O desempenho dos estudantes no país melhorou em todos os níveis analisados pelo Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) em 2018, mas é preciso cautela na hora de comemorar. As médias em leitura, matemática e ciências aumentaram de maneira tímida na comparação com 2015, quando a última edição da prova trienal foi aplicada. Mas ainda que supere a performance anterior, quando houve queda em todos os níveis, o país ainda está muito abaixo da média mundial – e fica entre os cinco piores da América Latina.
No Brasil, apesar de o país ter demonstrado um crescimento consistente ao longo dos últimos anos, não houve aumento expressivo em nenhuma das áreas avaliadas. As médias subiram apenas entre cinco e seis pontos de 2015 para 2018, chegando a 413 em leitura – o maior da série histórica nacional –, 383 em matemática e 404 em ciências. Os resultados globais são de 487 em leitura, 489 em matemática e 489 em ciências.
— Essa melhora, além de tímida, é estaticamente insignificante. Quando se olha para os resultados de 2018, não é possível afirmar se houve uma melhora ou se é apenas efeito estatístico. O Brasil está parado desde 2009: nas últimas quatro edições, segue estagnado, o que é muito grave. Enquanto o país não conseguir colocar em pé uma agenda de política pública de educação que faça com que os alunos melhorem seu nível de aprendizado, cada vez vai ficar mais nítido que o Brasil não vai sair do lugar — destaca Gabriel Corrêa, gerente de Políticas Educacionais do Todos pela Educação.
Na prova, aplicada em 2018 a jovens de 15 anos de 79 países pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), entidade que reúne países desenvolvidos e é a responsável pela coordenação do teste, os resultados mostram que há uma década o Brasil não registra melhora significativa no conhecimento relacionado a matemática, leitura e ciências.
— É uma década sem resultados — resume Corrêa.
"Tragédia", diz o ministro da Educação
Em coletiva de imprensa convocada para analisar os resultados do Pisa, o Ministério da Educação (MEC) propôs explicações muito mais políticas do que técnicas para os resultados brasileiros. Para o ministro Abraham Weintraub, a estagnação da educação no país é "uma tragédia" que deve ser creditada aos governos do PT.
— Infelizmente o jovem de 14 anos, graças ao governo do PT, não vai conseguir ser recuperado em um ano (a prova foi aplicada no primeiro ano do atual governo). Isso é integralmente culpa do PT, da doutrinação "esquerdófila" sem compromisso com o ensino, que quer discutir sexualidade em vez de ensinar a ler e escrever. As políticas que foram implementadas nesses últimos 20 anos, nos governos do PT e mais um pouquinho também no (governo) do FHC (Fernando Henrique Cardoso), não tiveram efeito — afirmou Weintraub.
O ministro, que afirmou, duas semanas antes da divulgação do resultado, que o Brasil ficaria em último lugar entre os países da América do Sul no Pisa – o que acabou não se mostrando verdade –, garantiu ainda que os resultados da próxima avaliação, que será aplicada em 2021, são de sua inteira responsabilidade.
— Eu assumo integral responsabilidade se esse número não inflexionar — disse Weintraub, exaltando iniciativas como o Future-se, a nova Política Nacional de Alfabetização e a criação de mais escolas cívico-militares no governo Jair Bolsonaro que, ele espera, terão efeitos positivos no aprendizado dos jovens.
O Ministério da Educação salientou que o Brasil tem "andado de lado" no Pisa, sem conseguir evoluir.
— Não tem o que comemorar, não tem o que dizer. A gente está em último (referindo-se à pontuação em matemática na América do Sul). Nossos estudantes não estão tendo os instrumentos necessários para exercer sua cidadania. Ficar analisando que saímos de último para penúltimo é como torcer para o Íbis, o pior time do mundo. A gente está na zona de rebaixamento. Se continuarmos com as mesmas práticas que estão sendo implementados nos últimos 20 anos, vamos continuar nas piores posições — avalia o presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) Alexandre Ribeiro Lopes.
A análise dos resultados da prova aponta ainda que, além de as notas do Brasil terem ficado bem abaixo da média mundial, o desempenho individual dos estudantes também não apresentou bons índices. Apenas 2,5% dos alunos alcançaram as notas mais altas em qualquer uma das áreas analisadas, e 43,2% do total de estudantes ficou abaixo do nível mínimo esperado de proficiência em ciências, leitura e matemática. A média mundial foi, respectivamente, de 15,7% e 13,4%.
O desempenho dos jovens brasileiros melhorou em matemática, mas esse foi apenas o terceiro melhor resultado em seis edições. E, apesar do aumento de 28 pontos entre 2003 e 2018, o aprendizado se deu principalmente em edições anteriores do Pisa.
Para especialistas em educação, porém, o tom catastrófico dado pelo governo federal aos resultados deve ser relativizado. Professor do programa de pós-graduação em educação da Unisinos, Roberto Rafael Dias da Silva salienta que o Pisa é uma iniciativa de avaliação comparada alvo de muitas críticas no campo acadêmico com relação à metodologia, que não leva em consideração as especificidades culturais, econômicas, políticas e sociais de cada país.
