O mercado de trabalho gaúcho para as mulheres é mais difícil do que no restante do Brasil. Esta é uma das conclusões de uma pesquisa que ouviu 150 mulheres que atuam em grandes empresas. O trabalho foi conduzido pelo grupo Empreendedoras Protagonistas, da Câmara Americana do Comércio (Amcham) de Porto Alegre. A entidade, que reúne mais de 600 empresas gaúchas, se propôs a diagnosticar o mercado de trabalho feminino no Rio Grande do Sul. Para descobrir quem é e o que quer a empreendedora gaúcha, as participantes responderam questões relacionadas à igualdade em cargos de liderança, obstáculos enfrentados no mercado e fatores que colaboram com o sucesso profissional.
Entre os resultados obtidos, um alerta: ascender profissionalmente no Estado é mais complexo para mulheres do que para homens na opinião de 40% das participantes da pesquisa. E não se trata especificamente de falta de oportunidades ou vagas, mas de uma mistura de tradições culturais aliadas à ainda baixa representatividade feminina em posições de liderança.
– O código cultural do Estado é muito complexo. Aqui a mulher precisa batalhar muito para se posicionar. Não basta ser boa, você precisa ser excelente em todas as áreas. Um exemplo disso é o fato de que as mulheres se especializam em média cinco anos a mais que os homens para ocupar os mesmos cargos – destaca Silvia Somenzi, 49 anos, uma das participantes do grupo.
Silvia também é presidente e sócia-fundadora da Soluzzione, empresa da área de TI, e viu na pesquisa uma oportunidade de diagnosticar padrões e propor soluções para estimular as carreiras femininas.
De fato, certificações e diplomas têm desempenhado um papel diferente na carreira de mulheres e homens. Enquanto para eles esses itens são vistos como adicionais positivos, para elas, passam a ser considerados pré-requisitos para a credibilidade no mundo corporativo. Um relatório da consultoria empresarial McKinsey descobriu que os homens são frequentemente contratados ou promovidos com base no potencial que demonstram para o cargo. Já as mulheres avançam em suas carreiras baseadas em suas experiências anteriores e histórico educacional.
Dentro dessa perspectiva, os dados divulgados pela Amcham mostram como as profissionais gaúchas têm feito para driblar as adversidades: investir em gestão de pessoas e liderança têm se mostrado a saída para a maioria das entrevistadas. Essas foram as duas competências mais citadas como "indispensáveis" para que as mulheres cresçam no mercado de trabalho.
O ônus da dupla jornada
Diante de tantas dificuldades, as mulheres conseguem criar para si mesmas uma nova barreira: a autocrítica. Para 74% das gaúchas entrevistadas, o maior desafio está justamente em equilibrar vida pessoal e profissional. Por achar que têm a obrigação de dar conta, sozinhas, das responsabilidades domésticas e do planejamento da carreira, muitas tendem a recuar diante da chance de uma promoção.
Segundo relatório interno da gigante de tecnologia HP, homens tendem a se candidatar a um emprego quando atingem apenas 60% das qualificações. Já as mulheres só se inscrevem em uma vaga ao atingir 100% dos pré-requisitos. Esses números, que ficaram famosos após sua publicação no livro Faça Acontecer, da chefe de operações do Facebook Sheryl Sandberg, reforçam o ônus da alta exigência feminina.
Muitas vezes, o que acaba condenando as mulheres não é a sua capacidade de desempenhar ou não um papel, mas a decisão precipitada de sequer tentar desempenhá-lo. Crescer profissionalmente exige energia e dedicação, algo difícil de ser feito quando sua mente está dividida ou sobrecarregada.
Mudar é possível? Para Silvia, uma das formas de driblar as dificuldades naturais do ambiente corporativo é tornar as empresas mais engajadas na pauta da diversidade. Números mostram que mulheres em cargos de liderança contribuem positivamente para o sucesso das empresas: quando elas compõem os conselhos de administração, trazem para as companhias um lucro bruto 48% superior em média.
