O currículo acadêmico Lattes vai permitir a inclusão da data de nascimento ou de adoção de filhos de pesquisadores após manifestações e estudos sobre o impacto da maternidade e paternidade na carreira de cientistas – principalmente das mulheres. O dado ajudaria explicar uma queda na produtividade nesse período.
O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), responsável pelo currículo Lattes, afirma que não há data exata para a mudança, mas ela dever estar disponível nos próximos meses.
As informações, que podem ser preenchidas tanto em currículos de mulheres quanto de homens, são opcionais e não estarão disponíveis ao público geral. A ideia inicial é que os dados sejam usados em estudos futuros sobre o impacto do nascimento e da adoção de filhos na produtividade de cientistas.
Fernanda Staniscuaski, coordenadora do Parent in Science, afirma que o sigilo do dado é relevante para as pesquisadoras não terem medo de informar a maternidade no currículo.
— A primeira coisa que nos questionam é se não pode virar algo que prejudique caso as empresas tenham acesso. "Ela é mãe, eu não quero."
Em 2018, partiu do movimento, que analisa a relação entre a maternidade e a ciência, a demanda para que a inclusão das informações de maternidade e paternidade entrasse no Lattes. A proposta foi apoiada por 34 entidades científicas, entre elas a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências (ABC).
Segundo um estudo do grupo, que ouviu 1.216 docentes (64 homens), quase metade (45%) afirma não ter tempo de trabalhar em casa, enquanto 21% só conseguem fazê-lo depois que os filhos estão dormindo. Quase 60% das entrevistadas avaliam que a maternidade teve impacto negativo em suas carreiras, e 56% dizem que não conseguem cumprir prazos.
Outro problema, aponta um estudo realizado pela Universidade de Barth, no Reino Unido, com 262 pesquisadores, incluindo mulheres com filhos pequenos, é que elas recebem menos investimento em suas linhas de pesquisa. Além disso, o número de citações de seus trabalhos em artigos cai, indicando perda de relevância.
De acordo com um trabalho da Universidade de Cornell publicado na revista American Scientist, o impacto é ainda mais intenso em áreas relacionadas às ciências exatas.
A preocupação de Staniscuaski agora é que os novos dados tenham um impacto real na vida das cientistas.
— Não adianta colocar no Lattes se não tiver efeito — diz. —Precisa haver uma flexibilização na análise em editais.
Segundo a coordenadora do grupo, os editais de fomento costumam olhar a produção dos últimos cinco anos. Para ela, é necessário ampliar esse tempo, considerando que o impacto da maternidade pode durar até quatro anos.
— O ideal, nosso sonho de consumo, é que existam editais de financiamento para cientistas que têm filhos — afirma Staniscuaski, que salienta que é uma realidade difícil no contexto de cortes na ciência.
"O fomento a ações de promoção da equidade entre homens e mulheres na ciência e tecnologia é uma das principais exigências mundiais da área", disse o CNPq, em nota. "Parte da discussão sobre implementação de políticas para fomento à participação de mulheres na C&T (ciência e tecnologia) é dirigida à atração de mulheres para a área; outra parte também importante é a mudança de determinados mecanismos de exclusão ou estagnação na carreira científica."