Neste fim de ano, duas professoras da rede pública do Rio Grande do Sul passaram a integrar um grupo seleto de educadores, que, com perseverança, conseguiram modificar o cotidiano das escolas em que atuam. Em comum, elas criaram projetos simples mas eficazes para melhorar o desempenho de seus alunos, não somente sob o ponto de vista pedagógico.
Lidiane Pereira Noguez, da Escola Municipal de Ensino Fundamental (Emef) Gonçalves Dias, de Canguçu, no sul do Estado, e Katia Espíndola, da Emef Marcírio Goulart Loureiro, de Porto Alegre, foram classificadas na etapa regional do Prêmio Professores do Brasil, promovido pelo Ministério da Educação e por instituições parceiras. Lidiane venceu na categoria Educação Infantil/Pré-escola com o projeto Como Nossos Pais e Com Jeito da Nossa Gente, e Katia, com a iniciativa Conta uma História?!, foi a vencedora na categoria Ensino Fundamental/Ciclo de Alfabetização.
Pelo desempenho nessa etapa, elas vão receber R$ 7 mil (cada) e uma viagem à Irlanda para participação em um programa de capacitação apoiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Também receberão troféus e equipamentos de informática com conteúdo educativo para as escolas nas quais trabalham. Na final nacional, no dia 18, em São Paulo, seis dos 30 ganhadores regionais do país serão escolhidos para receber mais R$ 5 mil.
Katia ainda é finalista na categoria Temáticas Especiais. Os 15 ganhadores dessa modalidade concorrem a prêmios como uma viagem de uma semana a Londres para participação em atividades educativas, palestras e visitas a museus, R$ 5 mil em dinheiro e visita ao Núcleo de Alto Rendimento Esportivo de São Paulo.
Comer, brincar e compartilhar
Lidiane da Silva Noguez, 34 anos, fará neste mês sua primeira viagem de avião. Sairá do Rincão dos Marques, em Canguçu, rumo a São Paulo para a final do prêmio. Ela inscreveu-se na disputa sem maiores pretensões.
A educadora vive e leciona na zona rural do município e chega a ser quase um paradoxo aquilo que a motivou a colocar em prática o projeto Como Nossos Pais e Com o Jeito da Nossa Gente, que desenvolveu na Emef Gonçalves Dias. Primeiro, ela notou certo distanciamento das famílias do ambiente escolar, ainda que a comunidade seja pequena e que a escola tenha não mais do que 150 alunos. Depois, voltou o olhar para a merenda trazida de casa pelas crianças, cheia de bolachinhas recheadas e produtos industrializados e pouco saudáveis. Para completar, percebeu um interesse excessivo dos pequenos por jogos eletrônicos.
— Parecia que as crianças não sabiam mais brincar — lembra.
A professora, então, começou a matutar uma fórmula para envolver os pais e, ao mesmo tempo, incentivar a criançada a brincadeiras e a uma alimentação mais saudável. Fez-se uma reunião, daquelas em que pais e professores colocam as cartas na mesa. Não houve resistência. Os próprios familiares compartilharam das impressões dos educadores: as crianças estavam se alimentando mal e sedentárias, sem vontade de brincar e partilhar momentos com os colegas.
Decidiu-se que, a cada 15 dias, uma das famílias iria à escola propor uma atividade diferente com os alunos. Dali em diante, a Gonçalves Dias sediou oficinas de pular corda, brincadeiras de roda e costura de boneca de pano. Um dos pais levou um cavalo, promovendo passeios entre a garotada, que também descobriu a diversão de laçar a vaca parada, um passatempo comum na infância rural de outros tempos.
Minha ideia era trazer os pais para dentro da escola.
LIDIANE PEREIRA NOGUEZ
Professora
— Mesmo morando no campo, havia crianças que nunca tinham andado a cavalo — conta Lidiane.
A merenda da turma também mudou. Ganhou mais itens feitos em casa, ampliando o envolvimento familiar e a valorização de ingredientes locais.
— Minha ideia era trazer os pais para dentro da escola, porque você só confia naquilo que conhece, e eles precisavam conhecer mais a escola dos filhos — celebra Lidiane.
O projeto estimulou outras intervenções no dia a dia escolar, como a troca de sementes entre as famílias e um pequeno canteiro:
— Fiquei muito feliz com o reconhecimento. O professor já é tão desacreditado, e aqueles que atuam na pré-escola, então... Muitos pensam que a gente não faz nada, só brinca um pouco com as crianças. O projeto pode dar outra visibilidade ao nosso trabalho.
Histórias contadas em vídeo
Katia Espíndola, 42 anos, está há 19 na rede municipal de Porto Alegre. Apesar de listar com facilidade os problemas que ela e os colegas enfrentam, neste ano a professora encontrou um motivo para renovar esperanças em dias melhores na educação. Com o projeto Conta uma História?!, a educadora deu um sentido peculiar à premissa de uma câmera na mão e uma ideia na cabeça. Percebendo a distância que 25 alunos tinham da literatura – todos com alguma necessidade especial e boa parte não alfabetizada –, ela buscou o apoio audiovisual. A proposta, implementada no chamado 1º Ciclo, que envolve 1º, 2º e 3º ano do Ensino Fundamental, era de que os alunos convidassem alguém a ler uma história. O convidado poderia ser qualquer pessoa da comunidade escolar. A contação seria gravada para que, depois, fosse apresentada aos outros alunos.
— Transformar as histórias em imagens e sons amplia a acessibilidade daqueles que não sabem ler. E a definição de quem vai ler acaba sendo uma escolha afetiva — diz a professora.
O estudante e seu convidado definem juntos o título a ser narrado. A única exigência é que não seja uma história muito longa, para não correr o risco de ser cansativa. A própria professora faz a edição, mesmo que não tenha tantos recursos para o processo, algo que ela pretende buscar com parte do prêmio que vai receber. Coordenadora da Sala de Recursos da Marcírio, Katia quer munir a escola de equipamentos de edição de vídeos e dar sequência ao projeto, que já foi estendido a alunos de outros ciclos. Se vencer a etapa nacional, a professora, formada em Educação Especial pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), também quer ajudar a renovar a biblioteca.
Os vídeos das contações de histórias também são disponibilizados no perfil do projeto no Facebook e em um canal do YouTube, expandindo as possibilidades de inclusão do projeto para além dos muros da escola.
— Esse reconhecimento é importante para mostrar que na rede municipal, apesar da falta de apoio à educação, temos trabalhos de qualidade e professores dedicados — comemora.