O Ministério da Educação (MEC) destinou R$ 4,5 bilhões para as 69 instituições mantidas pelo governo federal aplicarem em despesas do dia a dia ao longo de 2021, um repasse 18,4% menor do que em 2020 e o menor valor nominal em 10 anos, segundo a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes). Como consequência, quatro das sete universidades federais do Rio Grande do Sul afirmam que só conseguirão pagar as contas de 2021 se o ensino remoto for mantido. E assim mesmo, com sacrifícios, como menos dinheiro para manutenção de laboratórios, projetos com a comunidade, segurança e até limpeza.
Os cortes são rotineiros ao longo dos últimos cinco anos, mas reitores afirmam que a situação jamais foi tão dramática. Um agravante é que apenas 40% do orçamento do ano está liberado — os outros 60% estão bloqueados e dependem de liberação no Congresso.
O presidente da Andifes, Edward Madureira, diz que todas as federais sofreram corte e que, para muitas, a redução "inviabiliza o funcionamento a partir de setembro".
— Depois, se endivida. Além disso, há um bloqueio que depende do Congresso. Sem o desbloqueio, o horizonte de funcionamento é até junho. Nosso orçamento vem sendo congelado nos últimos anos. Isso impede serviços de manutenção, o que leva a problemas de vazamento e elétricos e a uma decadência da infraestrutura. Grande parte da ciência brasileira é feita em universidades federais. Entraremos em defasagem na formação de estudantes e na inovação de ciência e tecnologia. O que está em jogo é o futuro do país, que passa pelo desenvolvimento de profissionais e da ciência — acrescenta Madureira.
Confira a situação em cada universidade afetada:
UFSM
A Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) tem previstos R$ 107,7 milhões para este ano – 20,5% a menos do que em 2020 –, mas só recebeu R$ 39,4 milhões até agora. A instituição afirma que o dinheiro acaba neste mês. Para dar conta do aperto financeiro, foram reduzidos o número de terceirizados em limpeza e segurança, as diárias de viagem e os custos com água em luz devido às aulas remotas, e agora não teria mais onde cortar.
— A redução de 20% no orçamento de 2021 em comparação ao ano passado é catastrófica para nós. Mas temos um fator mais cruel: 64% do orçamento autorizado na lei orçamentária anual para este ano está bloqueado. Estamos na metade de maio e, em tese, o orçamento disponível já vai estar comprometido no fim de maio. Estamos apostando que o Congresso Nacional reveja sua posição no sentido de desbloquear o orçamento para as universidades. Ainda assim, com este orçamento, é inviável terminarmos o ano. Conseguiremos retomar as aulas, mas não mantê-las na presencialidade para além de setembro — diz Paulo Burmann, reitor da UFSM.
UFPel
Com os recursos que tem em mãos, a Universidade Federal de Pelotas (UFPel) informa que funciona até junho, após perder 20,6% do orçamento no comparativo a 2020. Caso o Congresso desbloqueie os 60% de verba retidos, a instituição contará com R$ 58,9 milhões – o suficiente para funcionar presencialmente até setembro, segundo a reitora, Isabela Andrade. Ela diz que é o pior momento da universidade, em termos orçamentários, nos últimos anos.
— Esses R$ 58,9 milhões não atendem à demanda da universidade. No ano passado, fechamos as contas. O orçamento precisa ser recomposto pelo menos ao de 2020. Só o desbloqueio não garante o funcionamento até o fim de 2021. Temos uma previsão de investimentos necessários em função da pandemia. Sem limpeza, neste momento, é inviável retomar atividades porque precisamos prezar pela segurança das pessoas. Trabalharemos até o orçamento acabar. Não queremos abrir mão de desenvolver as atividades na universidade, que teve um papel importante no enfrentamento da pandemia — diz Isabela.
