Em crescimento e com polos até fora do país, o ensino a distância (EaD) está diante de um impasse. Conselhos profissionais de diferentes áreas têm aprovado resoluções que proíbem os estudantes formados nessa modalidade de exercerem a carreira.
A decisão foi tomada recentemente pelas entidades representativas de Arquitetura, Farmácia, Medicina Veterinária e Odontologia. Elas argumentam que não é possível garantir formação de qualidade com aulas online e que atividades práticas são essenciais.
Representantes das universidades, por outro lado, decidiram ir à Justiça. Afirmam que há preconceito com a modalidade e que os cursos a distância têm algumas atividades presenciais obrigatórias, o que garante qualidade.
Com polos até no Japão, a EaD se expandiu mesmo na crise econômica, o que não ocorreu na presencial, e já responde por uma em cinco matrículas no Ensino Superior. Em 2017, a modalidade recebeu ainda novo incentivo, com decreto do então presidente Michel Temer que facilitou a abertura de polos.
Segundo levantamento do Conselho Federal de Farmácia, o número de vagas autorizadas pelo Ministério da Educação para cursos de EaD na área da saúde passou de 274.603 em fevereiro de 2017 para 913.300 em janeiro de 2019. Nem todas estão efetivamente ocupadas, mas o número mostra o potencial de crescimento do setor, facilitado por menor custo de oferta.
Em Medicina Veterinária, por exemplo, o total de vagas autorizadas para o ensino a distância se aproxima do tradicional. São 47.850 vagas de EaD em 13 cursos (dos quais três estão em funcionamento), contra 52.940 em 374 graduações presenciais.
Com a nova resolução, o conselho federal da área (CVFM) tenta conter esse movimento. Sua resolução, além de recusar o registro do profissional formado a distância, prevê processo ético-disciplinar, que pode resultar em expulsão, contra o profissional que der aulas desses cursos ou atuar na coordenação deles.
Presidente da entidade, Francisco Cavalcanti de Almeida argumenta que a qualidade dos cursos é uma preocupação, uma vez que é a entidade que lidará com eventuais reclamações de má conduta.
Como os demais presidentes de conselhos profissionais, ele ressalta que cursos presenciais com 20% de carga horária online, como prevê a legislação, não se enquadram na resolução recém-aprovada, mas apenas os cursos de fato da modalidade a distância.
— São graduações que ainda não formaram ninguém, mas já recebem alunos. Queremos alertá-los para que não percam recursos — afirma.
Embate na Justiça
As universidades, no entanto, reagiram à ofensiva dos conselhos. A ABMES (entidade das mantenedoras) entrou com ação na Justiça, e a Associação Nacional das Universidades Particulares (Anup) anunciou que fará o mesmo.
Segundo Almeida, quem o comunicou da decisão por parte da Anup foi Elizabeth Guedes, vice-presidente da entidade com histórico de atuação no setor e irmã do ministro da Economia, Paulo Guedes. Procurada, a associação disse que a diretoria não poderia se manifestar nesta quinta-feira (11) porque seus integrantes estavam em reunião.
A EaD é mencionada no plano de governo do presidente Jair Bolsonaro como uma modalidade a ser incentivada. Paulo Guedes também é entusiasta e apostou no setor por meio da sua empresa de investimentos, da qual saiu para entrar no governo.
Os integrantes dos conselhos profissionais, no entanto, prometem ir até o fim na batalha judicial para barrar a modalidade.
— Como vai fazer um profissional que só souber a teoria na hora de apalpar uma vaca, analisar o comportamento do animal, fazer um procedimento cirúrgico? — indaga o presidente do CFMV.
Coordenadora da comissão de ensino do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU/BR), Andrea Villela afirma que o ofício, relacionado a segurança e bem-estar, "exige, em sua formação, acompanhamento presencial e de forma muito próxima em ateliês, canteiros e experimentações laboratoriais".
Presidente do Conselho Federal de Farmácia, Walter Jorge João diz que "o que tem sido constatado é que a carga horária destinada às atividades práticas nos cursos da EaD é ínfima, não estando sujeita a uma fiscalização eficaz do cumprimento", diz.
Presidente da ABMES, Sólon Caldas diz que as diretrizes dos cursos a distância foram aprovadas pelo Conselho Nacional de Educação, e que os órgãos profissionais têm demonstrado preconceito e usurpam a competência como forma de reserva de mercado.
Afirma que as habilidades práticas são ensinadas pelas atividades presenciais obrigatórias e que, se isso não ocorre, há fiscalização do MEC. Caldas orientou os alunos já matriculados nessas graduações que permaneçam nelas e aguardem o desfecho legal das ações movidas pela entidade.
O MEC afirma que segue a legislação e "não interfere na relação de graduados com os conselhos profissionais".