A Universidade Feevale está muito perto de oferecer o curso de Medicina, inédito no Vale do Sinos. A iminente conquista é resultado de uma parceria público-privada entre a instituição e a prefeitura de Novo Hamburgo. Trata-se da segunda etapa do processo de seleção de universidades para formar profissionais em todo o país, parte do programa Mais Médicos, do governo federal.
Inicialmente, o Ministério da Educação (MEC) e o Ministério da Saúde escolheram as cidades que estariam aptas a receber o curso. Somente municípios com mais de 70 mil habitantes e que não fossem capitais podiam concorrer. Foram eleitos 39 no Brasil, sendo quatro no Estado: Novo Hamburgo, São Leopoldo, Ijuí e Erechim.
Em vídeo, conheça mais sobre o novo curso de Medicina:
Após, foi realizada a seleção das universidades em cada cidade. A Universidade Regional Integrada (URI) foi classificada em Erechim, a Universidade Estácio de Sá, em Ijuí, e a Feevale, em Novo Hamburgo. A Unisinos, de São Leopoldo, teve seu projeto rejeitado.
As universidades que não foram selecionadas poderiam recorrer da decisão - o resultado final sai no dia 22.
Segundo a reitora da Feevale, Inajara Vargas Ramos, o curso de Medicina sempre foi um anseio na universidade, mas não estava no planejamento regular da instituição.
- Como o programa Mais Médicos abriu essa oportunidade e havia um desejo da comunidade, entramos no processo. O município se lançou candidato, e a Feevale foi junto - explica.
O que deve ser considerado antes de mudar de graduação
Com o propósito de atender a rede pública de saúde, o edital prevê que as universidades utilizem as estruturas dos municípios nas demandas acadêmicas, o que exigiu uma preparação também das prefeituras para que esses espaços tivessem condições de receber os alunos. Assim, a ampliação do Hospital Municipal de Novo Hamburgo, que já estava prevista, está sendo pensada para esse fim. Além de Novo Hamburgo, Campo Bom, Sapiranga, Dois Irmãos e Ivoti são parceiros no projeto.
- Podemos afirmar que há dificuldade de encontrar médicos na nossa região. Ter uma formação aqui vai ajudar - diz o prefeito de Novo Hamburgo, Luis Lauermann.
Crítico da criação de novos cursos no Estado, o presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio Grande do Sul, Rogério Wolf de Aguiar, considera que não faltam médicos na Região Metropolitana de Porto Alegre. Nem em Novo Hamburgo:
- O que precisamos é uma melhor distribuição em todo o território. Mas isso não será resolvido com faculdades. O necessário são políticas de fixação dos profissionais nessas regiões.
Obras no campus e parceria com município
O plano pedagógico do novo curso foi concebido em uma parceria entre a Feevale, a prefeitura de Novo Hamburgo e a comunidade médica da cidade. A ideia, segundo Inajara, foi elaborar uma formação mais próxima da atenção básica de saúde.
Se o resultado final do edital for positivo para a Feevale (resta apenas a fase de recursos), a seleção dos primeiros alunos deve ocorrer no final deste ano. A instituição ainda não definiu se o processo seletivo será via Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) ou pelo vestibular tradicional.
Um dos investimentos é a criação do Centro Integrado de Especialidades da Saúde (Cies), com uma estrutura que prevê laboratório de análises clínicas e área assistencial com especialidades médicas, junto ao campus II (leia no quadro ao lado). Todos os atendimentos serão pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Mesmo que a expectativa pelo novo curso não se confirme, a construção do Cies está garantida.
- O paciente que hoje é atendido pelo SUS no campus passará a ser atendido lá - ressalta a reitora.
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Outro investimento é a construção de um bloco no Hospital Municipal de Novo Hamburgo. Condicionada à chegada da Medicina na Feevale, a obra é uma contrapartida da instituição. Os laboratórios da universidade que já atendem outros cursos de saúde também estão sendo remodelados. Já finalizado, um centro de estimulação avançada possibilitará treinar os alunos a partir do uso de modelos de simulação de alta tecnologia, sem o uso de animais.
