Um desligamento em massa na Universidade Luterana do Brasil (Ulbra), iniciado na quinta-feira (10), atingiu 500 funcionários – 200 professores e 300 técnicos – em todos os campi da universidade, segundo estimativas de três sindicatos do Ensino Superior do Estado. Rearranjos em início de semestre são usuais, mas não desse tamanho – conforme o conforme o Sindicato dos Professores do Ensino Privado (Sinpro-RS), a Ulbra tem 1.332 professores na Educação Superior e 287 professores na Educação Básica. A universidade não se manifestou oficialmente sobre o caso.
De acordo com relatos de alunos, foram afastados docentes envolvidos em trabalhos de conclusão e até formaturas. Na segunda-feira (14), haverá uma reunião entre o sindicato e a mantenedora da instituição, a Associação Educacional Luterana do Brasil (Aelbra). Em nota endereçada a alunos e professores a que GaúchaZH teve acesso, a Aelbra afirmou que "esses movimentos nos darão condições de adequar nossa estrutura ao momento de retração da Educação Superior e, também, de enfrentar, de forma consistente, os problemas que são específicos de nossa instituição". O texto diz ainda que "as decisões que tomamos, algumas delas muito difíceis, são absolutamente necessárias para que possamos olhar com esperança para o futuro e recolocar a Ulbra no caminho do crescimento".
Em nota, o Centro Acadêmico de Administração Ulbra Canoas (Caad) lamentou o "sucateamento" do curso, que "se passa através da perda de bons professores, com experiências comprovadas em sala de aula que estão deixando nossa grade". Escreveram os alunos: "Esse fato, somado à falta de informações e transparência da Ulbra, mais uma vez prova que não há um planejamento pensado na melhor experiência e expectativa dos alunos em relação ao corpo docente".
As demissões têm múltiplas causas. Apesar dos indícios de recuperação econômica no país, a debandada do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) – que, em seu novo formato, não conseguiu adesão das principais universidades no Rio Grande do Sul –, o alto índice de desemprego e a queda no total de matrículas ainda desafiam o setor. Em 2018, 80 mil alunos em todo o país contrataram o Fies, o menor número desde 2010. Naquele ano, havia 4 milhões de estudantes no Ensino Superior e foram contratados 76 mil financiamentos estudantis. Os 80 mil financiamentos do ano passado representaram um percentual muito menor de adesão ao programa diante do total de 8 milhões de universitários do Brasil.
— O Fies deixou de ser uma prioridade para o governo. Ele passou muito mais a ser um programa gerido pelo ministério da Fazenda em vez do Ministério da Educação. Praticamente não houve adesão ao novo Fies nas instituições privadas gaúchas — avalia Bruno Eizerik, presidente do Sindicato do Ensino Privado do Rio Grande do Sul (Sinepe-RS).
Prevendo mais um ano difícil, educadores estimam que os próximos meses serão ainda de ajustes e desafios — antes de um 2020 que, talvez, represente, se não um novo crescimento, ao menos a estabilização das matrículas no Ensino Superior privado.
— O setor educacional foi o último a sentir os efeitos da crise. E vai ser também o último a sair dela — acredita Eizerik.
Em 2019, um fator adicional piora a expectativa de ingresso nas faculdades: a drástica diminuição de turmas do 3º ano do Ensino Médio no ano passado. Isso porque a implementação do Ensino Fundamental de nove anos, que começou há pouco mais de uma década no país, impôs seu último sobressalto em 2018, quando muitas escolas privadas ficaram sem turmas do último ano da Educação Básica. Assim, conforme as universidades, houve considerável queda no número de potenciais ingressantes _ o que se fez sentir, inclusive, nos vestibulares, que registraram queda significativa de inscritos, na comparação com anos anteriores.
Marcos Fuhr, diretor do Sinpro-RS, argumenta que a queda no número total de matrículas _ e a perspectiva de ainda menos ingressos em 2019 _ são queixas generalizadas, mas que o "apagão" nas turmas do 3º ano do Ensino Médio não explica, sozinho, o problema:
— Esse é um fator adicional, de agravamento. O principal motivo é a crise econômica que está aí, aliada ao enxugamento das políticas públicas. E as instituições alegam já ter percebido, com o número de matrículas sinalizadas até aqui, que terão ainda menos alunos neste ano. Estão justificando as demissões por isso.
O diretor do sindicato também estima que o alto número de demissões na Ulbra seja consequência de um "represamento" na instituição: enquanto outras das maiores universidades gaúchas, como a PUCRS e a Unisinos, realizaram demissões com certa frequência, mas em pequeno número, ao longo dos últimos anos, conforme o sindicato, a Ulbra não vinha anunciando reajustes expressivos de pessoal há algum tempo.
— Para justificar demissões, as universidades explicam que a questão do 9º ano (do Ensino Fundamental) tem uma expressão significativa, porque todos aqueles possíveis candidatos vão ter que esperar até ano que vem para concorrer a uma vaga de ingresso _ estima Luiz Gambim, diretor de Administração do Sindicato dos Trabalhadores em Administração Escolar do Rio Grande do Sul (Sintae/RS). — Mas, por outro lado, a gente sabe que são milhares de candidatos que não estão na escola e todo ano concorrem nos processos seletivos, então essa não é a principal explicação. O problema maior é a própria crise, que continua afetando o setor.
