Diretora da Faculdade de Medicina (Famed) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Lúcia Maria Kliemann afirma que está assumindo o compromisso de dar início à apuração dos casos de assédio moral por parte de professores relatados por alunos da instituição no Facebook. A página Previamente Hígido, criada por estudantes da Famed, apresenta ainda depoimentos sobre ansiedade, depressão, ideação e tentativas de suicídio, conforme mostrou reportagem publicada em GaúchaZH nesta quinta-feira (9) e em Zero Hora desta sexta-feira (10).
– A UFRGS não aceita nenhum tipo de discriminação ou assédio envolvendo alunos, professores e técnicos-administrativos – disse Lúcia, em mensagem via WhatsApp. – Estamos instrumentalizando toda a comunidade docente com literatura sobre o assunto e organizando grupos de discussão abertos. Pretendemos modificar os processos que levam a condutas identificadas como inadequadas. Com o Centro Acadêmico Sarmento Leite, estamos buscando a identificação das pessoas envolvidas, tanto de docentes quanto de discentes, para dar a elas as orientações e o suporte de que efetivamente necessitam.
O reitor da universidade, Rui Vicente Oppermann, também se pronunciou sobre o episódio.
Entre os leitores, a matéria "Alunos de Medicina da UFRGS relatam tentativas de suicídio e casos de assédio moral", conteúdo mais acessado no site na quinta, despertou comentários solidários e também críticos. Enquanto alguns reconheciam o impacto da grande carga horária, da competividade e do contato permanente com situações estressantes na saúde emocional dos graduandos – "As pessoas são humanas e imagino que lidar com a morte e a saúde dos outros não é para qualquer um" –, outros condenavam a suposta fraqueza dos futuros profissionais, que não teriam capacidade para exercer a medicina: "Agora vem um bando de m***** gastando dinheiro do povo brasileiro e ainda acha que tem direito a mimimimimi... Vão estudar e parem de reclamar enquanto usam o dinheiro dos outros", "Pessoas muito sensíveis têm que fazer literatura e pintura. Medicina não é para fracos. Quem atende uma parada cardíaca não pode ter chiliques".
Uma das idealizadoras do espaço no Facebook contou que os alunos acompanharam as manifestações online provocadas pela reportagem e ficaram chateados com as observações mais duras.
– É injusto, é como se a gente não pudesse reclamar. Não estamos deixando de cumprir nosso papel, de estudar, de fazer uma formação boa, só estamos falando o que está acontecendo – afirma a jovem de 23 anos. – Cada um tem uma opinião, e realmente acho que é difícil ter empatia com situações que as pessoas não vivem.
A expectativa dos criadores do Previamente Hígido – a página pulou de 800 curtidas na manhã de quinta para mais de 2,8 mil na tarde desta sexta (10) – é de que ocorra, de fato, alguma mudança.
– Que seja uma coisa positiva, não com ataques ou discursos, dentro da universidade, de que isso é "mimimi". Temos colegas passando por situações muito difíceis. Que levem a sério essas queixas e que providências sejam tomadas – almeja a estudante, acrescentando temer que a abordagem do tema pela imprensa possa encandecer os ânimos dos professores e da direção. – Espero que não piore a situação, seria péssimo. Tenho um pouco de medo.
Em grupos de WhatsApp, alguns alunos da Famed lamentavam estar sendo vítimas de uma generalização, como se todos fossem sensíveis demais e acabassem sendo culpabilizados por adoecer, sem que, pelo menos até agora, se coibissem ou interrompessem más práticas de docentes. Apareceram também reclamações sobre falta de divulgação dos recursos de acolhimento colocados à disposição pela faculdade. A psiquiatra Ana Soledade Graeff Martins, professora do Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal da UFRGS e membro do Núcleo de Apoio ao Aluno (NAA) da Famed, revela estar entristecida com a repercussão.
– Esta é a direção que mais tem trabalhado em benefício dos alunos. Acho que o NAA está ativo como nunca esteve antes nos últimos três anos. Oitenta alunos foram atendidos, e todos, encaminhados de alguma forma. Ouvimos o que está acontecendo e ajudamos a encontrar soluções: tratamento dentro do hospital (Hospital de Clínicas de Porto Alegre) ou fora, inclusive internação psiquiátrica. Outras vezes, a conduta é intermediar as dificuldades com regentes de disciplinas, solicitar troca de data de prova – relata Ana, acrescentando que o NAA é procurado espontaneamente pelos alunos e que há também situações em que os professores referem o grupo para quem precisa de amparo.
A psiquiatra orienta que estudantes entrem em contato com o NAA pelo telefone (51)3308-5274, pelo e-mail naamedicina@ufrgs.br ou diretamente na Comissão de Graduação, com a assistente social Adriana Ferrari.