- Optamos por não utilizar animais nas técnicas operatórias. É uma questão ética - enfatiza a pró-reitora de Extensão e Assuntos Comunitários da Feevale, Gladis Luisa Baptista.
Na Unisinos, indignação pelo projeto indeferido
São Leopoldo também foi uma das cidades selecionadas a receber o curso de Medicina. Em parceria, a Unisinos encaminhou seu projeto pedagógico ao MEC, que foi indeferido.
- Buscamos compreender o que havia acontecido e percebemos que a questão estava relacionada ao nosso fluxo de caixa - explicou o reitor, padre Marcelo Fernandes de Aquino.
A Unisinos entrou com recurso, alegando problemas no edital. Segundo Aquino, no dia que o indeferimento foi divulgado, foram apresentadas as métricas e a metodologia usadas para classificar as instituições, elaboradas pela Fundação Getulio Vargas(FGV).
- Como publicam isso depois? Isso fere o ordenamento jurídico de um Estado democrático de direito. Como o MEC terceiriza para uma instituição de ensino a métrica para julgar instituições que podem concorrer com ela? - questiona Aquino.
O reitor ainda afirma que a avaliação favoreceu grupos de educação que têm capital aberto, em detrimento de instituições comunitárias.
- Esses grupos têm um caixa muito mais robusto para dar conta dos acionistas. Já as universidades comunitárias investem o resultado em pesquisas e projetos. Fizemos um estudo forte sobre a questão e mostramos que a avaliação do MEC não é consistente - afirma Aquino, ressaltando que a universidade não desistirá do projeto.
Por meio de sua assessoria, o MEC informou que o objetivo da avaliação foi verificar se a geração de caixa poderia suportar os investimentos da implantação do curso. Segundo a pasta, "os índices são adequados a qualquer tipo de empresa, com ou sem fins lucrativos". O ministério ainda ressaltou que das 36 instituições vencedoras no resultado preliminar, 15 são instituições sem fins lucrativos, das quais cinco são comunitárias.
Quanto à FGV, o MEC esclareceu que a fundação foi contratada "levando-se em consideração o reconhecido trabalho desenvolvido pela referida na elaboração e publicação de indicadores econômicos que referenciam a atividade econômica no país". A pasta reforça que a FGV firmou um termo de confidencialidade e de não participação nos processos de seleção para a oferta de cursos de Medicina.
Críticas a novos cursos no Estado
São Leopoldo também foi uma das cidades selecionadas a receber o curso de Medicina. Em parceria, a Unisinos encaminhou Em abril, o MEC editou nova portaria que flexibilizou normas para os cursos de Medicina. Se seguissem as regras definidas no início de 2013, 20 dos 36 municípios selecionados recentemente para receber escolas médicas não atenderiam, por exemplo, o critério de alunos versus o número de leitos - cinco leitos públicos para cada um estudante no município-sede. Os três gaúchos da lista não preencheriam parte dos quesitos se consideradas apenas as infraestruturas das cidades. Mas quando é observada a chamada Região de Saúde, nas quais estão inseridos os cursos, o que é previsto na legislação atual, as metas são alcançadas - exceto pela existência de um Hospital de Ensino credenciado, o que aponta para a necessidade de convênio.
- O governo viu que as cidades não teriam condições. É uma irresponsabilidade manter a abertura - avalia Cláudio Balduino Souto Franzen, conselheiro do Estado no Conselho Federal de Medicina (CFM).
Os dados sobre a situação das escolas médicas do país estão em levantamento do CFM. Entre os problemas mostrados pela pesquisa, está a falta de estrutura para o ensino. Das 157 cidades com graduações, 74 não contam com leitos em quantidade necessária por aluno. Caso seja considerada a estrutura das chamadas Regiões de Saúde, 26 continuam sem atender às exigências do MEC publicadas em 2013. Também haveria falta de hospitais de ensino. Mais de 80 municípios não têm instituição habilitada, carência suprida geralmente com parcerias.
O ministro da Educação, Renato Janine Ribeiro, pronunciou-se sobre os dados divulgados pelo CFM:
- Há um equívoco quando se diz que no município não estão atendidos esses requisitos. Porque não foi pedido que fosse um requisito para os municípios, mas para a região de saúde. Não se trata de algo artificioso.