O principal indicador do Ministério da Educação (MEC) sobre a qualidade do Ensino Superior no Brasil é bastante abrangente: engloba fatores como o aprendizado dos alunos na graduação, a importância dos programas de mestrado e doutorado, a formação dos professores, a infraestrutura disponível e as oportunidades de ampliação da formação acadêmica e profissional, avaliando o impacto da pesquisa e a excelência das instituições em todos os níveis de ensino. E esse indicador, o Índice Geral de Cursos (IGC), aponta desde 2011 a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) como a melhor universidade federal do país.
Desde que o IGC começou a ser divulgado anualmente, em 2007, a UFRGS — que inicia seu vestibular para receber novos alunos neste domingo (7) — se mantém na faixa máxima do conceito, atribuído em uma escala que vai de 1 a 5. Nem sempre esteve no topo entre as federais — nos primeiros anos do cálculo, ficou atrás da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e, em 2010, foi a Universidade Federal de Lavras (UFLA) que recebeu a maior nota —, mas em todas as avaliações apareceu entre as cinco melhores universidades nacionais.
— Hoje, somos uma universidade global. E isso é o que mostra um indicador rigoroso, feito pelo MEC — entende o reitor da UFRGS, Rui Vicente Oppermann. — A principal razão de mantermos essa qualidade é o trabalho da comunidade, mas é claro que há outros aspectos importantes, como a importância da nossa pós-graduação e da pesquisa. Também tem aumentado muito na universidade a questão da internacionalização: estamos buscando espaço fora do país e trazendo pessoas de outros lugares para cá, o que aumenta a exigência da universidade consigo mesma e, consequentemente, seu nível de qualidade.
Entre todas as universidades, incluindo também as privadas, municipais e estaduais, o conceito geral mais alto conquistado no último triênio (2014-2016), que teve os dados divulgados no final de novembro, ficou com a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), autarquia subordinada ao governo estadual de São Paulo. A Unicamp também ficou no topo, seguida pela UFRGS, nas avaliações divulgadas em 2014 e 2015 — antes disso, entre 2011 e 2013, a maior nota entre todas as instituições de educação superior foi a da federal localizada na capital gaúcha.
É importante notar: maior universidade pública do país, a Universidade de São Paulo (USP) opta por não participar do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade), fundamental para a aferição de todos os indicadores de qualidade do Ensino Superior no Brasil, por ter divergências em relação à concepção do exame, que não é obrigatório para as universidades estaduais como é para as federais.
1. Boas notas em todos os cursos de graduação
Alcançar o conceito máximo no principal indicador de qualidade das instituições de educação superior — e, mais do que isso, chegar à nota mais alta das universidades federais, a segunda maior entre todas as universidades — não pode ser atribuído a apenas um fator. Para chegar lá, como mostram as ferramentas de análise do MEC, é preciso que a universidade demonstre excelência na graduação, no mestrado e no doutorado, além de manter um corpo docente qualificado e uma boa percepção dos alunos em relação à infraestrutura, à organização pedagógica e às oportunidades no mercado de trabalho e na carreira acadêmica a partir da formação.
— Temos cursos em todas as áreas do conhecimento, formamos praticamente qualquer profissão. E com excelência em todas as áreas — estima Vladimir Pinheiro do Nascimento, pró-reitor de Graduação da UFRGS.
Nascimento explica que alcançar uma nota alta em avaliações como o IGC do Ministério da Educação é mais difícil para universidades grandes: como o indicador faz uma média da avaliação de cada curso nos últimos três anos, instituições menores, com atuação concentrada em apenas algumas áreas — ou, por vezes, em uma só —, podem focar seus esforços em oferecer poucos programas, mas fazê-lo com qualidade. Universidades federais, por outro lado, assim como as maiores estaduais e privadas, precisam demonstrar excelência em todos os aspectos do ensino e da pesquisa.
— O sucesso de uma universidade vem de conseguir reunir bons alunos e aprimorá-los. Para isso, é preciso contar com um corpo docente e técnico-administrativo muito qualificado — completa o pró-reitor de Graduação.
O sucesso de uma universidade vem de conseguir reunir bons alunos e aprimorá-los.
VLADIMIR PINHEIRO DO NASCIMENTO
Pró-reitor de Graduação da UFRGS
Apesar de a UFRGS ter relativamente poucos cursos avaliados com nota máxima no Conceito Preliminar de Curso (CPC), um dos indicadores que fundamentam o IGC, todas as graduações têm parecer satisfatório do MEC, com nota acima de 3, sendo que a maioria está na faixa 4, também em uma escala que vai até 5.
Um fator importante na análise dos resultados da UFRGS, no âmbito da graduação, está sintetizado em uma opção com a qual contam os alunos dos cursos de Ciência da Computação e Engenharia de Computação: poder fazer parte dos estudos em uma universidade europeia, voltando de lá diplomados. A possibilidade atrai dezenas de estudantes às chamadas realizadas anualmente para instituições de Ensino Superior na Alemanha, na França, na Holanda e na Noruega. Em troca, a universidade gaúcha também recebe estudantes desses países, em um acordo de cooperação.
