Na década de 1950, duas religiosas franciscanas — conhecidas como as irmãs Consuelo e Felicidade — assumiram uma bandeira: fazer de Santa Maria um polo educacional de Ensino Superior. O primeiro passo foi criar a Faculdade Imaculada Conceição (FIC), que ao longo dos anos teve outros nomes, como Unifra, e, no último dia 22, após 18 meses de idas e vindas, finalmente recebeu a chancela do Ministério da Educação (MEC) para se tornar, de fato, uma universidade — a Universidade Franciscana (UFN). Se hoje o maior município do centro do Estado é reconhecido como "cidade universitária", deve-se muito às irmãs Consuelo e Felicidade e também ao educador José Mariano da Rocha Filho — idealizador e fundador da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), surgida em 1960.
— (O MEC) Só legitimou o que sempre fomos: uma universidade. Não se trata de exagero. Te provo, facilmente, isso. Nós, aqui, investimos pesado no ensino, na pesquisa e na qualificação do ambiente para alunos, servidores e professores. Tem instituição que precisa correr atrás de muita coisa para virar universidade. Um dado exemplifica o quão preparados já estávamos: 93% de nossos professores são mestres e doutores — diz a reitora, irmã Iraní Rupolo.
A UFN nasceu em 1955 como Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras Imaculada Conceição e Faculdade de Enfermagem Nossa Senhora Medianeira (FIC/Facem). A iniciativa abriu caminho e pavimentou a criação da UFSM, cinco anos depois. Uma lei federal chegou a determinar que a FIC integrasse a estrutura da UFSM por algum tempo, até que as duas instituições voltassem a ser separadas.
— Temos, nós e a UFSM, uma história e caminhos que se complementam. Quem ganha, sem dúvida alguma, é a sociedade. Uma viabilizou a outra — comenta Iraní.
Planos e investimentos
A UFN conta com quase 6 mil alunos, 34 cursos de graduação, mais de 30 de pós-graduação, seis mestrados, dois doutorados e 660 servidores (entre professores e técnicos-administrativos). Segundo a reitora, a mudança de status representa também "uma virada de chave" que extrapola as barreiras de Santa Maria:
— Não nos limitamos mais a Santa Maria ou ao centro do Estado. Ainda antes de virarmos universidade, já tínhamos alunos de todo o sul do país e também do Centro-Oeste.
Iraní afirma que o foco é aumentar a oferta de vagas de curso da graduação, de pós e também de mestrado e doutorado. Os investimentos devem seguir "pesados" na área da pesquisa, tanto na saúde quanto na área de tecnologia. Nos últimos cinco anos, foram investidos R$ 430,5 milhões no tripé ensino, pesquisa e extensão e também em despesas com pessoal. A receita da UFN é, basicamente, proveniente de repasses da Sociedade Caritativa e Literária São Francisco de Assis, Zona Norte (SCALIFRA-ZN), mantenedora da instituição, e também de valores das mensalidades nos cursos de graduação, pós, mestrado e doutorado — a mensalidade nos cursos da saúde fica, em média, perto dos R$ 2 mil, já nas áreas da humanas e das tecnologias os valores se aproximam dos R$ 1 mil. A reitora diz que pelo menos 30% da receita é destinado para a melhorias das estruturas físicas da instituição:
Não nos limitamos mais a Santa Maria ou ao centro do Estado. Ainda antes de virarmos universidade, já tínhamos alunos de todo o sul do país e também do Centro-Oeste.
IRMÃ IRANÍ RUPOLO
Reitora
— Apenas com a nossa biblioteca, temos um investimento, por ano, que fica em R$ 500 mil. Esse valor leva em conta, claro, livros, mídias eletrônicas e toda a tecnologia para facilitar o acesso da biblioteca por parte do aluno, por exemplo, de casa.
Mais perto da sociedade para ir além
A UFN aposta em estar próximo da sociedade e, dessa maneira, se fazer presente no dia a dia dos santa-marienses. Apenas no ano passado, a instituição prestou mais de 5 mil atendimentos gratuitos à população com serviços na Clínica de Atenção Integrada em Saúde — com o envolvimento dos cursos da Medicina, Odontologia, Fisioterapia e Terapia Ocupacional — e também com as atividades do Núcleo de Práticas Jurídicas, que contam com o apoio do Direito, Economia e Ciências Contábeis.
A instituição também é responsável por divulgar mensalmente, desde 2006, o Índice do Custo de Vida de Santa Maria. Tarefa que é comandada pelo ex-aluno Mateus Frozza, hoje professor e coordenador dos cursos de Economia e de Administração. Ao todo, são pesquisados os preços de mais de 2 mil itens dos segmentos de alimentação, vestuário, saúde, transporte e combustíveis, além de verificado o comportamento do consumidor.