A explicação encontrada por Alexandre Anchieta Wociechoski, funcionário da Ulbra e diretor de Formação do Sindicato dos Trabalhadores do Ensino Privado dos Vales do RS (Sintep Vales), que inclui os funcionários administrativos do principal campus da universidade, em Canoas, é outra. Para ele, a contratação de uma empresa terceirizada, que estaria desde agosto avaliando possíveis reajustes no departamento de pessoal da Ulbra, foi o que motivou a série de demissões previstas para este ano.
— O total de profissionais demitidos em todos os campi da Ulbra chega a 300 pessoas, isso sem contar os professores. E os mais afetados foram os funcionários com mais tempo de casa, contratados há 20, 25, 30 anos, que oneravam muito a folha (de pagamentos), na visão dessa empresa contratada pela universidade. Mais de 80% dos alvos tinham altos salários, embora haja demitidos também que recebiam o piso salarial. As demissões foram generalizadas — afirma Wociechoski, demonstrando preocupação com a recolocação de profissionais de mais idade no mercado de trabalho.
Outras universidades também registram desligamentos
Demissões em outras universidades também estão chamando a atenção da comunidade acadêmica neste mês de janeiro. Há desligamentos também na PUCRS, conforme a diretoria do Sindicato dos Trabalhadores em Administração Escolar do Rio Grande do Sul (Sintae/RS), que representa trabalhadores em administração escolar de 127 municípios, incluindo Porto Alegre. Até o final deste mês, já estão agendadas 40 afastamentos na universidade, que se somam a outras cerca de 50 no último trimestre do ano passado. A maioria, conforme o diretor de Administração do Sintae-RS, Luiz Gambim, tinha funções variadas: não há notícia de que setores inteiros estariam sendo extintos e trocados por profissionais terceirizados.
A PUCRS confirma que houve "movimentações", tanto de professores quanto de técnicos, mas afirma que elas "se mantêm dentro da normalidade".
A Unisinos também promoveu ajustes considerados dentro do padrão para um começo de semestre. Conforme a universidade, foram 22 desligamentos de professores, "decorrentes de movimentos pontuais e de adequação de atividades". Além do corpo docente, houve 40 demissões no corpo técnico-administrativo, "decorrentes de ajustes na configuração da estrutura de apoio da universidade".
Tanto a PUCRS quanto a Unisinos informaram que estão também prevendo contratações neste início do ano.
A UniRitter informou que realizou "substituições, desligamentos e promoções de colaboradores" em "movimentos naturais de pequena escala e que fazem parte da rotina de uma instituição". A Universidade de Caxias do Sul (UCS), que forma com Ulbra, Unisinos, PUCRS e UniRitter o conjunto das cinco instituições particulares de Ensino Superior com maior número de matrículas na graduação no Rio Grande do Sul, informou, por meio da sua assessoria de comunicação, que não responderia as perguntas da reportagem porque está em recesso.
O que dizem as universidades
GaúchaZH ouviu as cinco universidades particulares com o maior número de alunos do Rio Grande do Sul:
PUCRS
"O foco, neste momento, é qualificação do quadro de pessoal. Não apresentamos nenhuma reestruturação. Para 2019, a universidade segue com as ações relacionadas ao movimento de transformação PUCRS 360°, com entregas importantes para a comunidade como novos ambientes de aprendizagem, a ampliação do Instituto do Cérebro e o lançamento de mais de 10 novos cursos do Pós PUCRS Online. O ingresso na pós-graduação da universidade, especialmente lato sensu com a implantação do PUCRS Online, cresceu 100% em número de alunos em 2018, e a projeção é dobrar este número até final de 2019."
Unisinos
"Ao longo dos últimos anos, a Unisinos vem fazendo ajustes em sua estrutura para se adequar ao contexto econômico do país, sem perder o compromisso com a excelência acadêmica de suas atividades. A Unisinos vem trabalhando em mudanças que estão ressignificando a jornada do aluno, com foco em inovações pedagógicas e tecnológicas. Para 2019, a universidade criou duas novas unidades: a Unidade Acadêmica de Educação Online, que ficará responsável pelo EAD, e a Unidade de Apoio de Operações e Serviços, que irá modernizar e aprimorar os serviços e processos de apoio das operações da Unisinos, frente aos seus desafios estratégicos."
Ulbra
A universidade não se posicionou oficialmente. Em nota endereçada a alunos e professores a que ZH teve acesso, a Aelbra, mantenedora da Rede Ulbra de Educação, afirmou que "esses movimentos nos darão condições de adequar nossa estrutura ao momento de retração da Educação Superior e, também, de enfrentar, de forma consistente, os problemas que são específicos de nossa instituição. As decisões que tomamos, algumas delas muito difíceis, são absolutamente necessárias para que possamos olhar com esperança para o futuro e recolocar a Ulbra no caminho do crescimento".
UniRitter
"A UniRitter, diante dos desafios pelos quais passa o Ensino Superior no Brasil nos últimos anos, já fez todas as adequações e os investimentos necessários para que estivesse preparada para garantir aos seus alunos um alto padrão de qualidade acadêmica, infraestrutura e tecnologia. Para a UniRitter, 2019 será um ano especialmente importante, pois será o período de consolidação da expansão que fizemos em 2018, ou seja, do lançamento do campus Iguatemi e da ampliação da oferta de cursos."
UCS
A universidade informou, por meio da sua assessoria de comunicação, que não responderia porque está em recesso.