Desde 2006, 27 alunos de Ciência da Computação concluíram o curso em dupla diplomação, e 28 estudantes de Engenharia da Computação fizeram o mesmo desde 2012, quando começaram os acordos com essa graduação.
— Nossos alunos vão para a Europa, passam cerca de um ano lá, cursam disciplinas, fazem trabalho de conclusão na universidade parceira e voltam formados. Chegando aqui, retomam o trabalho na UFRGS, encontram o orientador, elaboram um pouco mais o trabalho que fizeram por lá e defendem o projeto também aqui — explica Luciano Gaspary, vice-diretor do Instituto de Informática.
Nos últimos nove anos, o instituto recebeu mais de 50 alunos internacionais, vindos principalmente da Alemanha (onde a UFRGS tem parceria com as universidades de Kaiserslautern, de Stuttgart e com a Universidade Técnica de Berlim) e da França (graças a acordos com as universidades de Grenoble, Bordeaux e Montpellier).
2. A diferença na pós-graduação
Compreendida por fontes ligadas à reitoria como um diferencial da UFRGS em avaliações institucionais, a qualidade dos programas de pós-graduação da universidade seria um dos fatores responsáveis pela presença constante entre as melhores do país. A oferta de mestrados e doutorados é acompanhada de perto pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), uma fundação do MEC que periodicamente avalia a pós-graduação do país.
A avaliação dos cursos de mestrado acadêmico, mestrado profissional e doutorado é realizada a cada quatro anos e resulta em notas que vão de 1 a 7. Os conceitos 1 e 2 implicam o descredenciamento do curso: seus diplomas deixam de ter validade nacional. As notas de 3 a 5 equivalem, respectivamente, a "regular", "bom" e "muito bom". Há também os conceitos 6 e 7, que expressam excelência constatada em nível internacional. Somente os programas que têm doutorado podem aspirar às notas 6 e 7.
— Assim como na graduação, nossa pós-graduação se espalha por todas as áreas de conhecimento. E, em todas elas, temos programas avaliados com notas 6 e 7 — diz Celso Loureiro Chaves, pró-reitor de pós-graduação da UFRGS.
Conforme Chaves, 88 programas da UFRGS foram analisados pela Capes no último quadriênio (2013- 2016), e 36 deles (40,9%) alcançaram os conceitos de excelência. Todos contam com avaliações satisfatórias, mantendo média geral acima de 5, que retrata um nível de excelência nacional. Em todo o país, de acordo com a Capes, 11% dos programas conquistaram notas 6 e 7 neste ano e 18% do sistema nacional da pós-graduação obteve conceito 5.
Entre os critérios da avaliação, estão a infraestrutura, a proposta do programa, análise do corpo docente e discente e produção intelectual. Na UFRGS, onde os professores se dividem em atividades de ensino, pesquisa e extensão, 91% dos 2.720 docentes permanentes no Ensino Superior têm doutorado.
Instituído no final da década de 1960, o Programa de Pós-Graduação em Física da UFRGS se orgulha de ter recebido a nota máxima (7) em todas as avaliações feitas pela Capes. O reconhecimento da excelência se deve, mais do que a laboratórios bem equipados, estudantes motivados e professores qualificados, também à constante atualização do programa.
Entre os pesquisadores brasileiros de todas as áreas, há uma espécie de norma que postula: mais difícil que chegar ao conceito 7 é mantê-lo.
Pois o Instituto de Física consegue. Para a diretora, Naira Maria Balzaretti, isso se deve à vontade — e capacidade — dos envolvidos em estar sempre na vanguarda. Não apenas em nível nacional: área extremamente dinâmica, a física demanda pesquisadores e técnicos atentos ao que de mais recente tem sido estudado e publicado na ciência, o que significa que departamentos relevantes precisam estar em contato e em parceria constantes com profissionais de diversos países para manter um padrão internacional de qualidade.
— Aqui se faz pesquisa de alta qualidade, com grupos do mundo inteiro. Temos até mesmo acordo com o Cern (Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear), que opera o Grande Colisor de Hádrons — celebra Naira.
A UFRGS conta, inclusive, com um acelerador de partículas nas suas instalações — ainda que em escala bastante reduzida na comparação com o gigantesco maquinário europeu. Montado no vistoso Laboratório de Implantação Iônica, no Campus do Vale, o acelerador fez parte de uma estrutura que, há 35 anos, era única na América Latina. Com as possibilidades proporcionadas por esse laboratório, já se formaram no Instituto de Física três gerações de pesquisadores. O programa diplomou mais de 350 doutores e 500 mestres.
