Quando o ar-condicionado de casa parou de funcionar, Leonardo ficou inquieto. Curioso, abriu a tampa do aparelho e identificou um problema na conexão dos cabos. O menino, de nove anos, estava certo. Apaixonado por montar e desmontar, frequenta desde o início do ano aulas de programação de computadores. Na mesma escola, a irmã gêmea, Isabela, hábil contadora de histórias, usa a criatividade nos enredos dos jogos online que desenvolve. Sem certeza sobre o rumo profissional que os filhos, de personalidades tão diferentes, traçarão, a mãe, Deborah Selistre Osório, decidiu apostar na preparação tecnológica.
— Ele é lógica e exata. Ela é pura emoção. Mesmo assim, os dois encontraram uma atividade que atende suas expectativas. Eles adoram. Não perdem por nada — conta Deborah.
Desde março, os irmãos frequentam aulas semanais de programação em uma unidade de ensino no bairro Rio Branco, em Porto Alegre. A decisão de matricular os pequenos veio depois de cursinhos que ambos fizeram nas férias. Leonardo está focado na construção de drones nas aulas de robótica, enquanto Isabela aprende a desenvolver aplicativos e jogos. A empolgação dos dois faz a mãe acreditar que fez a escolha certa:
— Há uma mudança no mundo. Não sei o que eles vão querer fazer no futuro, mas vai envolver tecnologia. Na minha geração, era essencial o inglês. Agora, é a tecnologia.
Embora os games sejam um dos atrativos, as aulas não ensinam a se sair bem nos jogos e, sim, a compreender como eles são criados. O desafio é deixar de ser apenas usuário para virar produtor. Parece uma tarefa complexa, mas a escola frequentada pelos irmãos – assim como as demais que ensinam programação no Rio Grande do Sul – aceita crianças com idade a partir de cinco anos. Para os menores, as atividades são mais lúdicas, com robôs, tablets, blocos de montar e outros jogos educativos que inserem os pequenos nesse universo. A proposta é que eles compreendam que computadores funcionam a partir de comandos e passem a raciocinar dessa forma para, mais tarde, começarem a programar.
Na minha geração, era essencial o inglês. Agora, é a tecnologia.
DEBORAH SELISTRE OSÓRIO
Mãe de alunos de programação
Na metade do ano, os gêmeos apresentaram o trabalho do primeiro semestre de aprendizado. Isabela inseriu em seu jogo a clássica história da princesa presa na torre. Só que, dessa vez, quem precisava descobrir como se libertar era a própria heroína, sem esperar pela chegada de nenhum príncipe. Um enredo que Deborah assistiu comovida.
— Fiquei superorgulhosa. Na minha geração, as princesas eram salvas. Na dela, a princesa se solta da torre. Tem todo esse trabalho, essa criação. Eles têm tarefas, responsabilidades e, ao mesmo tempo, se divertem — conta a mãe.
A psicóloga e mestre em aconselhamento de carreira Alyane Audibert Silveira considera que a diversidade de atividades auxilia no desenvolvimento e fornece mais condições de escolher qual área seguir.
— Essa exploração, essa descoberta de interesse, como a robótica, tem muitos aspectos envolvidos, como conhecimentos, trabalhos em grupo e atividades interdisciplinares. Mas também tem possibilidade de lidar com o novo e até mesmo com frustrações. O aluno pode ir compreendendo o que ele gosta mais. Se ele não gostar, vai ter repertório para buscar outra atividade — explica.
A especialista concorda que conhecimentos na área tecnológica devem se tornar cada vez mais relevantes no meio profissional, mas defende que o importante é preparar crianças e adolescentes para se saírem bem em qualquer área.
— Responsabilidade, ética, saber ouvir, tomar decisões, ter autonomia e pensamento crítico fazem parte de uma formação integral. Isso tende a se manter no futuro. Se formarmos cidadãos melhores, formaremos trabalhadores melhores — lembra Alyane.
Resolução de problemas, raciocínio lógico e criatividade
Supervisora de tecnologias educacionais, Débora Conforto defende que o pensamento computacional, trabalhado em aulas desse tipo, será fundamental no futuro. A educadora considera que leitura, escrita e lógica, embora sejam competências fundamentais, não dão mais conta de formar os estudantes. O pensamento computacional, argumenta, auxilia a aprendizagem de outras disciplinas, da matemática à redação.
— Essa aprendizagem espacializa a forma de pensar da criança. Se consegue ver como ela pensou a solução daquele problema. Nem todo mundo tem perfil de programador, mas da resolução de problemas todo aluno pode se valer. É isso que os pais precisam compreender — afirma.
O psicoterapeuta e membro do Grupo de Estudos sobre Adições Tecnológicas (Geat) Bruno Sperb concorda que o contato com a linguagem de programação é importante para desenvolver inteligência, criatividade e raciocínio lógico.
— A gente quer que as crianças não sejam só consumidoras de informações, quer que sejam autoras. Para isso, devem aprender a programar, como precisam aprender a escrever — exemplifica.
