Um estudo divulgado neste mês pelo PUCRS Data Social, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, sugere que o gênero ainda é um elemento relevante no mercado de trabalho no Estado, em prejuízo das mulheres. A análise se junta a outras pesquisas que indicam situação semelhante no Brasil e no mundo. Na tentativa de mudar esta realidade, iniciativas do poder público, de entidades privadas e das empresas se tornam cada mais presentes na sociedade.
No Dia Internacional da Mulher, 8 de março, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou medidas para assegurar direitos para as mulheres. Entre elas, um Projeto de Lei (PL) para promover a igualdade salarial entre homens e mulheres que exerçam a mesma função. A proposta deve ser enviada ao Congresso.
No Levantamento sobre Desigualdade de Gênero no Rio Grande do Sul, realizado pelo PUCRS Data Social, a diferença salarial entre gêneros se confirmou em 2021. Enquanto as mulheres gaúchas tiveram uma média de R$ 15,4 por hora remunerada de trabalho, os homens ganharam em média R$ 18,4. Uma tendência que vem se confirmando nos últimos 10 anos, apesar de a força feminina representar 43,2% da população ocupada no Estado. Outro dado divulgado pela pesquisa mostrou que em 2021, o rendimento do trabalho entre os homens era 37,2% maior do que entre as mulheres: elas tiveram uma renda média de R$ 2.380 e eles, R$ 3.267.
Professora adjunta do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Cibele Cheron acredita que o Projeto de Lei proposto pelo governo Federal é significativo, principalmente, porque prevê punição em caso de descumprimento das normas a serem definidas.
— O pacote traz a obrigatoriedade, que é uma palavra que não existia até então, e a punição para um cenário em que as punições ainda são muito frágeis. Precisamos de leis que imponham a equidade salarial e políticas públicas que coloquem a obrigatoriedade de mulheres no mercado de trabalho com remuneração compatível, até porque as mulheres têm escolarização maior do que a escolarização média dos homens. O que não quer dizer que não precise se investir na capacitação delas. É preciso entender também que para as mulheres é necessário desenvolver outros equipamentos públicos que não falam de capacitação ou formação — adverte Cibele.
Segundo a professora, que desenvolveu uma tese de doutoramento sobre a desigualdade de gênero no mercado de trabalho na Região Metropolitana de Porto Alegre, se não houver aparelhos públicos, como creches e instituições de educação infantil, não há possibilidade das mulheres trabalharem e se desenvolverem.
— Uma brincadeira que fazemos é que o buraco no nosso currículo é casar e ter filhos. Existe a crença de que as mulheres precisam escolher se elas querem ter uma carreira ou querem ser mães. O que é extremamente injusto porque para fazer um filho é preciso duas pessoas. Mas só uma delas, a do gênero feminino, é que será penalizada profissionalmente com relação a esta escolha parental — aponta Cibele.
O apontamento feito pela professora vai ao encontro ao que indica o coordenador do PUCRS Data Social, André Salata. Para ele, uma das razões para a desigualdade salarial entre homens e mulheres apontadas na pesquisa é, justamente, o fato de as mulheres terem que se dividir entre maternidade, mercado de trabalho e trabalho doméstico. Outras causas apontadas por Salata são a concentração masculina em áreas de maior remuneração, a preferência dos empregadores por homens em cargos de maior prestígio e a chamada discriminação pura, onde numa mesma empresa há diferença salarial entre homens e mulheres no mesmo cargo.
As diferenças salariais entre homens e mulheres vão muito além do Estado. Em 2022, somente 97 de 190 países analisados pelo Banco Mundial tinham leis próprias exigindo a paridade salarial entre gêneros, de acordo com o relatório anual Mulheres, Empresas e o Direito, do banco internacional de desenvolvimento. No estudo, o Banco reforçou que “embora as leis sejam o primeiro passo para garantir igualdade de gênero, implementação inadequada e fiscalização fraca continuam sendo barreiras críticas para o avanço dos direitos e oportunidades das mulheres".
