Em ao menos um turno de trabalho desta quinta-feira (2), as escolas das redes pública e privada que ofertam Ensino Médio reunirão professores, pais e diretores para debater a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). A data foi sugestão do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), que convocou as discussões sobre o texto em análise pelo Conselho Nacional de Educação (CNE). No Rio Grande do Sul, serão pelo menos 329 instituições particulares (considerando as que só ofertam EM) e 1.085 públicas participando do chamado Dia D de discussão da BNCC para o Ensino Médio.
Ainda há muitas dúvidas sobre o conteúdo da Base e as relações que ela tem com a reforma do Ensino Médio e com o que já existe nos currículos. Resumidamente, a BNCC do Ensino Médio é vital para a implementação da reforma, lei sancionada no ano passado que pretende alinhar a escola aos anseios dos jovens de hoje e reduzir a evasão escolar nessa etapa do ensino. Dados divulgados em 2017 pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e pelo Ministério da Educação (MEC) com base no Censo Escolar revelaram que 12,9% dos alunos matriculados no primeiro ano e 12,7% no segundo ano do Ensino Médio abandonaram a escola entre 2014 e 2015. No terceiro ano, foram 6,8%.
Diante de um documento com dezenas de páginas, a Secretaria Estadual de Educação (Seduc) orientou as instituições que organizassem as discussões voltando o olhar às 10 competências da BNCC, aos textos introdutórios das áreas de conhecimento e competências curriculares e às competências e habilidades de cada um dos componentes curriculares, mas cada escola terá autonomia para debater. Em cada colégio estadual, haverá uma pessoa responsável por coletar as sugestões e incluí-las na plataforma de contribuições disponibilizada pelo Consed. Apesar do tempo curto para a complexidade do tema, a diretora pedagógica da Seduc, Sônia Rosa, acredita que o Dia D pode render boas ideias à construção da BNCC para o Ensino Médio.
— Este já é um ano de discussões do currículo, não é uma novidade, está no discurso das escolas. Então, essa ação é pertinente neste momento, porque a Base do Ensino Médio não está homologada ainda, podemos discutir. Quanto mais a comunidade se envolver, mais consolidado ficará o currículo.
Este já é um ano de discussões do currículo, não é uma novidade, está no discurso das escolas estaduais. Então, essa ação é pertinente neste momento, porque a Base do Ensino Médio não está homologada ainda, podemos discutir. Quanto mais a comunidade se envolver, mais consolidado ficará o currículo.
SÔNIA ROSA
Diretora pedagógica da Secretaria Estadual de Educação
O Sindicato do Ensino Privado (Sinepe/RS) não interferiu diretamente na organização dos debates desta quinta-feira, mas fez sugestões para ajudar no processo, reforçando a seriedade com que deve ser tratado. O presidente em exercício da entidade, professor Osvino Toillier, entende que as instituições, sejam elas públicas ou privadas, devem ouvir suas comunidades e perceber as vocações das regiões em que estão inseridas para formatar seus currículos. Segundo ele, ainda há muitas dúvidas sobre como a estruturação do novo Ensino Médio se dará considerando essas variáveis:
— Estamos buscando um modelo em que o aluno se sinta motivado na escola diante das novas formas de aprendizagem. Mas não adianta disponibilizar escolhas. São escolhas a partir de quê? É desafiador para a escola envolver a comunidade e construir um currículo coletivo e não mais com meia dúzia de pessoas. Nenhuma escola terá a obrigação de oferecer todos os itinerários, mas ela terá de discutir com que itinerário vai se comprometer e, a partir daí, fazer muito bem feito. Temos a grande oportunidade de a escola ser efetivamente comunitária.
Dúvidas e críticas de especialistas
Diretor de Política Educacional do movimento Todos Pela Educação, Olavo Nogueira Filho vê com desconfiança a eficácia de uma consulta aos professores neste momento do processo, quando o texto maciço da Base já foi construído pelo MEC. Nogueira reconhece que o Dia D é uma resposta aos pedidos de participação da comunidade, mas observa muita confusão no meio escolar sobre o que, de fato, se deve discutir. Conceitos como reforma do Ensino Médio, Base do Ensino Médio e diretrizes para o Ensino Médio se misturam e geram incertezas.