Sperb ressalta ainda que esse universo permite que a criança crie algo considerado relevante pelos outros. Fazer algo que é visto e valorizado pelos demais auxilia o desenvolvimento emocional. O especialista defende que esse aprendizado é uma forma de romper com o modelo tradicional de ensino.
— Vejo nessas escolas uma grande oportunidade de as crianças produzirem e estarem em contato com outras formas de conhecimento, mais livremente, de forma criativa. Usando a linguagem de programação, ela pode resolver problemas complexos. Se vai fazer um joguinho de corrida, de pássaros, por exemplo, vai ter que estudar comportamento dos pássaros, o que tem no corpo de um pássaro que faz ele voar. Ajuda a criança a aprender a aprender — afirma o psicoterapeuta.
O especialista pondera, no entanto, que é preciso ter cuidado para não ocorrer acúmulo de atividades e formação dos chamados "pequenos executivos", que são as crianças sem tempo para ficarem consigo mesmas. É necessário reservar um período para brincar livremente.
Como são os cursos
Para serem atrativos, os cursos trabalham com diferentes áreas de tecnologia, que envolvem desenvolvimento de jogos, aplicativos, aplicação de robótica e até produção de vídeos para o YouTube. Os pequenos, entre cinco e seis anos, passam por uma inserção ainda mais lúdica: começam a ter contato com o mundo digital, aprendem o que é a eletricidade e a história do computador. Com auxílio de robôs e jogos educativos, são inseridos no universo da programação.
— A gente utiliza as tecnologias que a criança gosta, mas o aprendizado vai além disso. Ela começa a participar da criação, do desenvolvimento. A preocupação é desenvolvê-la e prepará-la. Qualquer emprego no futuro vai exigir facilidade e contato com essas tecnologias. Vamos precisar de profissionais mais criativos, com pensamento estruturado — explica Pedro Wolf, diretor de uma escola inaugurada em janeiro em Porto Alegre, que hoje atende a cerca de 110 alunos e faz parte de uma rede que conta com cerca de 80 unidades no país.
Gerente e sócia de uma escola na zona norte de Porto Alegre, Luciane Fonseca argumenta que as aulas ajudam a reforçar o inglês (todos os comandos são na língua estrangeira) e o ensino de disciplinas como matemática e física. A franquia chegou à Capital há três anos e hoje atende a cerca de 500 alunos.
— Essa geração mexe tudo ao mesmo tempo. Com o pensamento computacional, eles aprendem a sistematizar a forma de raciocinar. É uma atividade que envolve foco e concentração, além da resolução de problemas — explica.
Para Luciane, a programação vai ser a linguagem do futuro e, nesse contexto, é preciso encontrar uma forma de atrair mais meninas. A maioria das turmas ainda é formada por garotos com idade entre oito e 13 anos.
— A gente não forma programadores para serem necessariamente programadores, mas para estarem melhor preparados. É uma realidade que não tem como voltar atrás. O ensino da linguagem de programação vai ser uma exigência como foi o inglês. Nos Estados Unidos, ela já faz parte da grade curricular. É uma forma de se preparar para as profissões do futuro, e nisso as meninas têm de estar melhor inseridas — afirma.
Valores
As aulas custam, em média, de R$ 300 a R$ 350 mensais, com atividades semanais de 90 minutos. As turmas costumam ter até 12 alunos.
Cuidado com os excessos
Para a psicóloga, terapeuta familiar e membro do Grupo de Estudos sobre Adições Tecnológicas (Geat) Juliana Potter, reflexão e ponderação são essenciais para os pais que estão aprendendo a educar em um contexto tecnológico.
— A tecnologia de repente está inserida no ambiente da criança sem que ela aprenda a utilizar. É como largar uma criança sozinha num bufê: talvez ela vá direto para a sobremesa. Ela precisa ser orientada. Da mesma forma, precisa ser educada para usar tecnologia de forma sadia — explica.
A especialista alerta que as regras de uso da tecnologia sejam cumpridas por todos. Juliana costuma ouvir queixas de filhos sobre pais que estabelecem normas, como não usar o celular durante as refeições, mas não cumprem:
— A maneira como o adulto faz uso da tecnologia serve de modelo, como todas as outras coisas.
A tecnologia de repente está inserida no ambiente da criança sem que ela aprenda a utilizar. É como largar uma criança sozinha num bufê: talvez ela vá direto para a sobremesa. Ela precisa ser orientada.
JULIANA POTTER
Psicóloga
A terapeuta pondera, ainda, que é preciso avaliar se a vontade de participar de cursos de programação é efetivamente da criança ou somente dos pais. A principal dica é perceber o interesse do aluno.
— Tem de analisar se os pais não estão fazendo um hiperestímulo por ansiedade pelo futuro. Às vezes, isso acaba estressando a criança. Nossa postura é nem tanto ao céu, nem tanto à terra. Criança não pode deixar de correr, caminhar, estar ao livre e brincar com outras crianças. Mas a tecnologia não é uma coisa monstruosa. Como tudo na educação, aprender a usar tecnologia dá trabalho — analisa.