Na semana passada, estudantes do Rio Grande do Sul desembarcaram de uma aventura nos Estados Unidos (EUA). O grupo de alunos tem algo em comum: todos são antenados em geopolítica e foram atrás de um sonho – eles participaram, em janeiro, das duas maiores simulações inspiradas nas assembleias da Organização das Nações Unidas (ONU).
Foram conferências internacionais nos EUA, promovidas pelas universidades de Harvard e Yale, que estão entre as mais renomadas instituições de ensino do mundo. Os jovens tiveram a missão de assumir papéis de diplomatas e chefes de Estado, representando o RS e o país.
A Harvard Model United Nations (HMUN) ocorreu em Boston, entre 25 e 28 de janeiro, e a Yale Model United Nations foi em New Haven, de 18 a 21 de janeiro. Anualmente, os eventos reúnem milhares de estudantes de países do mundo inteiro. A proposta é estimular o debate entre eles sobre problemáticas da atualidade, além de propor, em conjunto, soluções políticas inovadoras. Os estudantes gaúchos estiveram em peso nos encontros, e GZH ouviu alguns deles para compartilharem estas experiências.
— Tivemos que nos preparar ao longo de todo o ano. Tivemos aulas, fomos fazendo simulações e entendendo como era o modelo da ONU. Mas nada é como chegar lá e ver como acontece. Foi muito legal ir nas duas simulações, porque a primeira serviu para entender melhor como funciona e se preparar para Harvard — conta Victor Cabreira de Oliveira, 18 anos, que concluiu o Ensino Médio em 2023 e já está matriculado no curso de Relações Internacionais (RI) na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).
Aprendizados e conquistas
Victor é um dos 11 estudantes do grupo de RI do Colégio Farroupilha que foram às conferências, acompanhados do professor de Geografia Saul Chervenski. Para Victor, além da troca de conhecimentos e dos aprendizados que adquiriu, ter ido aos eventos também simboliza uma vitória, tendo em vista os gastos que uma viagem como essa exige.
— Foi uma estrada longa. Eu fiz uma página nas redes sociais para arrecadar fundos, sou bolsista no colégio e não tinha dinheiro o suficiente para arcar com a viagem. Quando eu realmente percebi que tinha chegado lá foi quando eu estava no avião. Foi um sonho se tornando realidade, aquilo que um dia eu não pensei que seria meu. Ainda mais eu, sendo um garoto de baixa renda, bolsista, negro, poder ocupar esses lugares. Nunca vi gente como eu nesses lugares, foi muita emoção de poder ocupar esse lugar e ter esse prestígio — celebra.
Foi um sonho se tornando realidade, aquilo que um dia eu não pensei que seria meu. Ainda mais eu, sendo um garoto de baixa renda, bolsista, negro, poder ocupar esses lugares.
VICTOR CABREIRA DE OLIVEIRA
Estudante do Colégio Farroupilha
Victor chegou a participar de uma roda de conversa com o governador Eduardo Leite e o filósofo norte-americano Michael Sandel, em agosto de 2023, quando eles foram ao Morro da Cruz ouvir demandas das comunidades, e a arrecadação foi um de seus comentários.
Os gastos da viagem somaram cerca de R$ 20 mil para cada aluno, incluindo despesas como hospedagem, passagens e alimentação. A comunidade escolar, o próprio colégio e amigos ajudaram nas vaquinhas. Maria Luísa Tosin, 18 anos, também era bolsista do Farroupilha e agora sonha em cursar Jornalismo. Foi sua primeira vez em conferências internacionais.
— Apesar de existirem várias simulações no Brasil, participar destas duas, que foram em duas das maiores universidades do mundo, foi a realização de um sonho para mim. Quando eu era pequena, eu achava que Harvard e Yale eram invenções de Hollywood. Foi um desafio muito grande e uma experiência muito boa, tanto pelos desafios quanto pelos aprendizados técnicos e interpessoais — conta a jovem.
Segundo o professor Saul Chervenski, que acompanhou a turma na viagem e lidera o grupo de RI da escola, essas experiências agregam muito aos estudantes.
— A gente fala com os alunos após terem passado por essa experiência e eles não voltam os mesmos. Eles voltam diferentes, com mais confiança, mais segurança. É uma experiência que vai ser uma curva na vida deles, um ponto de mudança — diz.
Valeu o esforço
Carolina Flores, 16 anos, também esteve nas conferências nos EUA. Apesar de ser sua estreia nos eventos internacionais, ela se destacou tanto que recebeu até um certificado – a jovem, que vai iniciar o terceiro ano do Ensino Médio no Farroupilha, recebeu a menção Diplomatic Commendation em Harvard, junto de sua dupla, Pedro Azevedo.
