O alerta de possíveis cortes de bolsas de pós-graduação feito pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), na semana passada, chamou atenção para os efeitos da definição de um teto que limita os gastos públicos no país por 20 anos. Mas não são apenas as pesquisas em nível superior que a Emenda Constitucional 95 proposta pelo governo federal e aprovada no Congresso em 2016 preocupa. Pesquisador da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, David Plank afirmou nesta terça-feira (7) que o teto de gastos é um obstáculo para a implementação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) nas escolas brasileiras e, consequentemente, para se avançar na qualidade da educação.
A BNCC define o que os estudantes da rede pública e privada devem aprender em cada etapa da Educação Básica. O documento para a Educação Infantil e para o Ensino Fundamental foi aprovado no ano passado. Já a parte do Ensino Médio segue em discussão no Conselho Nacional de Educação, com expectativa pelo Ministério da Educação de aprovação até o fim deste ano.
Plank estuda junto com um grupo de pesquisadores americanos e brasileiros em Stanford a implementação da BNCC no Brasil, com financiamento da Fundação Lemann. Estudioso do Common Core, o padrão curricular nacional dos Estados Unidos, ele defende uma base comum para todos os alunos como um importante passo para se avançar na qualidade da educação, mas reconhece que disputas políticas e falta de dinheiro podem impactar o sucesso da política.
— O teto dos gastos é um obstáculo para a implementação (da BNCC). Recursos facilitam a mudanças, com recursos se pode fazer coisas novas e melhorar a qualidade —afirma.
Apesar de defender a BNCC, Plank tem críticas ao modelo de flexibilização curricular proposto pela reforma do Ensino Médio, sancionada pelo presidente Michel Temer em fevereiro do ano passado. Pelo novo padrão, que deve ser implementado em todas as escolas após a aprovação da base curricular, os estudantes precisarão cumprir cerca de 60% de conteúdos da BNCC e, o restante, poderão escolher entre cinco itinerários formativos: linguagens, matemática, ciências humanas, ciências da natureza e formação técnica profissional.
A maioria dos alunos não sabe o que quer fazer no futuro quando ingressa no Ensino Médio e essa preparação para um mercado de trabalho incerto é complicada.
Plank participou de um painel sobre reformas educacionais durante o Congresso Internacional de Jornalismo de Educação, realizado pela Associação de Jornalistas de Educação (Jeduca) em São Paulo. GaúchaZH conversou com o professor americano após a apresentação. Confira os principais trechos da entrevista:
Qual a importância de ter um documento nacional para nortear os currículos das escolas?
Eu acho que a base nacional representa um grande passo para o Brasil. Ela define expectativas para todos os alunos brasileiros, de todos os estados, municípios, de todas as escolas. Isso é uma obrigação do Estado, está na Lei de Diretrizes e Bases (LDB), mas nunca existiu antes. Então é um grande passo para melhorar a qualidade da educação no país, mas é preciso um esforço sério dos governos federal, estadual e municipais para a implementação na base.
Alguns pesquisadores, inclusive nos Estados Unidos, são contra uma espécie de currículo nacional e afirmam que seria ingenuidade acreditar que um documento vai transformar a educação diante de tantos outros problemas que precisam ser superados, como a estrutura deficiente das escolas e a baixa remuneração dos professores. Como o senhor vê isso?
É verdade, as escolas brasileiras têm muitos problemas fundamentais. Mas a base dá condições de enfrentar esses problemas porque a implementação precisa estar combinada com melhorias da formação profissional dos professores, da estrutura e dos livros didáticos. Mas esperar a solução de todos os problemas fundamentais do Brasil antes é esperar até o fim do mundo.
Como o senhor avalia a implementação da Common Core, o currículo nacional nos Estados Unidos. Tem problemas também?
Tem problemas políticos e técnicos. Do lado político, em alguns estados, como na Califórnia, está dando certo, mas é um processo de anos, não de uma mudança rápida. Nós adotamos em 2010 na Califórnia e, depois de oito anos, podemos dizer que está dando certo. Mas tem estados que nunca adotaram porque não gostam desse modelo. E tem ainda os que adotaram, mas o Common Core fracassou. É o caso de Nova York, onde não funcionou porque houve uma briga política entre o governo e sindicatos. Também tem problemas técnicos, ligados à implementação, de guardar o tempo necessário para implementar efetivamente o modelo. Por exemplo, a formação de professores leva anos, não se muda de um dia para outro. Em Nova York houve mudança no modelo de avaliação antes de se alterar a formação dos docentes. Os professores reclamaram que não entendiam o conteúdo da Common Core e já tinham de aplicar o novo modelo de avaliação. Na Califórnia, primeiro se alterou a formação, depois se pensou nas avaliações.
O governo brasileiro tem citado experiências de outros países, inclusive dos EUA, para defender um modelo flexível de Ensino Médio. O senhor pode explicar como funciona para os estudantes americanos?
Nos Estados Unidos temos um currículo bem definido para o Ensino Médio, que, em geral, é orientado para acesso à Educação Superior. Inclui inglês, línguas estrangeiras, ciências humanas, ciências naturais, matemática e artes. Esse currículo vale para todos os alunos e, para se graduar, o estudante precisa cumprir um número de 15, 20 cursos entre essas várias disciplinas. Para nós, isso significa flexibilidade, porque ele pode escolher dentro dessas disciplinas. Mas é uma base forte.
E esse modelo da reforma do Ensino Médio no Brasil. O senhor concorda?
O currículo nos EUA com múltiplas disciplinas oferece uma educação compreensiva, importante para todos os alunos, sejam americanos ou brasileiros. Mas uma flexibilidade muito prematura eu considero preocupante. A maioria dos alunos não sabe o que quer fazer no futuro quando ingressa no Ensino Médio e essa preparação para um mercado de trabalho incerto é complicada. Então, quebrar a rigidez do currículo é importante, mas no meu ver essa ideia de trilhas especializadas não dará certo.
O senhor demonstrou preocupação, em sua palestra, sobre o teto dos gastos. Esses recursos limitados para a educação podem comprometer a implementação da base?
Sim, o teto dos gastos é um obstáculo para a implementação. Recursos facilitam a mudança, com recursos se pode fazer coisas novas e melhorar a qualidade. A gente já enfrenta, aqui no Brasil e também nos Estados Unidos, uma briga política por mais verba para a educação, mas é preciso ter a compreensão que para mudar o sistema, para avançar, os recursos são fundamentais.