Também no ano passado, o diagnóstico do Relatório Global de Desigualdade de Gênero, elaborado pelo Fórum Econômico Mundial, analisou 146 economias diferentes, incluindo o Brasil, e apontou que somente cinco países tiveram nota maior do que 0,8 para o critério de igualdade salarial para trabalhos iguais: Albânia (0,845), Burundi (0,840), Argélia (0,812), Islândia (0,812) e Singapura (0,805). A escala é até 1 e nenhum país chegou à pontuação máxima. Neste quesito, a nota do Brasil foi 0,559, deixando o país na 117ª posição da lista no que diz respeito a oferecer o mesmo salário para as mesmas funções.
Foi por conhecer de perto este cenário, que a especialista em Recursos Humanos Andressa Paltiano, decidiu fortalecer as mulheres na empresa do ramo de recrutamento e seleção em tecnologia fundada por ela, no ano passado. A decisão foi tomada com base nas próprias memórias. Na época em que atuou como colaboradora, Andressa costumava ser a única ou uma das únicas do gênero feminino em cargo de gestão, onde havia até 30 pessoas em funções semelhantes.
O que é Jornalismo de Soluções?
É uma prática jornalística que abre espaço para o debate de saídas para problemas relevantes, com diferentes visões e aprofundamento dos temas. A ideia é, mais do que apresentar o assunto, focar na resolução das questões, visando ao desenvolvimento da sociedade.
Como a empresa criada por ela está focada na tecnologia, que hoje é uma das áreas mundialmente conhecidas por levantar a bandeira da equidade salarial de gênero no mercado de trabalho, e os próprios clientes de Andressa priorizam a contratação de mulheres, a empresária tomou a decisão. Hoje, com 20 colaboradoras espalhadas pelo Brasil, Andressa sonha em oportunizar mais vagas ao gênero feminino.
— Entendo que quando eu troco de lado, tenho que saber o que não funciona e melhorar no meu negócio. Uma das questões estava relacionada à questão do gênero. Quando passo de empregada para empregadora, vejo que, como mulher, tenho a obrigação de priorizar a contratação de outras mulheres e colocá-las à frente — finaliza Andressa.
Equidade salarial e mesmas oportunidades
Receber currículos sem identificação de nome e gênero é a política escolhida pela Ecoostente, de Cachoeirinha, para selecionar novos colaboradores. Entre os que hoje atuam na empresa, 55% são homens e 45% são mulheres.
Segundo a gestora de marketing e comercial, Ana Luíza Reichel, o formato escolhido para a seleção pretende dar as mesmas oportunidades a todos. Ela acrescenta que a empresa faz questão de manter a equidade salarial entre homens e mulheres que atuam nos mesmos cargos.
— Na empresa, todos recebem conforme o plano de cargos e salários, sem distinção. Temos executivos de ambos os sexos, em diferentes áreas da empresa — relata Ana.
Responsável por coletar, fazer a triagem e a destinação dos resíduos, a Ecoostente tem uma área específica para seleção do material que chega da rua. E lá, apenas mulheres atuam na função. No começo, Ana relata que o setor era misto, mas, aos poucos, foi mudando.
— Tanto na sede, quanto na filial no Litoral Norte, a triagem se tornou mais organizada com a chegada de mais mulheres, e elas ainda fazem questão de engajar nos nossos projetos sociais. Ao recebermos doações, 25% do valor gerado é destinado a instituições e projetos sociais — comenta Ana Luíza.
Na gestão, a empresa ainda busca ampliar a presença feminina. Hoje, 25% dos cargos são ocupados por elas. Mas Ana relata que a Ecoostente vem trabalhando nesta meta, ainda que prefira a seleção às cegas. A empresa não divulgou o número total de funcionários.
Mulheres liderando na TI
Presente no mercado há 23 anos, a Datum TI, uma empresa do ramo da tecnologia, tem hoje 29% de mulheres em seu quadro de colaboradores, cujo número total de funcionários não foi divulgado. Para se ter uma ideia, na área de tecnologia, uma das que mais emprega homens, elas não representam 20% do total.
Sócia e vice-presidente da empresa, Carine Bruxel revela que a Datum TI tem como objetivo a curto prazo chegar a 35% de colaboradoras ainda neste ano e quer ser reconhecida como uma empresa que investe em mulheres. Para isso, está presente no Pacto Global da ONU, comprometida com a equidade de gênero.
