Mesmo com a proximidade do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), ainda não se sabe se o Banco Nacional de Itens (BNI) foi atualizado com novas questões para elaborar a prova de 2023. Neste ano, as avaliações serão aplicadas em 5 e 12 de novembro. Segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), 3,9 milhões de pessoas estão inscritas no exame.
O banco de questões do Enem tem sido uma preocupação de profissionais da educação e envolvidos com o exame. Em 2020 e 2021, por exemplo, não houve atualização na oferta das perguntas, em razão da pandemia. O problema se refletiu na prova de 2022, quando o Inep precisou reaproveitar questões que haviam sido descartadas em testagens anteriores. Isso foi feito para garantir um exame completo com questões inéditas.
O Banco Nacional de Itens é uma base de informações com questões elaboradas por professores qualificados de todo o Brasil. Diferentes avaliações são baseadas neste arquivo, como o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) e o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade), além do próprio Enem. Cada prova tem um conjunto de questões específico, de acordo com uma matriz de referência.
Mesmo com os entraves do ano passado, o Inep ainda não divulgou se o banco do Enem foi atualizado entre 2022 e 2023. Procurado, o órgão não respondeu aos questionamentos de GZH. Antes de 2019, em gestões anteriores, o BNI era atualizado a cada ano. Agora, a falta de transparência deixa professores e alunos desamparados.
Com as incertezas, cresce a preocupação de especialistas com o exame, tanto em relação à qualidade da prova quanto pela importância da inclusão de temas atuais dentro das 180 questões da avaliação.
— Historicamente, o Enem sempre propôs temas muito atualizados, tanto na redação como em suas questões. Temos vivenciado muitas coisas que não podem ficar de fora da prova. A violência e o extremismo desencadeando ataques nas escolas, os atentados do dia 8 de janeiro, as guerras, questões ambientais. Esse contato com a realidade é fundamental para os estudantes — destaca a professora Catarina de Almeida Santos, da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB).
A construção do banco funciona da seguinte forma: após a seleção de uma banca de profissionais responsáveis por formular as questões, realizada por chamamento público, as perguntas são submetidas a testagens, para entender a viabilidade e qualidade, conforme uma série de critérios. Caso sejam aprovadas, as questões entram para o banco. As demais ficam reservadas para serem utilizadas como segunda opção, caso faltem questões mais de maior qualidade nos testes.
Mesmo com as incertezas, os professores estão preparando seus alunos para um cenário ideal de Enem: uma prova que aborde tópicos relevantes da atualidade, vinculada aos temas em voga em 2023. Segundo os docentes, é importante que os estudantes estejam atentos a assuntos como inteligência artificial, as guerras da Ucrânia e do Oriente Médio, por exemplo.
Na prática, teremos um Enem feito como tem sido há 14 anos. A matriz está desatualizada, especialmente quando olhamos para esse contexto de escolas que já adaptaram o currículo à proposta do Novo Ensino Médio.
TALITA MARCÍLIA
Coordenadora pedagógica do Ensino Médio no Colégio Humboldt
— Temos que esperar temas da atualidade. Não tem como desvincular esses temas das competências e habilidades cobradas em cada área. O aluno que não está antenado à realidade terá problemas. Eles precisam ler notícias e estarem atentos a esses assuntos — recomenda Francis Madeira Sales, analista de dados de inteligência educacional e professor do cursinho Fleming.
Defasagem da matriz de referência
Outro tema que tem sido fonte de preocupação é a defasagem da matriz do Enem, que é a mesma desde 2009. Existe uma matriz de referência para cada uma das quatro áreas do conhecimento abordadas no Enem – Ciências Humanas e suas Tecnologias, Ciências da Natureza e suas Tecnologias, Linguagens, Códigos e suas Tecnologias e Matemática e suas Tecnologias.
Nelas, encontram-se eixos cognitivos, habilidades e competências que são adquiridas durante o Ensino Médio, e é com base nisso que a prova é construída. Com o cenário do Novo Ensino Médio, muitos docentes estão com o receio de que os estudantes oriundos do novo formato encontrem um exame que não dialoga com seus aprendizados no modelo atual na escola.
— Isso tem gerado muita angústia para os alunos. Na prática, teremos um Enem feito como tem sido há 14 anos. A matriz está desatualizada, especialmente quando olhamos para esse contexto de escolas que já adaptaram o currículo à proposta do Novo Ensino Médio. Estamos fazendo simulados no modelo antigo, mas não é o que acontece nos itinerários formativos — relata Talita Marcília, coordenadora pedagógica do Ensino Médio no Colégio Humboldt, de São Paulo (SP).
No início do ano, o Ministério da Educação anunciou que o Enem adotaria um novo formato no próximo ano. Meses depois, entretanto, o ministro da Educação, Camilo Santana, anunciou que a ideia de modificar a prova a partir de 2024 foi deixada de lado, por enquanto. Especialistas acreditam que a proposta de mudança no Ensino Médio deve ser implementada antes de haver alterações no formato do Enem.
— É impossível fazer um Enem a partir de itinerários formativos. Não faz nem sentido implementar um novo modelo sem que esteja definida a situação do Ensino Médio no Brasil. — argumenta a professora Catarina de Almeida, da UNB.