconteceu com Dilma, com Fernando Henrique e até com Collor. Dizem que vão parar de fazer concurso, mas depois não é bem assim. Fica insustentável ao longo do tempo. Por isso as declarações de Bolsonaro e de Paulo Guedes são irresponsáveis, refletem uma análise rasa.
GABRIEL HENRIQUE PINTO
Diretor da Central de Concursos
A Central de Concursos também repassou um levantamento a GaúchaZH, que teria sido feito com consulta direta aos órgãos federais. Nesse levantamento, há alguns concursos que não constam da outra lista ou que têm números mais atualizados, somando 2.477 vagas extras.
No cômputo geral, ficariam bloqueados pela suspensão dos concursos no mínimo 15.221 cargos que tiveram o preenchimento solicitado (o dado exclui PF e PRF, que segundo Bolsonaro não seriam atingidas). Não há detalhamento sobre em que cidades e Estados essas vagas seriam abertas.
Alberto Vicente Silva, editor do portal Concursos no Brasil, observa que, mesmo sem a suspensão dos certames, não era certo que os postos no serviço público fossem disponibilizados para os concurseiros. Ele observa que, depois de uma explosão de concursos na década passada, o governo começou a brecar os processos a partir do governo de Dilma Rousseff. Muitas das solicitações que foram encaminhadas ao Ministério da Economia recentemente, ressalta ele, já haviam sido enviadas e negadas em anos anteriores.
— O que pode acontecer é o governo contingenciar mais e demorar mais para lançar os editais, mas os concursos não vão deixar de acontecer. Mesmo que se fale em digitalizar setores, vai faltar alguém, porque ocorrem exonerações e falecimentos. Mas milhares de vagas devem deixar de ser preenchidas. As pessoas têm de focar mais em concursos estaduais e municipais — recomenda.
Gabriel Henrique Pinto, diretor da Central de Concursos, cita dados de 2016 segundo os quais essas duas instâncias corresponderiam a 89% das vagas no serviço público. O setor federal compreenderia apenas 11% do total — mas aí estariam incluídos também o Legislativo e o Judiciário, que não seriam atingidos pela suspensão dos processos seletivos. Como PRF e PF receberam sinal verde de Bolsonaro para as contratações, os setores atingidos representariam uma proporção modesta do funcionalismo.
Milhares de vagas devem deixar de ser preenchidas. As pessoas têm de focar mais em concursos estaduais e municipais.
ALBERTO VICENTE SILVA
Editor do portal Concursos no Brasil
— No universo total de concursos, não é tão importante — minimiza Pinto.
Ele critica Bolsonaro e o ministro da Economia, Paulo Guedes, por anunciarem a suspensão e duvida de que consigam manter o intento:
— Isso costuma acontecer sempre no começo dos governos. Aconteceu com Dilma, com Fernando Henrique e até com Collor. Dizem que vão parar de fazer concurso, mas depois não é bem assim. Fica insustentável ao longo do tempo. Por isso as declarações de Bolsonaro e de Paulo Guedes são irresponsáveis, refletem uma análise rasa. Tem servidor público que gera receita, não despesa. Um auditor da Receita Federal às vezes paga em um dia de trabalho o seu salário de vários meses.
GaúchaZH encaminhou vários questionamentos ao Ministério da Economia sobre a suspensão dos concursos, incluindo dúvidas sobre como ficam os editais que já estão em andamento e os concursados já aprovados. Também perguntou ao Ministério se confirmar os dados levantados pelas empresas que monitoram o setor estão corretos. Até a publicação desta reportagem, não havia resposta a essas questões.