Desde que ingressou na empresa, há quatro anos, Carine vem fazendo uma revolução interna. A começar pela criação de um guia de boas práticas anti-machismo no ambiente de trabalho, indicando linguagens e atitudes mais adequadas. Hoje, as mulheres já são 85% das lideranças na Datum TI.
— Ter uma mulher no quadro societário já muda toda a relação e, automaticamente, vai abrindo espaço. Nas reuniões, os homens já falam "posso dar uma opinião". Meu sócio brinca "vocês dominaram" — comenta a executiva.
Nos últimos anos, a empresa também tem investido na formação de mulheres para serem inseridas no mercado da tecnologia, oferecendo cursos gratuitos na área. Há alguns anos, mantém o programa RecomenDatum, onde um colaborador indica outro colaborador para a área de tecnologia. Se for uma mulher indicada, é pago um valor mais alto como recompensa.
— Atendemos grandes empresas do país na área da tecnologia e muitas delas nos contratam porque o time é composto por uma maioria de mulheres e porque valorizam a diversidade. Aliás, diversidade é a palavra. Eles (as empresas) querem times diversos, com outros olhares para destituir o ambiente majoritariamente masculino — explica Carine.
Mas o maior desafio da executiva está prestes a ser iniciado. A partir do próximo dia 22, serão abertas as inscrições para um curso online gratuito que oferecerá a mulheres de todo o Brasil o desenvolvimento para cargos de liderança na área da tecnologia. O programa do Movimento TogetHer terá aulas sobre comunicação, estilos de liderança, gestão remota e ágil de equipes. A meta é instrumentalizar os times com mulheres capazes de chegar a cargos de líder.
— Antes, as mulheres não ingressavam no mercado de tecnologia. Agora, estão entrando, mas ainda estão respondendo aos homens. Então, queremos mulheres liderando. Hoje, quando falamos de equiparação salarial, precisamos empoderar as mulheres para que elas cresçam e rompam barreiras. Acredito que no futuro, vamos ter que abrir espaço para os homens na TI de tanto que vamos chegar e conquistar nosso espaço — afirma Carine.
Confira países que se destacam pela aplicação de legislação de paridade salarial de gênero
Islândia
A Islândia foi o primeiro país no mundo a eleger uma presidente, em 1980, e tem desde 1961 uma lei exigindo o pagamento de remunerações iguais para trabalhos iguais. No país, 47% das cadeiras nos conselhos das empresas são ocupadas por mulheres. A Islândia também tem lei que libera o pai para licença remunerada de seis meses. Em 2018, se tornou também o primeiro país do mundo a exigir que o governo cobre a comprovação das empresas de que pagam os mesmos salários para colaboradoras e colaboradores com funções equivalentes. Todas as empresas com mais de 25 empregados precisam ter a política de equidade salarial certificada junto ao governo. As que não possuem o certificado ficam sujeitas a multas diárias.
Estados Unidos
A Lei da Igualdade Salarial dos Estados Unidos existe desde 1963. Ela proíbe discriminação de salário por conta do sexo do empregado e é regulada pela Comissão para a Igualdade de Oportunidades no Emprego, órgão do governo norte-americano responsável por fiscalizar e aplicar as leis do país ligadas a discriminação no trabalho não só por gênero, mas também raça, religião, cor, orientação sexual, nacionalidade, idade e outras condições. Em 2022, os rendimentos das mulheres eram, em média, 17% menores que dos homens nos Estados Unidos, segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico.
Ruanda
A exigência de igualdade salarial foi incluída na nova Constituição de Ruanda, em 2003 e reformada em 2015. Em 2017, conforme o Fórum Econômico Mundial, as mulheres já ganhavam 12% menos que os homens lá, enquanto nos Estados Unidos, naquele ano, a diferença era de 26%. O Parlamento de Ruanda tem 61% dos assentos ocupados por mulheres. Desde a Constituição de 2003, o país exige que ao menos 30% das vagas do Parlamento sejam ocupadas por mulheres.
Luxemburgo
No país, as mulheres ganham somente 0,7% menos do que o que é pago para os homens, de acordo com a Eurostat. A paridade salarial para trabalhos equivalentes se tornou lei no país em 2016. É o único país da União Europeia que tem um ministério dedicado exclusivamente à igualdade de gênero: o Ministério da Igualdade entre Mulheres e Homens.