UFRGS
Se as aulas presenciais retornassem nas próximas semanas, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) não teria dinheiro suficiente para manter as atividades até o fim do ano, mesmo com liberação de mais verba pelo Congresso, aponta a instituição. O funcionamento poderia ser mantido somente com o ensino remoto.
A UFRGS conta com uma previsão de R$ 131,2 milhões para pagar água, eletricidade, terceirizados de segurança e limpeza e outras verbas do dia a dia – 18% menos do que no ano anterior. Mas, por causa do bloqueio orçamentário, só R$ 52,6 milhões estão garantidos.
A redução orçamentária é mais profunda se uma lupa for jogada para o passado: o orçamento de 2021 da UFRGS é 30% abaixo de cinco anos atrás. Nesse meio tempo, o número de estudantes passou de 40,3 mil para 43,9 mil. Além disso, segundo a universidade, não chegou verba para investimento em obras – no ano passado, havia R$ 4,3 milhões disponíveis para esse fim.
— Hoje, se tiver uma determinação para voltarem todos a trabalhar e todos os alunos a estudar, não conseguiremos tocar. Aí faltaria dinheiro. Vieram R$ 52 milhões até agora, o que representa 40% (da verba prevista para o ano). Mas o que está bloqueado vai ser liberado, pode ter certeza. Isso é uma tranquilidade. Não tem como não aprovar no Congresso. Se não liberar, fecha a instituição — diz Geraldo Jotz, pró-reitor de Inovação e de Relações Institucionais da UFRGS.
A universidade garante que não reduzirá o número de bolsas ou de auxílios para estudantes carentes, mas não há como incluir mais pessoas. Hoje, 3,8 mil alunos recebem auxílio-financeiro para pagamento de material, transporte ou moradia.
— A priorização é manter esses alunos com auxílio-estudantil. Em continuando a pandemia até o fim do ano, acreditamos que se chegue no limite de não fazer alguns cortes. O ensino remoto emergencial foi muito bem avaliado e vai perdurar para o segundo semestre de 2021. No futuro próximo, o ensino híbrido veio para ficar — acrescenta Jotz.
Furg
A Universidade Federal do Rio Grande (Furg), que perdeu 19% do dinheiro em comparação ao ano passado e quase 40% frente a cinco anos atrás, garante as atividades até junho se o Congresso não liberar os outros 60% do orçamento. Caso isso aconteça e as aulas presenciais sejam retomadas, a Furg calcula que aguenta até outubro.
— Estamos com cortes quando deveríamos estar pensando em reforço orçamentário. Sem a recomposição dos cortes, laboratórios e pesquisas ficam com risco de inviabilização — diz o reitor da Furg, Danilo Giroldo.
UFCSPA
A Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) injetava dinheiro próprio para compensar a pouca verba para estudantes carentes, pesquisa e extensão, mas, após sofrer corte de cerca de 20% no orçamento deste ano, será impossível criar mais auxílios estudantis, diz a reitora, Lucia Pellanda. Como forma de resolver a situação, a UFCSPA está arrecadando doações de comida para estudantes (interessados podem enviar e-mail para Ana Godoy no anabg@ufcspa.edu.br).
— Em 2020, observamos aumento das necessidades das famílias, com muita gente perdendo emprego e mais gente precisando de auxílio. O que sempre fizemos foi, com recursos da instituição, complementar essas ações de apoio com bolsas institucionais de pesquisa e extensão. Agora, com esse corte violento que estamos sofrendo, não vamos conseguir destinar verbas extras — afirma Lucia.
Ela diz que a UFCSPA teria orçamento para o retorno presencial, mas apenas se o Congresso liberar os outros 60% das verbas.
— Se não houver complemento para o orçamento, fica inviável funcionar — diz a reitora da UFCSPA.
UFFS
Na Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), o corte foi de 20% em comparação ao ano anterior. O reitor, Marcelo Recktenvald, diz que algumas obras acabaram travadas, mas a instituição consegue manter as atividades com o retorno presencial até o fim de 2021. Ao contrário dos colegas, ele vê a redução de repasse com naturalidade.