— Não podemos nos comparar com a Finlândia, com a China. Pesquisas realizadas de forma amostral não levam em consideração os contextos distintos. E a América Latina é sempre um cenário controverso, porque não temos uma condição de políticas de longa duração. Nos 79 países avaliados nessa última edição do Pisa, só alguns conseguiram avanços. Essa tendência à estagnação é presente em quase todos os países: não acontece só no Brasil, mas também com Estados Unidos, com Alemanha — afirma Silva, que é doutor em educação.
Para especialistas, é preciso profissionalizar a docência
O professor explica que essa tendência de países mantendo as mesmas notas pode ser lida de forma ambivalente: como uma falha do sistema de educação dos governos em evoluir ou como uma metodologia possivelmente equivocada do Pisa. Ainda assim, ele garante que os resultados devem ser compreendidos como meios de implementar políticas públicas que reforcem a qualidade do ensino.
Gabriel Corrêa, do Todos pela Educação, concorda: é preciso valorizar a carreira de professor, aprimorar a infraestrutura das escolas e oferecer mais apoio para o desenvolvimento de educadores e alunos.
— Fazendo um exercício de comparação, vemos que tanto os países mais desenvolvidos quanto os que mais avançam têm algo em comum: eles conseguiram implementar uma agenda de políticas públicas pensando na profissionalização da carreira do professor. Colocar a profissionalização dos docentes no centro das políticas educacionais é uma necessidade — aponta Corrêa.
O relatório da avaliação da OCDE indica ainda que o fator socioeconômico tem impacto relevante sobre o desempenho dos estudantes, sendo determinante para o aprendizado em todas as áreas analisadas. Estudantes mais beneficiados econômica ou socialmente demonstraram, por exemplo, 97 pontos a mais em leitura que os menos favorecidos – a média dos países da OCDE foi de 89 pontos em 2018. Mas há quem supere isso: 10% dos estudantes em desvantagem socioeconômica ficaram entre aqueles com melhor performance em leitura, conforme o Pisa.
Outras discrepâncias do Brasil em relação aos demais países foram a necessidade de esperar muito tempo para que a sala de aula fique em silêncio (41% dos estudantes relataram o problema, contra 26% da média mundial) e a incidência de faltas nas semanas que antecederam o exame (50% dos estudantes faltaram a pelo menos um dia de aula no Brasil duas semanas antes do Pisa, enquanto a média global ficou em 21%).
Domínio chinês e europeu
O melhor resultado foi chinês, com as maiores notas médias em todas as áreas analisadas: leitura, matemática e ciências. A peculiaridade é que a China não concorre como um único país, mas como regiões separadas: a primeira colocação ficou com a região que compreende Pequim-Xangai-Jiangsu-Guangdong, chamada de P-X-J-G pela OCDE. Na sequência, estão Cingapura, Macau e Hong Kong – os últimos dois, também considerados parte da China.
Além dos países asiáticos, a Europa também está bem representada, com Estônia, Finlândia, Irlanda e Polônia entre as nações melhor avaliadas. Os Estados Unidos não ficaram entre os 10 melhores, mas a América do Norte está lá, com o Canadá na 6ª colocação.
Ao contrário do que previa o ministro da Educação, Abraham Weintraub, o Brasil não ficou em último lugar da América do Sul na avaliação internacional. Entre os países latino-americanos, incluindo o Caribe, o Brasil teve resultados piores do que Chile, México, Colômbia e Uruguai, mas ficou à frente de Argentina, Peru, Panamá e República Dominicana em leitura, que é o foco da mais recente edição do Pisa.
O doutor em educação Roberto Rafael Dias da Silva pondera que a divisão por regiões acaba sendo benéfica para a China em uma avaliação global comparada, como a aplicada pela OCDE.
— A China é avaliada por regiões e nós não. Se olharmos para as diferentes regiões do Brasil, também veremos resultados bem melhores e bem piores do que a média — avalia ele.
A impressão foi confirmada pelo MEC que, por ter aplicado a prova, conta com as estatísticas específicas de cada escola, Estado e região – informações que ainda não foram divulgadas oficialmente pela pasta. Conforme Alexandre Ribeiro Lopes, presidente do Inep, a diferença é tanta que "é como se o jovem da região Sul tivesse um ano a mais de escolaridade que um jovem da região Nordeste".
O ministério ainda indicou que, entre os estudantes brasileiros avaliados no Pisa, 72,3% estudavam na rede estadual, 77% estavam em escolas do Interior – não nas capitais – e 77,3% estavam matriculados no Ensino Médio.
Entenda o Pisa
- O Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) é uma prova global coordenada pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
- Sua aplicação ocorre a cada três anos, sempre com estudantes de 15 anos – o que, no Brasil, equivale ao 1º ano do Ensino Médio, desconsiderando a distorção idade-série.
- O objetivo do Pisa é verificar o desempenho escolar em leitura, ciências e matemática para identificar o conhecimento e habilidade dos alunos.
- Os resultados dessas áreas estão sendo divulgados em 2019. No ano que vem, serão divulgados os desempenhos em competências globais e alfabetização financeira.
- No Brasil, 10.691 estudantes de 638 escolas completaram a prova, representando mais de 2 milhões de alunos de 15 anos nas escolas públicas e privadas do país.
- Em 2018, o exame foi aplicado a 600 mil alunos nos 79 países representados na OCDE. Esse total é representativo de 32 milhões de jovens estudantes nos países analisados.