A Kombi branca, do ano 1992, da Secretaria Estadual de Educação do Rio Grande do Sul (Seduc-RS) —apesar da elétrica em pleno funcionamento — estava aposentada e guardada em um depósito. Agora, ela ganhará uma função. O automóvel levará literatura e contação de história para as ruas da Capital e de outras cidades do Estado. Este é o objetivo do projeto EducaKombi, que foi pensado nos primeiros dias da nova gestão em frente à pasta e que está sendo executado pelos estudantes do 6° ao 9° ano da Escola Estadual de Ensino Fundamental Aurelio Reis, localizada no bairro Jardim Floresta, em parceria com o artista urbano Lucas Verniere, 37 anos, o Anão.
No primeiro momento, a ideia do secretário da Educação Faisal Karam era mais singela: revitalizar o hall de entrada da Seduc-RS, na região Central de Porto Alegre, nas proximidades do Centro Administrativo Fernando Ferrari, ao reformar uma antiga estante e oferecer aos visitantes uma biblioteca. Mas sua equipe propôs, além da estante, uma Kombi itinerante que disponibilizasse diversos títulos de forma gratuita para adultos e crianças.
— Muitas vezes, ganhamos livros que acabam ficando parados, que não circulam pelas mãos das pessoas. Com essa estante e com a biblioteca itinerante, vamos conseguir fazer com que essas obras cheguem até as pessoas. Uma das barreiras de aproximação entre o livro e o leitor será rompida. Quando este trabalho de pintura externa for finalizado, partiremos para o revestimento interno, a retirada dos bancos, colocação de prateleiras e acomodação dos títulos — destaca Karam.
Para a realização dos grafismos, foram utilizadas 40 latinhas de spray. A expectativa é de que a total transformação do automóvel seja concluída até o dia 17 de abril, data em que começa a Semana Estadual do Livro e de Incentivo à Leitura. E que, a partir daí, outras atividades passem a ser desenvolvidas junto à comunidade gaúcha, como explica a Coordenadora do Sistema Estadual de Bibliotecas Escolares (SEBE), Maria do Carmo Mizetti.
— Este carro pode ser descolocado até os parques e demais cidades para que os leitores possam acessar essas obras e para que possam ser realizadas ações como contação de história. Já temos algumas editoras que nos ajudarão com doações e reposição de títulos, mas uma das primeiras doações para este projeto vai ser a obra que os alunos mesmos escrevem e que é lançada anualmente na Feira do Livro de Porto Alegre — afirma Maria do Carmo.
Complemento ao processo de ensino
Animada e falante, a jovem Victória Silveira, 14 anos, estudante do 9° ano da escola Aurelio Reis, vestia luvas e máscara para se proteger dos pequenos jatos de tinta que saíam da latinha de spray que tinha em mãos. Determinada a colorir tanto a estante quanto o carro, ela relata que aprendeu a fazer os moldes usados no grafite durante as oficinas ministradas, na escola, por Anão. E que foi neste mesmo colégio que ela desenvolveu suas habilidades artísticas, descobriu-se fã de títulos de ficção científica e romance e se conectou ainda mais com a comunidade local.
— Eu amo tudo o que envolve a arte. Pintura, desenho, música, dança e literatura. Os livros são mágicos, porque, com eles, tu não vive somente a tua vida, vive a de outras pessoas também, a de outros personagens. Naquelas páginas, a gente aprende e se emociona — conta a estudante que, além de participar dos diversos mutirões promovidos pela escola, ministrava aulas de dança para os alunos do 1° ao 5° ano em 2018.
Victória é uma das pessoas envolvidas, desde o início deste ano letivo, com o projeto que visa ressaltar a importância da arte e da leitura para a saúde em geral. O colégio Aurelio Reis já trabalha com as manifestações artísticas em sua grade curricular. Há 11 anos, por exemplo, é lançada uma edição novinha do Balaio de Palavras, que traz os escritos produzidos em sala de aula pelos estudantes, diz a diretora da escola, Nássara Scheck:
— Creio que esse tipo de ação é um incentivo muito grande para eles. Fomos alunos e sabemos que essas atividades marcam vidas. Aqui, eles mostram que aprenderam algo. Conhecimento é isso. É tu conseguires mostrar, aplicar na vida o que foi ensinado. Tanto eles quanto os pais são muito engajados, ajudam a escola nos mutirões e na manutenção da nossa horta.
Para a psicopedagoga e especialista em transtorno do desenvolvimento Pamela Dutra, projetos como este, que mesclam mais de uma manifestação artística, ajudam a qualificar o processo de aprendizagem dos estudantes.
— O desenho potencializa a criatividade, desenvolve o raciocínio e a coordenação motora, por exemplo. A leitura, por sua vez, auxilia no domínio da linguagem verbal, da escrita e na concentração. Essas duas ações qualificam a aprendizagem para outros conteúdos posteriormente. A arte complementa o processo de instrução — destaca Pamela.