— Uma perda orçamentária impede algumas ações e investimentos, e a universidade precisa se reorganizar. Mas era previsível diante da paralisação da economia. Depois de um ano de fique em casa, qual seria a alternativa viável? Seria egoísmo da parte da universidade fazer reclamação. Espero que a sociedade brasileira supere a narrativa e dê as mãos para enfrentarmos a pandemia com o que todos podem contribuir. Infelizmente, se criou um campo de batalha ideológica em que alguns aproveitam para bater ou defender o governo. A imprensa, às vezes, toma um lado. Mas dinheiro não dá em arvore: se todo mundo para, não adianta cobrar recursos para si. Temos que ser pragmáticos — afirma Recktenvald.
Unipampa
A Universidade Federal do Pampa (Unipampa) respondeu por meio de nota em nome do reitor, Roberlaine Ribeiro Jorge. Segundo o documento, o impacto será de R$ 12,3 milhões em recursos de custeio, fomento e capital, o que corresponde a uma redução média de 20% dos recursos. "Esse recurso é destinado as despesas de água, energia elétrica, telefonia, internet, contratos e serviços da instituição, incluindo despesas com limpeza, motoristas, vigilantes, portaria auxiliares de manutenção, entre outras despesas. Com as reduções e bloqueios previstos apresenta-se a possível inviabilidade de funcionamento da instituição nos próximos meses", aponta o reitor.
Entenda a situação
O orçamento das universidades federais brasileiras foi sendo desidratado ao passar por diferentes canetaços em Brasília. Segundo o MEC, a verba para a rede federal sofreu redução de 16,5% no Projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa) enviado pelo governo Jair Bolsonaro ao Congresso – o documento funciona como uma previsão de gastos da União, que o Parlamento aprova ou não.
No Congresso, parlamentares cortaram mais 4% do dinheiro do MEC. Quando o documento voltou ao presidente Bolsonaro, a pasta ainda sofreu um bloqueio de R$ 2,7 bilhões e terminou com R$ 9,9 bilhões para manter toda a educação brasileira.
Segundo a Instituição Fiscal Independente do Senado (IFI), o MEC teve o maior baque entre todos os ministérios. As universidades federais, por consequência, perderam R$ 1 bilhão para as verbas discricionárias, segundo a Andifes, um valor destinado às contas do dia a dia, além de ações de extensão, manutenção de prédios e de laboratórios.
Houve ainda queda de recursos para obras – ou seja, investimento – e para auxílio a estudantes carentes, um dinheiro que, segundo reitores, deveria ter sido reforçado para este ano, em meio ao empobrecimento da população com a pandemia.
A verba aos mais carentes, que vem de uma ação chamada Programa Nacional de Assistência Estudantil (Pnae), caiu de R$ 1 bilhão em 2020 para R$ 830 milhões neste ano — sendo que apenas R$ 100 milhões foram liberados, segundo a Andifes.
O MEC afirma, por nota, que “não tem medido esforços nas tentativas de recomposição e/ou mitigação das reduções orçamentárias” das instituições federais e que “está promovendo ações junto ao Ministério da Economia para que as dotações sejam desbloqueadas e o orçamento seja disponibilizado em sua totalidade para a pasta”.
A Educação diz que o bloqueio orçamentário (o que depende de aval do Congresso) não é novo e foi adotado em anos anteriores. Informa que foram realizadas análises estimadas das despesas que possuem execução mais significativa apenas no segundo semestre, a fim de reduzir os impactos da execução dos programas no primeiro semestre – veja a nota na íntegra logo abaixo.
Visita do ministro
Em visita à UFSM nesta quarta-feira (12), o ministro da Educação, Milton Ribeiro, declarou que os cortes no orçamento são "para colocar comida no prato de brasileiros".
