A Educação Básica, definida como prioridade número um do governo Jair Bolsonaro na campanha eleitoral, ainda não recebeu a atenção prometida. A crise no Ministério da Educação (MEC) não é apenas mera troca de cadeiras em Brasília: a morosidade nas ações e a instabilidade em altos cargos atrasa a implementação de importantes políticas que podem repercutir, no futuro, em salas de aula de todo o país.
Secretários de Educação de Estados e municípios reclamam que o MEC não dá sinais sobre a continuidade de importantes programas federais. O Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) agora tem uma comissão que pode mudar o conteúdo de livros para sexto e sétimo ano, o que pode atrasar a entrega das obras no ano que vem.
Não há articulação do ministério junto ao Congresso em relação ao fundo que basicamente sustenta a educação pública e que expira neste ano, o Fundeb. Conforme os gestores, o governo federal também não dá suporte à implementação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e à implementação da jornada em tempo integral, por meio dos programas Mais Educação e Escola Tempo Integral.
Isso sem contar instabilidades de cronogramas. É o caso do Enem, cujas questões agora precisam passar pelo aval de uma comissão fiscalizadora, e do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), uma prova importante aplicada em escolas brasileiras para identificar o desempenho de alunos e que quase deixou de avaliar a alfabetização de crianças do 2º ano do Ensino Fundamental.
— Há vários programas federais com indefinições, se continuam ou não. O Fundeb, por exemplo, é de extrema importância. Em reunião, a secretária Tânia de Almeida nos disse que o Fundeb era prioridade número um do MEC. Infelizmente, com a saída dela, voltamos com adiamento e paralisação — resume o presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), Alessio Costa Lima.
Exonerações impactam ações importantes
Para além da inércia de ações, criticada por gestores públicos e entidades da educação desde o início da gestão do ministro Ricardo Vélez Rodríguez, as sucessivas demissões impedem a continuidade de ações na Educação Básica. Os cargos mais nevrálgicos que passaram por demissão incluem o de secretário-executivo do MEC, número dois na pasta (houve nomeação na sexta-feira do militar Ricardo Machado Vieira), e da Secretaria de Educação Básica, a técnica Tânia Leme de Almeida (cargo assumido por Alexandro Ferreira de Souza, ex-aluno do ministro Ricardo Vélez Rodríguez).
— O que temos de pensar agora é em reconstruir o Ministério da Educação. O ministro Ricardo, com toda sua posição de boa vontade, deixa um Ministério destruído, porque nós conseguimos parar o ministério durante três meses. Ele não poderia parar nem por um dia — afirma Marcus Vinicius Rodrigues, ex-presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), órgão responsável pelo Enem e por importantes avaliações da educação brasileira, demitido na semana passada.
A única intenção até agora que caminha é um programa nacional para a alfabetização dos brasileiros, gestionado pelo secretário Nacional da Alfabetização, Carlos Nadalim. Em suma, o projeto é estimular professores a aplicarem crianças o método fônico, algo visto pela comunidade acadêmica como retrógrado. Em suma, a técnica consistente em fazer as crianças aprenderem a entender a relação entre letras e sons por meio de exercícios como falar as letras do alfabeto isoladamente.
GaúchaZH tentou contato com o Ministério da Educação sobre as questões levantadas, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem.
Paralisia no Ministério motiva carta aberta das secretarias
Impressionados com a paralisia do Ministério, secretários estaduais de Educação, representados pelo Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), entidade que tradicionalmente atua ao lado do governo para melhorar o ensino brasileiro, e a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) apresentaram, nesta semana, uma carta aberta solicitando foco em demandas prioritárias e de "máxima urgência". Quando questionado sobre quais programas tocados pelo governo federal estão parados por conta da crise, Luiz Castro, vice-presidente do Consed, responde que "todos".
— Não há interlocução com o MEC. Todas as vezes que tentamos, houve interrupção por mudanças na linha de comando. Precisamos que o Ministério se organize e deixe questões periféricas em segundo plano. Olha o Inep, que é o IBGE da educação: a demissão do presidente é preocupante porque é um órgão eminentemente técnico — afirma Castro.
Programas de financiamento para o dia a dia, como merenda e transporte, não dependem de canetaços e, por isso, funcionam normalmente, relatam secretários de Educação municipais e estaduais. Segundo Juca Gil, professor de políticas educacionais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), isso ocorre porque questões centrais da rotina escolar, justamente por sua urgência, são decididas por Estados e municípios.
Mas isso não quer dizer autonomia infinita: o governo federal atua para incentivar escolas a caminhar para um "norte" estabelecido por Brasília, por meio de programas de incentivo que transferem dinheiro.
— Pela Constituição, o governo federal não manda nas escolas estaduais ou municipais, não contrata professor nem constrói uma nova escola. Assim funciona em uma República Federativa, caso de Brasil, Alemanha e Estados Unidos. Felizmente, a bagunça em Brasília não afeta tanto as escolas como se pode imaginar — pondera. — Dito isso, o Ministério influencia, sim, as escolas, sobretudo de cidades mais pobres, com seus programas de incentivo — acrescenta.