A escola é o espaço destinado a educar para a vida comum. Diferentemente da família, que possui um espaço privado, a instituição conta com uma dimensão pública. A construção de uma sociedade mais equilibrada, menos violenta e com condições de dignidade de vida passa pela produção desses valores em sala de aula. É o que defende Maura Corcini Lopes, doutora em Educação, decana da Escola de Humanidades da Unisinos e coordenadora do Grupo de Estudo e Pesquisa em Inclusão na mesma universidade:
— Saber como a escola faz valer seu compromisso social é condição para matricular uma criança ou um jovem. Uma escola deve se posicionar claramente contra ações de bullying. Para isso, deve agir formativamente, ou seja, antes mesmo que elas aconteçam. Em uma entrevista, mais do que ter a preocupação com o ranking escolar ou com o desempenho dos estudantes nas avaliações, os responsáveis devem ficar atentos ao projeto humano construído na escola.
No Brasil, a conhecida Lei Antibullying, sancionada em 2015, instituiu o Programa de Combate à Intimidação Sistemática (bullying). Contudo, a realidade ainda não alcança a previsão legal. Em 2019, uma pesquisa do Unicef apontou que mais de um terço dos jovens em 30 países relatavam ser vítimas de bullying online. No mesmo estudo, 36% dos adolescentes brasileiros informaram já ter faltado à escola após ter sofrido bullying.
Conforme Maura, é necessário que a instituição de ensino entenda que nenhum tipo de discriminação, exclusão ou preconceito de qualquer natureza é justificável. É essa a postura que pode colocar em destaque experiências individuais positivas e ativas dos alunos.
— Podemos fazer projetos que os permitam pensar e construir conhecimento. O que foi feito na formação de Malala Yousafzai, de Greta Thunberg e Emma Gonzalez, que hoje engajam-se na construção de um outro mundo? — provoca.
Em Santa Maria, iniciativa traz inclusão
Em Santa Maria, no Centro do Estado, uma instituição pública de ensino se destaca por iniciativas de combate ao bullying e no fomento à inclusão: a Escola Municipal Sérgio Lopes. Lá, o projeto Além da Ponte impacta na integração, na melhora do desempenho escolar e se desdobrou em uma política permanente de valorização feminina. Em uma das ações do projeto, cada sala de aula foi batizada com nomes de mulheres cujas histórias foram estudadas pelas turmas. As crianças ainda confeccionaram bonecas com características dessas personalidades. Entre elas, Carolina Maria de Jesus, Frida Kahlo, Marie Curie, Tarsila do Amaral, Djamila Ribeiro, Maria da Penha, a jogadora Marta e Maria Rita Py Dutra, em homenagem a uma escritora local.
— Tivemos uma aluna que veio transferida de uma escola com um encaminhamento por estar sofrendo bullying. Era uma questão de gênero, em que as roupas que ela usava incomodavam alguns colegas. Ela tinha cabelo curto, e as outras crianças a obrigavam ir ao banheiro dos meninos, fazendo piadas. Ela ficava toda a aula apertada. Mostramos para ela as salas de aulas temáticas e trabalhamos dentro da nossa concepção, que é o respeito à infância potente, feminista e antirracista — conta a diretora, Andréia Aparecida Liberali Schorn.
O nome do projeto, que existe desde 2019, é uma referência à ponte que marca a divisa do terreno do maior shopping da cidade com a Vila Renascença, onde é sediada a escola, na região periférica de Santa Maria. Conforme a diretora, muitos alunos nunca entraram no shopping, que fica a metros do local em que estudam.
A educadora Maura Corcini Lopes acrescenta que inúmeras escolas de periferia vivem próximas de todas as formas de violência e fazem trabalhos importantes. Porém, permanecem no anonimato:
— Além de não adentrarmos nas periferias, que seguem sendo espaços estranhos para os que vivem do outro lado, também não acreditamos nas respostas construídas por aqueles grupos que são discriminados por questões de raça-etnia, gênero, religião, deficiência etc. Falamos de inclusão, mas queremos selecionar quem são os diversos autorizados a chegarem próximos a nós. Este é o mesmo princípio gerador da xenofobia, do sexismo, do racismo e do bullying.
Antes da pandemia, a Sérgio Lopes, que tem 180 alunos — do berçário ao 9º ano —, promovia círculos de conversa com assuntos temáticos. Outros projetos, como o Sacola Vai e Volta, estimulavam a leitura de estudantes para os familiares.
— Muitos pais e mães dos nossos alunos não são alfabetizados, e o projeto proporcionou aproximação familiar. Diminuíram os relatos de violência doméstica e não tivemos mais brigas quando meninos e meninas jogam bola juntos. Sabemos que toda escola pode ter problemas com bullying, mas é preciso agir. Nos comprometemos a conversar com as famílias, a escutar atentamente qualquer reclamação e a estimular os estudantes a informar casos na hora em que acontecem — acrescenta a diretora.
O que é considerado bullying?
- A palavra tem origem inglesa e designa atos de agressão e intimidação repetitivos contra um indivíduo que não é aceito por um grupo.
- O bullying se caracteriza por ser um conjunto de práticas repetitivas, feitas por uma pessoa ou grupo contra outra que sofre com tais ações. Trata-se de uma situação de violência que acarreta sérios danos a todos os envolvidos e não somente à vítima.
- As manifestações incluem agressões físicas, verbais, morais e psicológicas.
- Ainda há a denominação de bullying material (destroçar, estragar, furtar, roubar), sexual (assediar, induzir e/ou abusar) e virtual ou cyberbullying (divulgar imagens, enviar mensagens, invadir privacidade por meio da internet e de celulares, de forma anônima).
Na hora da matrícula
Pontos importantes a serem considerados pelos pais ou responsáveis:
- Conhecer os valores adotados e defendidos na escola.
- Entender como esses valores são trabalhados no projeto pedagógico.
- Saber de iniciativas e projetos escolares que fomentem práticas inclusivas.
- Ficar atento ao projeto humano construído dentro e fora da sala de aula.
- Saber como a escola age frente a casos de discriminação e bullying.