Publicada em menos de duas páginas em uma edição extra do Diário Oficial da União de sexta-feira, a medida provisória que institui a reforma do Ensino Médio define uma série de mudanças, mas ainda suscita muitas perguntas.
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CARGA HORÁRIA
O que a MP define:
A carga horária mínima anual deverá ser progressivamente ampliada, no Ensino Médio, das atuais 800 horas de aula para 1,4 mil horas.
O que não define:
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), antes da publicação da MP, definia que as 800 horas/aula mínimas deveriam ser ministradas ao longo de pelo menos 200 dias letivos. O texto atual não define um número mínimo de dias letivos, nem um prazo para que a carga horária seja ampliada, apenas informa que essa mudança será gradual.Para cumprir a lei, também será necessário contratar mais professores ou ampliar as horas de trabalho dos profissionais já contratados – o que exige investimentos que não deverão ser arcados pela União, mas pelos Estados e pelas instituições particulares.
– Vai ter de dobrar o número de professores. Tu achas que o Estado vai ter condições de fazer isso? E a escola privada também tem dificuldade de fazer esse investimento – diz a diretora do Sinpro, Cecília Farias.
CURRÍCULO COMUM
O que a MP define:
A carga horária destinada ao cumprimento da Base Nacional Comum Curricular não poderá ser superior a 1,2 mil horas da carga horária total do Ensino Médio.
O que não define:
Não fica claro se o percentual do currículo referentes à Base Nacional, que deverá incluir todas as 13 disciplinas atualmente obrigatórias, será oferecido na primeira metade do Ensino Médio. Mas, se for assim definido, na outra metade da formação os estudantes poderão escolher não ter aula de química, literatura, biologia? Poderão estudar apenas o que lhes interessar?
– Não há uma visão unânime sobre o que é uma área do conhecimento. As novas diretrizes falam em interdisciplinaridade, mas não formamos um professor de física para trabalhar com biologia ou química – destaca a professora da UFRGS Roselane Costella.
CURRÍCULO FLEXÍVEL
O que a MP define:
O ensino da arte constituirá componente curricular obrigatório da Educação Infantil e do Ensino Fundamental. A educação física é componente curricular obrigatório da Educação Infantil e do Ensino Fundamental, sendo sua prática facultativa ao aluno.
O que não define:
A MP não deixa claro se essas disciplinas, assim como no exemplo de química, literatura e biologia, serão obrigatórias ao longo dos três anos. O Ministério da Educação, porém, garantiu que todas estarão incluídas no currículo básico – mas a definição só virá quando for estipulada a Base Nacional Comum Curricular.
CINCO ÊNFASES
O que a MP define:
O currículo do Ensino Médio será composto pela Base Nacional Comum Curricular e por itinerários formativos específicos [...] com ênfase nas seguintes áreas de conhecimento:
I - linguagens;
II - matemática;
III - ciências da natureza;
IV - ciências humanas; e
V - formação técnica e profissional
O que não define:
Ao apresentar a reforma, o Ministério da Educação deu a entender que, dos três anos do Ensino Médio, o primeiro e metade do segundo terão a oferta de todos os componentes curriculares, definidos pela Base Nacional. Depois, no restante do segundo ano e no terceiro, o aluno vai poder fazer a própria trajetória, dentro das cinco áreas previstas que forem oferecidas em sua escola.
Caberia à escola oferecer pelo menos duas das cinco áreas aos alunos. O que levanta a questão: e quem quiser se focar em matemática quando só são oferecidas linguagens e ciências humanas, vai ter de procurar outra instituição? Também se questiona se as escolas estariam preparadas para oferecer todas as ênfases com qualidade.
– Vai ter professor para todas? Os professores estão preparados para isso? Tenho uma avaliação de que não – afirma a diretora do Sinpro.
PROFESSORES SEM DIPLOMA
O que a MP define:
Profissionais com notório saber reconhecido pelos respectivos sistemas de ensino (poderão ser contratados) para ministrar conteúdos de áreas afins à sua formação.
O que não define:
O texto não esclarece como será aferido o conhecimento desses profissionais. Professores também levantam dúvidas sobre a capacidade que alguém sem formação para a docência terá para lecionar.
– Não basta ter o conhecimento, é preciso saber lecionar, ter didática, saber como trabalhar para que o aluno avance – acredita a presidente do Cpers/Sindicato, Helenir Aguiar Schürer.
Há também a percepção de que essa definição facilitaria a contratação de professores que ainda não concluíram o curso, ou que o abandonaram, talvez garantindo a eles um salário menor.
– Parece que as redes públicas vão dispensar mais e mais a necessidade de fazer concursos e se sentir mais liberadas para fazer contratações emergenciais – estima Tania Fontolan, especialista em administração escolar.
TEMPO INTEGRAL
O que a MP define:
Fica instituída, no âmbito do Ministério da Educação, a Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral.
O que não define:
A medida provisória pouco explica sobre como essa mudança será feita. Serão garantidos recursos às escolas que adotarem o tempo integral a partir da publicação da MP, no prazo de até dois anos, mas as secretarias de Educação consideram o valor anunciado (R$ 1,5 bilhão) insuficiente para atender todo o Brasil. Outra dúvida, com a ampliação dos turnos para integral, é em relação ao ensino noturno.
– O ensino noturno vai acabar? Como ficam os alunos que trabalham? – questiona a presidente do Cpers.
Como a meta do PNE, endossada pela medida provisória, é que a educação em tempo integral seja oferecida em pelo menos 50% das escolas públicas até 2024, e não em todas, entende-se que as instituições que têm aulas à noite poderão continuar funcionando normalmente, mas isso não ficou claro.
RESTRIÇÃO ORÇAMENTÁRIA
O que a MP define:
A transferência de recursos será realizada anualmente, a partir de valor único por aluno, respeitada a disponibilidade orçamentária para atendimento, a ser definida por ato do Ministro de Estado da Educação.
O que não define:
O detalhe de que a transferência de recursos será feita "respeitada a disponibilidade orçamentária" traz temores de que muitas escolas dentro das redes estaduais acabem prejudicadas caso o governo não conte com recursos suficientes, mesmo entre os valores anunciados, para incentivar a adoção do turno integral.
– Temos um decreto no Estado que proíbe contratação, estamos no Congresso com um projeto de lei (PL 241) que congela o orçamento. Como é que se vai fazer? Não tem professores suficientes, não tem escolas suficientes... é uma charada que eu não estou conseguindo desvendar – diz Helenir Schürer, do Cpers.