— Damos suporte gratuito para demandas que vão desde a mostrar a papelada necessária para a abertura de uma empresa até a declaração de Imposto de Renda. Isso é fazer com que a academia e o dia a dia tenham uma interface. É a demonstração de que a universidade está sendo útil à sociedade — salienta Frozza.
Frozza avalia que o novo momento da instituição deve ser utilizado para ampliar oportunidades e também para firmar parcerias público-privadas (PPP). O economista adianta que, ainda este ano, será consolidada a implementação da chamada Escola de Negócios — o que, na prática, prevê uma interface entre os cursos de Administração, Ciências Contábeis e Economia —, com um olhar voltado para o mercado de trabalho e com o enfoque ao empreendedorismo.
Curso de Medicina representou um novo marco
Em 2014, a instituição passou a oferecer o curso de Medicina (até então disponível apenas na UFSM), o que veio a ser um divisor de águas, conforme a reitora, Iraní Rupolo. Mesmo que a mensalidade inicial seja de R$ 6,2 mil, o curso tem sido, desde então, o mais disputado, conforme dito pela própria reitora à reportagem. Ao todo, são duas turmas por ano que, juntas, somam 80 vagas. Todas sempre preenchidas. No vestibular de verão do ano passado foram 55 inscritos para cada vaga.
O curso também abriu a necessidade de uma outra demanda: assegurar espaço de estágio aos alunos da Medicina. O que tem exigido, por exemplo, investimentos nas instalações do Hospital Casa de Saúde — que é do município, mas gerido pela Associação Franciscana de Assistência à Saúde (Sefas).
No local, há uma obra com a construção de 6 mil metros quadrados — com salas de ambulatório e de UTI. Nos últimos cinco anos, a UFN investiu dinheiro próprio — R$ 5,9 milhões — em melhorias no hospital.
— De certa forma, nós agimos no vácuo deixado pelo poder público, não é mesmo? — diz a religiosa. — Não estamos distanciados ou acastelados, pelo contrário. Estamos à disposição da sociedade e um exemplo disso é que colocamos dinheiro próprio na Casa de Saúde. Sem dizer que nós, aqui, não nos apropriamos do conhecimento. A nossa tarefa e a nossa missão é expandi-lo.
Antes, um bairro de ferroviários. Agora, de universitários
A paisagem horizontal cercada de casas de um ou, no máximo, dois pavimentos deu espaço, em pouco tempo, à construção de prédios. O bairro Rosário — que nasceu com a vinda dos ferroviários para Santa Maria —, onde está o coração da UFN, contabiliza um crescimento expressivo da construção civil. Estimativa do Sindicato da Construção Civil (Sinduscon-SM) aponta que, de 2003 para cá, entre 800 e 1 mil apartamentos tenham sido erguidos. Estima-se que o investimento foi de quase R$ 100 milhões.
Com quase 7 mil habitantes, o bairro Rosário sofreu uma transformação. A mudança começou ainda em 2003, quando na esquina das ruas Duque de Caxias e Silva Jardim foi erguido o conjunto 3 da UFN. Ao todo, são quatro conjuntos que somam 66,5 mil metros quadrados de área construída.
Evandro Zamberlan, que integra o Sinduscon-SM, diz que o Rosário é hoje um nicho propício a investimentos. O primeiro empreendimento dele no local foi em 2010. À época, foi construído um prédio de quatro andares com 20 apartamentos. A rápida comercialização fez com que, na sequência, outros dois prédios fossem erguidos, com cinco e nove andares. Para maio, ele construirá mais um edifício de oito andares.
— Cravamos raízes ali. Temos, basicamente, dois tipos de público: investidores e pais que compram apartamentos para os filhos que irão estudar na UFN — diz Zamberlan.
Os apartamentos são, na maioria, de um a dois quartos. Os tamanhos variam de 50 metros quadrados a 80 metros quadrados e os valores ficam entre R$ 190 mil e R$ 300 mil.
UFN em números
- 5.850 alunos nos cursos de graduação, especialização, mestrado e doutorado
- 425 professores e 235 técnicos-administrativos
- 34 cursos de graduação
- Mais de 30 de pós-graduação
- 6 mestrados e 2 doutorados
- 40% do total das vagas ofertadas, por ano, contam com algum benefício (bolsas de estudo, desconto na mensalidade, Prouni, Fies)
- 4 conjuntos universitários
- Quase 67 mil metros quadrados de área construída
- Nos últimos cinco anos, foram investidos R$ 430,5 milhões no ensino, pesquisa e extensão e em despesas com pessoal
Santa Maria ainda tem...
- A UFSM, maior instituição de Ensino Superior da cidade, que tem uma comunidade acadêmica com mais de 37 mil pessoas. O orçamento, em 2017, foi de R$ 1,1 bilhão
- A efeito de comparação, a projeção orçamentária da prefeitura de Santa Maria, para este ano, é de R$ 700 milhões
- Pelo menos, outras sete instituições de Ensino Superior que, juntas, atendem mais de 10 mil alunos e ofertam quase 8 mil vagas por ano