— Ser ministro de um Ministério da Educação quando não há crise de recebimentos de tributos e impostos, como foi em anos passados, é fácil. Nesse tempo em que o governo federal é obrigado a selecionar se ele constrói um prédio a mais na educação ou se ele coloca um pouco mais de comida no prato de brasileiros que estão morrendo de fome, é muito difícil. E foi isso que o presidente Bolsonaro me disse: "Milton, vou ter que cortar porque eu faço isso ou não coloco comida no prato de um brasileiro que está faminto" — afirmou o ministro.
Reitores, no geral, refutam o argumento oficial de crise econômica. O reitor da UFSM, que recebeu institucionalmente o ministro Ribeiro nesta quarta-feira, pediu, em entrevista a GZH na terça-feira (11), que “a população faça uma leitura de contexto”.
— Tirar R$ 28 bilhões do orçamento discricionário de ministérios para dar a emendas parlamentares é uma escolha política. Não podemos encarar isso com naturalidade. O desbloqueio depende da vontade política. Das universidades, saiu R$ 1 bilhão, sem falar da educação básica. Qual parlamentar vai abrir abrir mão de R$ 1 bilhão em emendas, considerando que temos eleições no ano que vem? Sem contar os R$ 3 bilhões do orçamento paralelo. Mas tenho otimismo — diz Paulo Burmann, reitor da UFSM.
Leia na íntegra a nota do MEC:
“O Ministério da Educação (MEC) informa que, para encaminhamento da Proposta de Lei Orçamentária Anual referente ao exercício financeiro de 2021, houve situação de redução dos recursos discricionários da pasta para 2021, em relação à LOA 2020, e consequente redução orçamentária dos recursos discricionários da Rede Federal de Ensino Superior, de forma linear, na ordem de 16,5%.
Durante a tramitação da PLOA 2021, em atenção à necessidade de observância ao Teto dos Gastos, houve novo ajuste pelo Congresso Nacional, bem como posteriores vetos nas dotações.
Não obstante a situação colocada, O MEC tem não tem medido esforços nas tentativas de recomposição e/ou mitigação das reduções orçamentárias das IFES.
O Ministério esclarece ainda que, em observância ao Decreto nº 10.686, de 22 de abril de 2021, foram realizados os bloqueios orçamentários, conforme disposto no anexo do referido decreto.
Para as universidades e institutos federais, o bloqueio foi de 13,8% e reflete exatamente o mesmo percentual aplicado sobre o total de despesas discricionárias, sem emendas discricionárias, sancionado e publicado na Lei nº 14.144, de 22 de abril de 2021 – LOA 2021. Importa lembrar que o bloqueio de dotação orçamentária não se trata de um procedimento novo, tendo sido adotado em anos anteriores, a exemplo de 2019 (Decreto nº 9.741, de 28 de março de 2019, e da Portaria nº 144, de 2 de maio de 2019).
Com relação aos demais bloqueios deste Ministério, foram realizadas análises estimadas das despesas que possuem execução mais significativa apenas no segundo semestre, a fim de reduzir os impactos da execução dos programas no primeiro semestre.
O MEC está promovendo ações junto ao Ministério da Economia para que as dotações sejam desbloqueadas e o orçamento seja disponibilizado em sua totalidade para a pasta.
Ressalte-se que não houve corte no orçamento das unidades por parte do Ministério da Educação. O que ocorreu foi o bloqueio de dotações orçamentárias para atendimento ao Decreto. Na expectativa de uma evolução do cenário fiscal no segundo semestre, essas dotações poderão ser desbloqueadas e executadas.
Cumpre destacar que as universidades federais gozam de autonomia em três dimensões: didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, garantidos constitucionalmente, sendo que cabe à universidade a gestão e destinação dos créditos, inclusive eventuais alterações orçamentárias, conforme necessidade. A IFES e o Conselho do próprio hospital são responsáveis pela gestão do mesmo.”