Com um desempenho que foi destaque na Shell Eco-marathon, os institutos federais do Rio Grande do Sul têm trabalhado duro na área de eficiência energética. Na competição, estudantes de Ensino Médio e Superior são desafiados a criar protótipos automotivos que gastem o mínimo de energia possível para percorrer um trajeto de 840 metros. Enquanto a equipe de Erechim desenvolveu um carro capaz de rodar até 716 quilômetros com um único litro de gasolina, os alunos de Charqueadas e de Rio Grande elaboraram veículos movidos a bateria elétrica que consumiram 364 km/kWh e 290 km/kWh, respectivamente.
Com participação no evento da Shell desde a sua primeira edição, em 2016, a equipe Drop Team, do campus de Erechim do Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS), viu seus protótipos mudarem muito ao longo desse tempo. Todo ano, tudo é aprimorado: o motor, a embreagem, o sistema de rolagem, de freio e a aerodinâmica.
— Se tu mexe em um componente, tem que alterar todo o restante do carro. Nós brincamos que é muito mais fácil fazer três carros de rua do que um carrinho desses, porque um veículo de rua tem um coeficiente de segurança muito alto, então, se tu errou em uma peça, ele segue funcionando. Neste, se algo quebra, ele deixa de funcionar — explica Izequiel Balsanelo, 26 anos, estudante de Engenharia Mecânica da instituição e primeiro piloto da equipe.
Quem trouxe para o campus de Erechim a ideia de criar protótipos veiculares foi o professor Airton Bortoluzzi, que coordena o projeto lá desde então. O docente defende que o trabalho promove a sustentabilidade, ao mesmo tempo que permite aos alunos que vivenciem na prática o que veem em sala de aula.
— A gente trabalha muito esses conceitos no dia a dia, mas não tem exemplos aplicados em sala de aula. Outro benefício é essa oportunidade de viver um ambiente de trabalho em equipe, que estimula a querer crescer e se desenvolver — analisa Bortoluzzi.
Pedro Fernandes, que faz o curso técnico em Mecatrônica integrado ao Ensino Médio no IFRS de Erechim, expressava entusiasmo com o bom desempenho do grupo já na sua primeira participação no evento.
— Estou aprendendo muito com essa equipe. Eu trabalho o dia todo, então tenho pouco tempo, mas, cara, é uma grande oportunidade. Eu aprendo muito mais do que só numa sala de aula, não só da nossa área, de mecânica, mas sobre valores também entre nós, de amizade e tudo mais. Estar aqui, participando, é uma coisa totalmente diferente e fora do normal, sabe? — comentou o jovem, quando o time estava prestes a ser confirmado como campeão.
Muitos alunos criam verdadeiras empresas para pôr em prática suas ideias, com direito a busca por patrocínios, setor de marketing e financeiro, o que exige um envolvimento intenso. Na área técnica, para garantir a eficiência energética, a principal preocupação é criar o veículo mais leve possível. Tricampeões na categoria ICE, de motor a combustão, da Shell Eco-marathon brasileira e terceiro lugar na edição dos Estados Unidos de 2019, os erechinenses sabem bem disso.
No entanto, é preciso equilibrar a leveza com uma durabilidade mínima e uma exigência primordial da competição: a segurança do protótipo. É nesse ponto que muitas equipes são desclassificadas antes mesmo de irem para a pista, ainda na inspeção técnica prévia – dos 10 grupos inscritos na categoria da Drop Team, três sequer foram autorizados a rodar e cinco não conseguiram completar as 10 voltas em nenhuma das quatro tentativas possíveis. Além do time gaúcho, só quem passou por essas etapas foi a equipe Pato a Jato, tetracampeã na Shell Eco-marathon. Tida como favorita, acabou em segundo lugar.
Bateria elétrica
Hoje, a categoria com mais protótipos concorrendo é a de bateria elétrica. Nela, 16 dos 20 competidores foram para a pista e 10 completaram todo o percurso. A campeã foi a equipe ARMAC Milhagem UFMG BE, de Minas Gerais. A vice foi a gaúcha EIFCHAR, do Instituto Federal Sul-Riograndense (IFSul) de Charqueadas, enquanto o quarto lugar ficou com a IFECO, do IFRS de Rio Grande.
Estudante de Engenharia Mecatrônica no IFSul de Charqueadas, Ana Luizy Ribeiro Ramos da Silva, 19 anos, participa desde 2020 da EIFCHAR e tem visto o desempenho dos protótipos desenvolvidos por ela melhorarem. O que foi uma quinta colocação no ano passado se tornou a segunda neste ano, o que deixou a delegação de 25 pessoas – incluindo o próprio diretor do campus e três professores – entusiasmada.