É meritória a tentativa de trazer para o chão da escola essa discussão, mas eu espero que os professores deixem essas dúvidas explícitas, para que o MEC saiba o que não está claro nessa discussão. Há muita insegurança sobre o que pode e o que não pode ser feito e o que é uma orientação.
OLAVO NOGUEIRA FILHO
Diretor de Política Educacional do movimento Todos Pela Educação
– É meritória a tentativa de trazer para o chão da escola essa discussão, mas eu espero que os professores deixem essas dúvidas explícitas, para que o MEC saiba o que não está claro nessa discussão. Há muita insegurança sobre o que pode e o que não pode ser feito e o que é uma orientação – afirma.
Coordenadora do Observatório do Ensino Médio e professora e pesquisadora do curso de pós-graduação em Educação na Universidade Federal do Paraná (UFPR), Monica Ribeiro da Silva avalia assim o Dia D:
— Em um período, não há a menor chance de os educadores fazerem uma discussão minimamente séria sobre esse texto, que foi feito sem participação, dentro de um gabinete, e não tem legitimidade. É uma piada, uma aparente participação.
Em um período, não há a menor chance de os educadores fazerem uma discussão minimamente séria sobre esse texto, que foi feito sem participação, dentro de um gabinete, e não tem legitimidade. É uma piada, uma aparente participação.
MONICA RIBEIRO DA SILVA
Coordenadora do Observatório do Ensino Médio
Integrante do Movimento Nacional em Defesa do Ensino Médio, que congrega pelo menos 10 entidades, a pesquisadora é uma das vozes mais críticas às mudanças no Ensino Médio. Entre os pontos que ela questiona, está a padronização do currículo para todo o país sem considerar as peculiaridades de cada região. Monica também condena as ênfase no ensino de matemática e português:
— A ênfase em uma outra disciplina ou área dificulta que o aluno conheça o mundo em que vivemos. Ele não compreende as relações sociais e o mundo natural só com matemática e português. A finalidade do Ensino Médio é aprofundar os conhecimentos adquiridos no Fundamental e desenvolver autonomia de pensamento.
Em contraponto ao Dia D convocado pelo Consed, o Movimento Nacional em Defesa do Ensino Médio fará, também amanhã, um Dia D de debates em universidades e instituições de ensino e de classe, apontando o que considera equívocos da Base do Ensino Médio.
BNCC, reforma... Entenda
- O Congresso Nacional alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação por meio da Lei 13.415/17 - Reforma do Ensino Médio.
- A Lei do Plano Nacional de Educação estabeleceu que a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) define aquilo que os alunos das escolas públicas e privadas devem aprender na Educação Básica.
- A lei da reforma do Ensino Médio foi sancionada pelo presidente Michel Temer em fevereiro de 2017, após aprovação, pelo Congresso Nacional, da MP 746/16.
- A parte da BNCC que regulamenta a Educação Infantil e o Ensino Fundamental foi aprovada no final do ano passado pelo Conselho Nacional de Educação e deverá ser implementada pelas escolas até o início do ano letivo de 2020, sendo revisada a cada cinco anos.
- A BNCC do Ensino Médio segue em análise no Conselho Nacional de Educação e vem encontrando resistências por parte das entidades representativas dos educadores e pesquisadores da área.
- Após a aprovação da BNCC, haverá um prazo de até dois anos para que seja colocada em prática.
A reforma
- A reforma do Ensino Médio divide as disciplinas em cinco áreas de conhecimento (linguagens, matemática, ciências da natureza, ciências humanas/sociais e formação técnica/profissional) e estabelece cinco itinerários formativos dentro dessas áreas.
- Amplia a carga horária do ano letivo de de 800 para mil horas, com aumento gradativo até 1,4 mil horas. O texto determina que 60% da carga horária seja ocupada por conteúdos da BNCC e 40% seja de conteúdos optativos.
- O inglês torna-se a única língua estrangeira obrigatória a partir do 6º ano do Ensino Fundamental. As demais, entre elas o espanhol, são indicadas sem obrigatoriedade.
- Artes, Filosofia, Sociologia e Educação Física devem ser oferecidas, mas não precisam ser uma disciplina na grade curricular.