3. Pesquisa e contribuição científica
Apesar de não ser parte direta da avaliação do MEC voltada para as instituições, a pesquisa é reconhecidamente essencial para a relevância de uma universidade. Dentro dos indicadores do governo federal, a aferição da contribuição científica de faculdades, centros universitários, institutos federais de educação e universidades ocorre também por meio do conceito atribuído pela Capes.
— Para uma universidade, manter-se no topo, gerar conhecimento que seja utilizado no dia a dia das pessoas é resultado direto da pesquisa. Uma universidade que não faz pesquisa meramente reproduz conhecimento — garante Luís Lamb, pró-reitor de pesquisa.
De acordo com Lamb, a UFRGS conta com centenas de acordos mantidos com algumas das melhores universidades da Europa, dos Estados Unidos e da Ásia.
Manter-se no topo é resultado direto da pesquisa. Uma universidade que não faz pesquisa meramente reproduz conhecimento.
LUÍS LAMB
Pró-reitor de Pesquisa da UFRGS
Lamb explica que a UFRGS tem ainda pesquisadores, em áreas como química e psiquiatria, que estão entre os cem mais citados do mundo em artigos científicos — um sinal da relevância internacional que adquiriram entre seus pares.
— Nosso horizonte é a qualidade universal. Sempre miramos a liderança em todas as nossas atividades acadêmicas, e a pesquisa é uma das áreas que têm maior projeção internacional porque é um esforço coletivo da humanidade — completa o pró-reitor.
Para a universidade, indicadores como os do MEC servem como um diagnóstico, mas cabe à própria instituição analisá-lo a fim de identificar caminhos satisfatórios e aqueles que precisam passar por uma visão mais crítica. O reitor da UFRGS, Rui Vicente Oppermann, entende que a própria pesquisa, muito por conta das dificuldades de conseguir investimento para os estudos mais dispendiosos, é um dos pontos que ainda podem melhorar.
Já a realização de atividades sociais e culturais, parte integrante da tríade ensino, pesquisa e extensão (pilares que compõem uma universidade, como prevê o artigo 207 da Constituição Federal), pode não constituir uma ferramenta de avaliação do Ensino Superior. Mas é entendida pelos seus componentes como uma peça fundamental da relação entre a universidade e a sociedade.
— É a extensão que faz o ensino chegar à comunidade, é o que faz a pesquisa reverberar. É a ligação da UFRGS com a sociedade gaúcha que faz ela ser tão reconhecida no Estado — define Sandra de Deus, pró-reitora de Extensão da universidade.
Concentradas nos aspectos social e cultural, as atividades de extensão da UFRGS incluem projetos musicais, espetáculos, prestação de serviços diversos. Uma das áreas mais destacadas é a saúde. No Hospital de Ensino Odontológico, estudantes, técnicos e professores prestam atendimento gratuito, pelo SUS, a crianças até três anos moradoras de Porto Alegre.
É a ligação da UFRGS com a sociedade gaúcha que faz ela ser tão reconhecida no Estado.
SANDRA DE DEUS
Pró-reitora de Extensão da UFRGS
— São crianças que vêm com muita necessidade de tratar cáries, de aprender sobre prevenção e cuidado com os dentes. E, além do aspecto social, os alunos também aprendem sobre o atendimento à primeira infância — ressalta Márcia Cançado, professora da Faculdade de Odontologia.
As crianças tratadas na chamada "bebê-clínica" costumam ser acompanhadas até os cinco anos. Aos pais, os alunos e professores também reforçam o método correto de fazer a escovação e os cuidados necessários para evitar cáries e outros problemas odontológicos.
A extensão deve cada vez mais fazer parte do dia a dia universitário: a meta 12.7 do Plano Nacional de Educação (PNE), que prevê todos os objetivos cumpridos até 2024, é assegurar pelo menos 10% do total de créditos curriculares exigidos para a graduação em programas e projetos de extensão universitária, orientando sua ação para as áreas que mais necessitam de atendimento social.
Entenda os conceitos
Enade
Indicador de qualidade que avalia os cursos por meio do desempenho dos estudantes de graduação. Embasa o cálculo das notas dos cursos e das instituições.
CPC
O Conceito Preliminar de Curso (CPC) é um indicador de qualidade que avalia os cursos de graduação. A nota final de um ano compreende resultados do último triênio.
IGC
O Índice Geral de Cursos (IGC) é um indicador de qualidade que avalia as instituições de educação superior. Assim como o CPC, também leva em conta resultados dos três últimos anos.
As avaliações trienais contemplam diferentes áreas de ensino a cada ano:
2016 - Saúde, Ciências Agrárias e áreas afins
2015 - Ciências Sociais Aplicadas, Ciências Humanas e áreas afins
2014 - Ciências Exatas, Licenciaturas e áreas afins
Para que servem?
Esses conceitos, conforme o MEC, subsidiam o recredenciamento das instituições e norteiam políticas de expansão e financiamento do Ensino Superior. Servem para contemplar faculdades, centros universitários, institutos federais de educação e universidades que demonstrem bons resultados e também impedir o crescimento de instituições de má qualidade.