– É preciso que as empresas cumpram um papel não de reservar cotas, mas de se mostrarem abertas e estimular as mulheres a participarem da escalada corporativa – diz Silvia.
A única mulher na mesa
Uma das raras CEO mulher na área de distribuição de combustíveis no Brasil, Simone Zuwick, 42 anos, trabalha há 17 na Megapetro e também participou do desenvolvimento da pesquisa feita pela Amcham.
– Venho construindo minha trajetória em ambientes majoritariamente masculinos: finanças e petróleo. Eu tive todas barreiras possíveis para não evoluir na minha carreira, mas isso não me atrapalhou em nada.
De fato, a história de Simone é fora da curva. Aos 13 anos, já trabalhava para ajudar a família. Foi vendedora, auxiliar de escola infantil e atuou em posições administrativas para financiar a faculdade de Direito. Em 1994, teve de trancar os estudos, mas não parou de se qualificar - buscava no dia a dia os ensinamentos que a faculdade não poderia dar. O movimento que mudaria sua vida acabou surgindo ao se candidatar a uma vaga de recepcionista em uma escola de idiomas da Capital.
– Comecei na recepção, mas sempre que surgia uma vaga interna eu me candidatava – relembra.
Assim, foi de auxiliar administrativa a gerente. Logo teve a oportunidade de assumir uma filial em São Paulo e não hesitou. Dois anos depois, voltou a Porto Alegre liderando outro projeto da empresa - e, detalhe, tudo isso sem ter ensino superior.
Tanto trabalho duro e determinação trouxeram frutos ainda maiores para Simone. Em 2000, recebeu o convite para estruturar a área financeira da Megapetro. Diante do desafio, se formou em Ciências Contábeis na UFRGS, fez pós-graduação e MBA. Assim que as finanças da empresa de combustíveis já estavam em ordem, passou por outros setores estratégicos até que, em 2014, tornou-se a primeira CEO mulher no Brasil a atuar na área de petróleo.
Resiliência, característica difícil de desenvolver
A resiliência demonstrada por Simone em sua jornada é justamente uma das características que as mulheres têm mais dificuldade de desenvolver. No livro The Confidence Code (em português, O Código da Confiança), escrito pelas jornalistas norte-americanas Katty Kay e Claire Shipman, é possível refletir sobre o quanto a falta de confiança e persistência afetam a trajetória profissional das mulheres.
Um exemplo trazido pelas autoras é o restrito espaço de fala feminina no ambiente empresarial. Segundo dados da universidade de Princeton, mulheres falam 75% menos quando estão em um espaço com maioria masculina. "O problema é que em uma situação oposta, ou seja, um homem em uma sala com maioria feminina, ele tende a falar tanto quanto sempre falou", enfatizam Katty e Claire.
– Penso sempre no empoderamento como solução para o machismo. Nunca achei que ao tentar falar ou expor uma ideia fui tolhida. Mas não é como se as coisas fossem fáceis. Até hoje, ao ir em uma reunião onde só haverá homens, me sinto nervosa. Mas me permito isso apenas até a hora em que entro pela porta. Depois, diante deles, não há espaço para insegurança – ressalta Simone.
O que é o Empreendedoras Protagonistas?
Criado em 2017, o grupo busca motivar o empreendedorismo feminino no RS. Participam dos encontros mensais empresárias e executivas gaúchas. São desenvolvidos trabalhos de mentoria, eventos e conteúdo que gere inovação. Ate o dia 30 de setembro, o grupo estará selecionando mulheres para participar de um programa gratuito de mentoria.
Interessadas em concorrer a bolsa, com duração de três meses, podem enviar um email para marcelo.rodrigues@amchambrasil.com.br contando suas histórias. São cinco vagas disponíveis. Exige-se como pré-requisito que o negócio esteja em fase inicial e seja a principal forma de sustento da família.