O trabalho terceirizado não é novidade no Brasil, mas a lei que regulamenta esse tipo de prestação de serviço foi alterada em março de 2017, em um ponto crucial que gerou muito debate na época: a possibilidade de terceirizar todas as áreas (atividade-fim e atividade-meio) de uma empresa. O tema voltou a ser debatido após a descoberta de trabalho análogo à escravidão em Bento Gonçalves, que chocou o Estado e o país. Os trabalhadores resgatados eram funcionários de uma terceirizada que, por sua vez, havia sido contratada por três vinícolas da cidade.
Terceirizar é contratar outra empresa para a realização de serviços específicos. A terceirização é permitida pela legislação brasileira, mas precisa respeitar uma série de requisitos para que direitos e deveres sejam, respectivamente, respeitados e cumpridos por todas as partes envolvidas.
Um dos pontos que mais geraram dúvida trata da responsabilidade das empresas tomadoras de serviço e a prestadora do serviço. Sobre isto, a Lei Nº 13.429, de 31 de março de 2017, é clara: é responsabilidade da contratante garantir as condições de segurança, higiene e salubridade dos trabalhadores quando o trabalho for realizado em suas dependências ou local previamente convencionado em contrato.
GZH ouviu especialistas em direito do trabalho para esclarecer dúvidas. Sobre este ponto da responsabilização, a procuradora Maria Manuella Gedeon, coordenadora regional da Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conaete) na Bahia, afirma que não há dúvidas sobre as atribuições legais de quem toma e presta o serviço.
— A contratante e a terceirizada têm responsabilidade pelas condições de segurança, higiene e salubridade dos trabalhadores. É uma responsabilidade conjunta. É um pouco diferente nos aspectos financeiros. Compete à contratante verificar a idoneidade e a capacidade econômica da prestadora porque ela é responsável, de forma subsidiária, pelo eventual descumprimento de normas trabalhistas por parte da terceirizada. A tomadora aparece como uma garantidora. Ou seja, se a prestadora não puder pagar, ela arca com os valores devidos aos trabalhadores, como salários e verbas rescisórias e outros direitos trabalhistas não pagos. Por isso, a obrigação de fiscalizar os contratos — explica Manuela.
Para o advogado Jonatan Teixeira, mestre em Direito do Trabalho, do escritório Siegmann Advogados, há dois momentos fundamentais: a escolha e a fiscalização.
— Na hora de contratar uma pessoa jurídica, é preciso ter os mesmos cuidados que normalmente se tem quando se contrata uma pessoa física. Pesquisar, ver a regularidade da empresa, como é a relação com seus funcionários, se tem dívidas, processos contra ela, enfim, buscar informações. No caso da fiscalização, é algo que faz parte do contrato. A contratante precisa averiguar se a prestadora está pagando salário em dia, recolhendo INSS, fazendo depósito de FGTS e se está dando condições de trabalho adequadas aos seus trabalhadores.
Como deve ser feita a fiscalização? Há regras para definir este ponto?
— Essas regras não são definidas pela lei. Se vai ter uma pessoa todos os dias ou duas vezes por semana. Isso fica a cargo das empresas acordarem no contrato. Mas a fiscalização tem que ser feita — afirma a procuradora Maria Manuella Gedeon.
— A lei estabelece, mas não diz como fazer. É importante que isso seja definido no contrato, mas não existem regras específicas — completa o advogado Jonatan Teixeira.
O contrato pode ser verbal?
— Não, o contrato tem que ser por escrito e estar formalizado, até para definir aspectos fundamentais, como a fiscalização. E também porque dá garantia e segurança para o trabalhador, pois precisa ficar claro a quem ele responde — diz Jonatan.
O que acontece se o trabalhador for maltratado, discriminado ou assediado?
— A gente considera que situações de agressões físicas e morais, discriminações, assédios, ofensas, entre outras, não podem fazer parte do ambiente de trabalho, que deve oferecer segurança, higiene e salubridade. Então, a responsabilização é compartilhada entre as empresas contratante e prestadora. Claro que o caso vai ser analisado individualmente, para saber o que de fato ocorreu, quem são as pessoas diretamente envolvidas e o que fizeram. Mas, sendo no ambiente de trabalho, a responsabilidade é conjunta — explica Maria Manuella Gedeon.
Em caso de acidente de trabalho, como fica a questão da responsabilidade?
— A gente vai cair no mesmo artigo da lei, que diz que a contratante deve garantir condições de segurança, higiene e salubridade dos trabalhadores. Ou seja, se um funcionário está limpando uma janela e cai, sofre um acidente, nós vamos ter que ver se as normas de saúde e segurança do trabalho estavam sendo cumpridas e respeitadas. Se ele estava com os equipamentos corretos, por exemplo. Quem tem que fornecer o equipamento de proteção individual (EPI) é a prestadora, que é o "patrão" dele. Mas, novamente, será que a contratante estava fiscalizando? Sabia que havia falhas? — esclarece Maria Manuella Gedeon.
A terceirização se aplica aos empregados domésticos?
— No âmbito doméstico, o assunto é muito complicado e, muitas vezes, precisa ser analisado caso a caso. Em todo trabalho terceirizado, o "patrão" do funcionário tem que ser a prestadora, e não a contratante. Mas, às vezes, dentro de uma casa, fica difícil fazer essa separação. A família contrata uma empresa de cuidadores de idosos, por exemplo. Mas é a família que está ali no dia a dia. A relação é com a família. Então, se houver esse vínculo e subordinação direta, a gente vai considerar a terceirização uma fraude — explica Maria Manuella Gedeon.
Quem deve pagar os benefícios, como vale-transporte, alimentação?
— A prestadora. Numa terceirização lícita, quem é o patrão é a empresa terceirizada. Ela deve garantir pagamento de salários, benefícios, férias, todos os direitos trabalhistas. Caso ela não pague e rompa o contrato, aí sim a gente tem a contratante, que vai arcar com as despesas — explica Maria Manuella Gedeon.