Trata-se de mérito dado a estudantes que tiveram um bom desempenho durante a simulação, que conseguiram demonstrar liderança, conhecimento do tópico, trabalho em equipe e boa comunicação.
— A gente conseguir se destacar em um comitê com mais de 300 pessoas, no meio de tanta gente, foi realmente uma surpresa muito grande. A gente foi lá para aproveitar e dar o nosso máximo, mas não esperávamos receber esse reconhecimento, foi muito emocionante — conta.
A gente foi lá para aproveitar e dar o nosso máximo, mas não esperávamos receber esse reconhecimento, foi muito emocionante.
CAROLINA FLORES
Estudantes do Colégio Farroupilha
As estudantes Ana Carolina Silveira, Carolina Moura, Geórgia Américo de Lima, Isadora Urio Fernandes, Júlia Santos e Larissa Evaldt, da Escola Sesi de Ensino Médio Albino Marques Gomes, com sede em Gravataí, na Região Metropolitana, estavam se preparando para a aventura desde o começo do ano passado, mesmo antes da carta de aprovação.
Elas também fizeram uma vaquinha para arrecadar os recursos necessários, e contaram com patrocínio da Federação das Indústrias do Estado do RS (Fiergs). De acordo com as meninas, participar dos eventos compensou todo o esforço.
— Foram 15 dias de viagem. Foi mágico estar lá, conhecer as duas universidades que víamos em filmes e séries, entrar nas salas de aula, nos dormitórios, ver os alunos vivendo suas vidas. E também foi muito desafiador. Já tínhamos participado de simulações aqui, mas é uma escala muito maior. Em Harvard, tem comitês com mais de 400 pessoas. A competitividade é alta, é um desafio, mas é uma experiência muito rica — relata Geórgia, que foi aos EUA pela primeira vez.
Para Isadora, que já tinha participado das duas conferências em 2023, foi uma experiência única, mesmo assim. Ela pretende cursar Jornalismo ou Relações Internacionais no exterior. Enquanto não vem a aprovação, ela pretende estudar mais e ir nas escolas do Sesi de todo o Estado para compartilhar a experiência e incentivar os colegas a irem também.
Diplomatas mirins
Participar das simulações globais não é para iniciantes, e alguns “pequenos diplomatas” já começaram a caminhada rumo à carreira na área – participaram dos eventos não só alunos de Ensino Médio, mas também alguns do Fundamental.
É o caso de Luiza Schrippe, 14 anos, que vai iniciar o nono ano no Colégio Santa Inês. — Foi algo bem novo para mim, a simulação de Yale foi a primeira que participei na vida. Foi uma experiência incrível — diz a aluna.
Segundo Giulia Eduarda de Freitas Toniolo, 15 anos, a maioria das pessoas eram mais velhas, mas as trocas foram valiosas.
— Foi uma experiência de muitas descobertas e autoconhecimento. Sempre foi meu sonho participar de simulações assim. Tenho uma ligação com geopolítica e história, sempre tive interesse nessas áreas. Sou muito tagarela e gosto de defender aquilo em que acredito, e lá foi um espaço especial para isso — conta a jovem, que vai começar o primeiro ano do Ensino Médio no Santa Inês.
Andriele Nunes Camey, Guilherme Gasparin e Isabella Arsego, também estavam no grupo do colégio que participou das conferências. Todos ainda estão no Ensino Médio e foi a primeira vez deles em um evento internacional.
Eu estava acostumada a um nível de competitividade bem menor, é outra dimensão. Lá não podemos usar nenhum dispositivo eletrônico durante as simulações, por exemplo, eles levam bem a sério, é tudo no papel.
JULIANA FISCHBORN
Estudante do Colégio Rosário
Para Juliana Fischborn, 15 anos, um dos aspectos mais legais das simulações foram as trocas culturais. A estudante, que está indo para o segundo ano no Colégio Marista Rosário, conta que conviveu com pessoas da Indonésia, do Quirguistão, da China, entre vários outros países.
— Foram experiências bem diferentes, em Yale era um comitê de 26 pessoas, e em Harvard eram 280. Eu participei de simulações nos colégios daqui, mas nada se compara a estar lá, em universidades renomadas. Eu estava acostumada a um nível de competitividade bem menor, é outra dimensão. Lá não podemos usar nenhum dispositivo eletrônico durante as simulações, por exemplo, eles levam bem a sério, é tudo no papel. Foi muito legal — conta a jovem, que pretende estudar Direito e ser diplomata. Juliana viajou junto com Henrique Cassini de Moraes, 17 anos, também do Marista Rosário.