— Em 2019, o carro era muito pesado, e a gente não conseguiu fazer nenhuma volta. No ano passado, viemos com a intenção de fazer uma volta válida, sem importar o resultado. Conseguimos e ficamos muito felizes, comemoramos muito. Neste ano, viemos com a meta de bater os 200 km/kWh. E agora já rolou, tá todo mundo meio emocionado — comemorou a jovem.
A equipe bateu com folga a meta estabelecida por eles próprios: alcançou 364 km/kWh e, no início da competição, chegou a estar em primeiro lugar. Depois, caíram para o quarto, mas não se abateram, figurando como uma das torcidas mais animadas da competição. O clima de coleguismo, porém, fazia a turma também celebrar as conquistas dos rio-grandinos, que tiveram três das quatro tentativas possíveis invalidadas e foram desanimando. Os dois times dividiram o mesmo ônibus na ida para o Rio de Janeiro.
Com estudantes de Médio e Superior na equipe, o professor Rafael Marquetto, que levou o projeto para o IFSul de Charqueadas, entende essa como uma oportunidade de interação entre os alunos das duas etapas.
— Os alunos do Médio interagem com os da Engenharia. Com isso, vários se interessam e procuram essa graduação. Além disso, os que já estão na Engenharia também aprendem muito no projeto e conseguem aplicar esse conhecimento no trabalho depois. Tanto para uma etapa como para outra, são estudantes que já saem na frente — avalia o docente.
Diretor do campus de Charqueadas, Jeferson Wolff havia prometido que, se o grupo tivesse um bom desempenho na Shell Eco-marathon de 2022, ele iria junto à competição em 2023. Cumpriu: encarou a viagem de quase 30 horas em um ônibus lotado de adolescentes e universitários. Em seu entendimento, o incentivo põe em prática uma formação integral, inclusive humana, que o IFSul procura proporcionar a seus estudantes.
— Sentar com um grupo de alunos de Ensino Médio e vê-los analisando gráficos de potência, corrente elétrica, tensão, para verificar qual é o melhor desempenho de um carro, mostra que já deu certo. Esse é um grupo de alunos que, com frequência bem significativa, passa o sábado e o domingo dentro do campus, produzindo e trabalhando dentro do carro, porque querem, além de estar aqui, também aumentar o seu conhecimento — comenta o diretor.
Superação
Na IFECO, do IFRS de Rio Grande, o grupo era um pouco menor: 15 pessoas foram ao Rio de Janeiro participar da competição. A equipe viveu momentos de tensão, com duas das quatro tentativas invalidadas por ultrapassar em quatro segundos o limite de tempo permitidos e uma por um pequeno acidente. Foi na quarta que alcançaram 290 km/kWh e foram alçados ao quarto lugar.
Capitão do time, Douglas Rodrigues, 23 anos, estuda Engenharia Mecânica no IFRS e participa da IFECO desde 2020. Com a pandemia, porém, só participou de uma competição presencial, em 2022, quando o grupo foi vice-campeão, com uma marca de 225 km/kWh. A meta de melhorar a marca foi vencida, ainda que a colocação tenha piorado.
— A gente tenta integrar o máximo de cursos do IFRS que conseguimos. A gente tem o pessoal da automação, da fabricação, da Engenharia Mecânica, da Informática. A gente tenta fazer essa integração para conseguir ter uma troca melhor de cada área, cada um com sua especialidade. E eu vejo muita motivação da galera, de conseguir aplicar na prática o que vem vendo — comenta o graduando.
Serguei Nogueira da Silva, professor do IFRS de Rio Grande, coordena o projeto no campus desde 2015, quando a ideia foi lançada pela Shell. Segundo o educador, é desafiador lidar com o emocional da turma, mas essa integração ajuda.
— É um projeto que dura o ano inteiro, o que cria toda uma expectativa. E, às vezes, chega na hora e falha a parte eletrônica, que é justamente o calcanhar de Aquiles, já que os nossos cursos tinham como base a mecânica. Então, abrimos para os alunos do curso de Automação, da Eletrotécnica, e a nossa parte eletrônica foi ficando reforçada — destaca o docente.
A sexta edição da Shell Eco-marathon ocorreu no Rio de Janeiro, entre os dias 30 de agosto e 1º de setembro, e reuniu mais de 500 estudantes de 39 equipes nacionais e internacionais. Além de competidores brasileiros, houve participantes do México, da Bolívia, da Colômbia e do Peru. Quatro categorias foram disputadas: ICE, hidrogênio (inédita), bateria elétrica e bateria elétrica - conceito urbano.
Repórter viajou a convite da Shell.