Desabafos dramáticos sobre distúrbios emocionais, ideação e tentativas de suicídio, além de assédio moral e má conduta por parte de professores, estão surgindo na página do Facebook Previamente Hígido, criada por estudantes da Faculdade de Medicina (Famed) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) no mês passado. Confira relatos anônimos de estudantes e residentes extraídos da página:
"Na última semana desse semestre aconteceu, mais uma vez, o que eu mais temia. Tenho depressão e transtorno de ansiedade generalizado diagnosticados há dois anos. Na véspera de uma prova final, quando uma colega falava sobre estudar, tive uma crise feia de ansiedade, pela simples menção de estudar mais. Eu estava esgotada e fui para casa decidida a me matar. Ainda não entendo como, mas consegui sair do estado entorpecido que estava e lutar contra isso. Em 2016, na transição entre o terceiro e quarto semestres, também me sentia esgotada, e naquela ocasião de fato tentei suicídio. Não existem palavras capazes de expressar o quão devastador isso foi na minha vida."
Estudante de medicina, 23 anos, sexo feminino
"Ano passado, depois de lidar diariamente com crises de pânico, comecei a fazer acompanhamento psiquiátrico e terapia. Que bom que eu tava em tratamento quando tive pensamentos suicidas, porque a batalha interna que é encontrar motivos para permanecer é muito difícil (...). Que bom que depois disso conversei com a minha família e com a minha psiquiatra, se não fossem eles eu provavelmente não estaria mais aqui. Esse mês faz um ano que fiquei internada quase um mês por ideação suicida. Felizmente estou cada vez melhor graças ao acompanhamento psiquiátrico. Não esperem atingir o limite para procurar ajuda, e por mais difícil que seja, converse com alguém."
Estudante de medicina, 22 anos, sexo feminino
"(...) Entrei na residência que tanto queria e nas primeiras semanas tive a pior experiência da minha vida. Os R2, R1 (residentes) e doutorandos riam de mim diariamente, debochavam durante o round, me ignoravam, me tratavam com desprezo... No refeitório um R2 me chamava para comer na mesa com os outros residentes e ele fazia com que todos ficassem rindo de mim. Eu não sei explicar... a vivência ali era massacrante. Fiquei desesperada e perdi o controle... tentei suicídio mas não tive êxito. (...) Comecei terapia e medicações regularmente. Retornei pra residência e tentei procurar apoio com meus preceptores. Consegui continuar aquele período devido a ajuda da minha R1 que sofria comigo e era meu apoio. Quando entrei realmente pra minha especialidade a pressão não foi muito diferente. O preceptor me humilhava, era arrogante e me tratava com desprezo como se eu por ser residente não tivesse nenhum valor. Pensei em desistir mas continuei... Tenho desprezo por muitos ali mas hoje tento só olhar as coisas boas."
Residente de medicina, 25 anos, sexo feminino
"Do meio da faculdade em diante me vi preso a uma relação de amizade abusiva da qual eu não conseguia me afastar, em um grupo onde as pessoas me humilhavam, dizendo que eu rebaixaria a avaliação do grupo. (...) Só fui conseguir trocar de grupo no internato, depois de estar completamente desequilibrado e ter brigado violentamente com meu amigo e pessoas da família dele. (...) Os colegas antigos ficaram rindo da minha cara, fazendo insinuações de que eu estaria brincando de baleia azul. (...) Precisei tomar antidepressivo e estabilizadores de humor nesse período, além de gastar o que eu não tinha com psicóloga. Essas pessoas que maltratam colegas amanhã serão médicas."
"(...) Tô tentando resgatar o amor que eu tinha pela medicina quando a medicina era só uma ideia distante, um sonho do futuro. Tá difícil conseguir isso quando a faculdade te deixou tão doente. Mas páginas como essa me dão esperança de que a gente tem poder pra mudar isso. Eu quero mudar."
Estudante de medicina, 23 anos, sexo feminino
"O paciente relata que, nas últimas semanas, não sentia mais prazer nas atividades que outrora lhe agradavam, não tinha mais vontade de fazer nada, tinha dificuldade de sair da cama pela manhã – embora com frequência não conseguisse dormir – e diariamente chorava no trajeto matinal em direção à faculdade, fatos que ele associa à humilhação diária que sofria dos professores de uma disciplina. (...) O paciente refere que resolveu 'se dar uma chance': mandaria uma mensagem pra um colega, caso ele respondesse, deixá-lo-ia ajudar, do contrário, (...). Por sorte, o colega também não dormia (pois estudava para a prova que teriam no outro dia, embora fossem 4h30min da manhã) e convenceu o paciente a não fazer nada, que amanhã conversariam com um professor de sua confiança. Este professor seguiu protocolo de risco de suicídio e encaminhou o tratamento."
Estudante de medicina, 20 anos, sexo masculino
"Recebo elogios, parabéns pelo desempenho... E daí? E meus colegas? Quando tento falar sobre eles, que estão doentes, ouço de um professor que 'estudante de medicina tem que ter psicológico pra essas coisas'. Já está muito claro: a gente não tem."
Estudante de medicina, 22 anos, sexo feminino
"No início do semestre, que era dito por muitos como o mais difícil e estressante da faculdade, minha mãe descobriu, por acaso, um câncer de pulmão. Embora, aos olhos dos médicos, fosse uma doença inicial, não é difícil imaginar o estado de ansiedade que fiquei após receber a notícia. Ela ficou internada para agilizar os exames pré-operatórios e realizar a cirurgia o mais breve possível. Quando fiquei sabendo que a cirurgia ocorreria no mesmo dia de uma prova de módulo, mandei um e-mail para um professor. No corpo do e-mail, expliquei a situação, mas nem tive a ousadia de pedir para trocar a data da prova. Perguntei: "O que poderíamos fazer para que eu não seja tão prejudicado?". Como resposta – embora reconhecesse a gravidade da situação –, o professor enviou: 'Todos têm problemas'."
Estudante de medicina, 22 anos, sexo masculino
"Passei por um estágio em que o professor responsável era extremamente inconveniente e machista. Ouvi comentários dele desde o primeiro dia perguntando se eu realmente sabia fazer uma anamnese e exame físico, se tinha conseguido fazer evolução do paciente, falou para a turma que ele não sabia se eu conseguiria fazer o trabalho para a cadeira, em uma das aulas falou 'senta do meu ladinho', perguntou se eu sabia tirar mancha de jaleco. Nunca pensei que seria tão desrespeitada escancaradamente por um professor na faculdade. Não tinha vontade de ir às aulas, me sentia muito triste e revoltada com a situação mas tinha medo de falar alguma coisa e ser prejudicada pelo professor."
Estudante de medicina, 21 anos, sexo feminino