A lista de leituras obrigatórias para o vestibular 2019 da UFRGS, divulgada nesta quarta-feira (11), trouxe ao menos uma surpresa entre as 12 obras indicadas: William Shakespeare. É a primeira vez que a relação traz um autor cuja obra não é originalmente escrita em português. Anos atrás, a instituição já havia inovado ao incluir um álbum musical de MPB na relação. Agora, aqueles que tentarem uma vaga pelo tradicional processo seletivo da universidade terão de devorar as páginas de Hamlet, um dos grandes clássicos da literatura universal escrito pelo cânone dramaturgo inglês, que conta a tragédia de um príncipe que tenta vingar a morte do pai.
Integrante do grupo de professores do Instituto de Letras da UFRGS que define as leituras obrigatórias do vestibular, a professora Márcia Ivana de Lima e Silva explica que a ideia ao "convocar" Shakespeare foi ampliar o repertório de leitura dos candidatos, já que, sabe-se, muitas vezes as obras indicadas são a única literatura consumida pela garotada ao longo dos meses de preparação que antecedem o processo seletivo.
— Shakespeare é exemplar para todas as literaturas. Não podemos pensar que a história da literatura de um país se dá somente dentro do que é produzido naquela nação. Há um intercâmbio entre as literaturas, por isso, é importante ampliar o universo de leitura — diz.
A professora ressalta que isso não implicará mudanças no que é cobrado na prova de literatura do vestibular. Apesar de agora se chamar prova de literatura em língua portuguesa e não mais prova de literatura "de" língua portuguesa, o conteúdo exigido nessa avaliação será história da literatura brasileira. Ou seja, não por haver um autor inglês nessa relação que será pedido, por exemplo, a história da literatura inglesa. Hamlet pode ser tema de uma ou mais questões, mas não todas as obras de Shakespeare.
— Quando foi pedido o álbum Tropicália, seguimos exigindo a história da literatura brasileira. Não se pediu a história da MPB — reforça Márcia.
Para o professor de literatura do Unificado Rodrigo Trujillo, a escolha é bem-vinda exatamente porque pode aproximar não só os inscritos no vestibular da UFRGS da obra shakespeariana como também os estudantes do Ensino Médio de um modo geral.
— A lista da UFRGS acaba pautando o que se vai ler na escola. E Shakespeare é uma obra de referência. Até para se pensar em literatura nacional tem de pensar nele — comenta.
Trujillo vê em Hamlet infinitas possibilidades de questões, mas aposta que, a considerar o estilo de prova da UFRGS, elas devem focar-se na obra em si, em seus personagens e no gênero dramático. Um dos pontos ressaltados pelos professores é que, por ser uma obra de domínio público, os vestibulandos não terão dificuldades em conseguir o texto, que pode ser baixado na internet. As traduções disponíveis em português também são mais acessíveis do que algumas versões em inglês.
— Quem ler a obra vai se sair bem — resume Márcia.
O primeiro romance abolicionista brasileiro
Além de Hamlet, que surpreende pelo ineditismo de uma obra de língua estrangeira entre as leituras obrigatórias, outro livro incluído na relação chamou a atenção de professores e alunos: Úrsula, de Maria Firmina dos Reis. A obra, publicada em 1859 e considerada o primeiro romance abolicionista da literatura brasileira, deve ser bastante explorada na prova, já que aborda racismo, feminismo e preconceito, temas bastante discutidos na atualidade. A singularidade da autora confere atenção especial ao livro.
— É uma mulher escritora, do século 19, e negra — enaltece Márcia.
— Uma obra que pode ser relacionada à outra que foi pedida: Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada, de Carolina Maria de Jesus, por todo o peso social que tem — completa Trujillo.
NOVIDADES DA LISTA
Úrsula, de Maria Firmina dos Reis
O livro é considerado o primeiro romance abolicionista da literatura brasileira. Traz a negritude, o preconceito racial e o machismo ao centro das discussões em uma época em que esses temas eram pouco abordados. A obra deve ser bastante explorada na prova, uma vez que, além da representatividade da autora — negra, nordestina e escritora do século 19 — ainda há uma data marcante: em 2017, foi lembrado o centenário de morte da autora.
Poemas, de Florbela Espanca
A UFRGS enumerou 22 poemas da autora portuguesa:
1. Fanatismo;
2. Horas rubras;
3. Eu;
4. Vaidade;
5. Lágrimas ocultas;
6. A minha dor;
7. Suavidade;
8. Se tu viesses ver-me;
9. Ser poeta;
10. Fumo;
11. Frêmito do meu corpo;
12. Realidade;
13. Súplica;
14. Doce certeza;
15. Quem sabe?!.;
16. A Mulher I;
17. A Mulher II;
18. Amiga;
19. Ódio
20. Amar!;
21. O maior bem;
22. Neurastenia.
Papéis Avulsos, de Machado de Assis
Obra escrita em 1882, inaugura a fase realista do autor, que usa de muita ironia para tratar das contradições entre vida pública e via privada. Traz uma das características mais marcantes de Machado de Assis: a sutileza em expor os segredos e hipocrisias da sociedade.