A possibilidade de retorno às aulas presenciais na educação básica em agosto no Rio Grande do Sul tem desagradado a muitos pais. Apesar de a Secretaria Estadual da Educação (Seduc) não ter definido uma data certa desde a revisão do calendário que previa essa volta para o mês de julho, muitas famílias têm se mobilizado pela continuação do ensino remoto enquanto a situação no Estado continuar sendo de risco sanitário.
Por enquanto, a única capital brasileira que já permitiu a abertura das salas de aulas nas escolas foi Manaus: depois de três meses sem atividades presenciais por causa da pandemia de covid-19, escolas particulares da cidade voltaram a abrir as portas para os alunos no início deste mês. Primeira capital do país a enfrentar colapso nos sistemas de saúde e funerário por causa do coronavírus, Manaus viu os números de casos e mortes cair nas últimas semanas.
Já o Rio Grande do Sul é um dos 11 Estados que, juntamente com o Distrito Federal, têm propostas para retorno. Até o momento, as aulas presenciais estão permitidas apenas para atividades práticas “essenciais para conclusão de curso” em ensino técnico e superior. Conforme o governo do Estado, essa autorização é para disciplinas presenciais, laboratoriais e estágios de fim de curso que sejam essenciais para a obtenção do diploma. Também estão autorizadas as aulas presenciais de cursos livres, como idiomas e artes.
Um levantamento sobre a retomada das aulas presenciais em todo o Brasil aponta que 73,7% dos pais e responsáveis se recusariam a enviar filhos às escolas caso elas reabrissem em julho. Para 40%, o mais adequado seria um retorno apenas em 2021. Os dados são da pesquisa "As escolas brasileiras no contexto do coronavírus", feita a pedido da União pelas Escolas Particulares de Pequeno e Médio Porte, entre 22 e 29 de junho. Participaram 14.307 responsáveis por estudantes em 407 instituições de todo o país, desde a Educação Infantil até o Ensino Médio.
De acordo com o estudo, 94% dos pais afirmam que o mais importante para a reabertura das salas de aula é respeitar as normas sanitárias, como distanciamento, higienização, uso de máscaras, entre outras medidas. Preocupação semelhante foi encontrada por uma escola particular de Porto Alegre que realizou um levantamento junto às famílias. No Colégio Santa Doroteia, 55,7% dos pais que responderam a uma pesquisa da direção apontaram que seus filhos não frequentariam aulas presenciais enquanto durar a pandemia, mesmo que um retorno às atividades presenciais seja autorizado em breve.
Todas as nossas ações têm que ser firmadas na quantidade de alunos que retornam. Por isso é importante saber o que as famílias estão pensando, estão sentindo
JANAINA KUNZLER
diretora administrativa do Colégio Santa Doroteia
— Nossa política é sempre de ouvir as famílias. Para a escola voltar, abrir as portas, temos que organizar toda a questão do distanciamento. E todas as nossas ações têm que ser firmadas na quantidade de alunos que retornam. Por isso é importante saber o que as famílias estão pensando, estão sentindo, porque tudo tem que ser preparado de acordo com isso — explica Janaina Kunzler, diretora administrativa da escola.
Nessa pesquisa, 34,5% das famílias afirmaram que os filhos retornariam às aulas presenciais, e 9,8% dos entrevistados responderam que isso não aconteceria com suas crianças e adolescentes porque elas fazem parte do grupo de risco. O percentual é semelhante ao encontrado pelo levantamento nacional, em que a maioria dos pais concorda que haverá alterações na rotina escolar. Para 78,9%, dos entrevistados, esse retorno deveria ser em dias alternados, e 43,2% afirmaram que a volta deveria ser com horário reduzido, enquanto 35,7% prefeririam manter a carga horária.
No Facebook, um grupo que reúne 5,4 mil membros defende o direito das famílias ao ensino não presencial durante a pandemia. Em uma pesquisa informal, 30% dos pais apontaram que as aulas somente deveriam ser retomadas no ano que vem, enquanto a maioria, totalizando 41,1%, respondeu que não deve haver retorno às aulas presenciais enquanto não houver uma vacina.
A consultora educacional e psicóloga Carla Jarlicht destaca que essa nova realidade será um grande desafio para todos na escola.
O mais interessante e produtivo seria investir em soluções que possam atender ao coletivo, a um retorno às escolas a seu tempo, de forma saudável e segura
CARLA JARLICHT
Consultora educacional e psicóloga
— Vão dos aspectos estruturais e organizacionais da escola, que deverá atender aos protocolos, aos aspectos emocionais, que envolvem não só o acolhimento dos alunos como também o das famílias. Todos estão, em alguma medida, sensíveis a tudo que vem acontecendo e, de certa forma, inseguros, ansiosos e um tanto esperançosos com o que está por vir — define Carla.
A psicóloga explica que é legítima a preocupação das famílias e que isso precisa ser entendido dentro do atual contexto, que ainda é muito frágil e indefinido. Governo e escolas, ela afirma, terão que se perguntar sobre a real possibilidade de atender a essa demanda sem sobrecarregar professores e alunos.
— Caberá a cada escola decidir como proceder de acordo com o que estiver determinado por lei, que defende o direito à educação plena da criança e do adolescente. Sendo assim, o mais interessante e produtivo seria investir em soluções que possam atender ao coletivo, a um retorno às escolas a seu tempo, de forma saudável, segura e cheia de afeto — explica a psicóloga.