Com mercado de trabalho aquecido, a busca por trabalhadores pressiona setores da economia no Rio Grande do Sul. No terceiro trimestre deste ano, a falta de mão de obra qualificada foi um problema apontado por pelo menos um quarto dos empresários da indústria no Estado, segundo dados da Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs) — maior volume desde 2014. O problema também afeta a construção civil, outro setor impulsionador do emprego no país.
Mercado de trabalho aquecido, alta rotatividade de profissionais e informalidade estão entre os principais pontos que explicam esse cenário, segundo especialistas.
A barreira para preencher postos-chave não é uma novidade na indústria, mas o avanço desse movimento chama atenção nos últimos anos. Dados da última Sondagem Industrial, da Fiergs, apontam que a falta ou o alto custo do trabalhador qualificado foi apontada por 27% dos empresários industriais do RS como um dos principais problemas enfrentados no terceiro trimestre. Esse é o maior patamar desde o primeiro trimestre de 2014 (33,6%). Além de avançar ante o segundo trimestre (17,8%), esse quesito subiu da quinta para a terceira colocação dos principais problemas citados pelo setor.
Na sondagem, os empresários entrevistados citam os três principais problemas enfrentados no trimestre. Portanto, parcela maior de industriários pode sofrer com a escassez de mão de obra, mas em um grau menor.
O presidente da Fiergs, Claudio Bier, afirma que esse déficit ocorre diante de diversos fatores, como dificuldade de retenção de jovens na indústria por meio de programas de aprendizado e excesso de auxílios sociais, que acabam mantendo parte dos trabalhadores na informalidade. Além disso, cita a questão demográfica como outro desafio:
— O Rio Grande do Sul está envelhecendo mais que os outros Estados. Tem cada vez menos jovens no mercado de trabalho. Além disso, temos dificuldade em atrair jovens de outros Estados.
Esses desafios demográficos e de retenção de talento estão entre os principais pontos citados no plano de desenvolvimento econômico, apresentado pelo Estado nas últimas semanas.
A economista Maria Carolina Gullo, professora da Universidade de Caxias do Sul (UCS), afirma que, com o mercado de trabalho em alta, aumenta a rotatividade dos trabalhadores mais especializados entre as empresas. Com menos profissional no mercado e busca aquecida, o custo desse capital humano aumenta, segundo a docente. Além disso, avalia Maria Carolina, existe um componente comportamental nesse processo:
— Essas novas gerações não têm mais esse compromisso. Não têm problema nenhum em mudar de lugar, de empresa, de ramo, de fazer uma volta de 360 graus na vida delas. Não têm medo de ousar e vão atraídas justamente por benefícios, por salários ou simplesmente por gostar, por entender que aquilo vai ser mais satisfatório.
O levantamento da Fiergs aponta que esse problema afeta mais empreendimentos menores, com 36,1% das empresas de pequeno porte apontando essa pressão entre as principais. Já dentro dos negócios de médio e grande porte, a parcela é menor, segundo a entidade.
Construção civil
Na indústria da construção civil, a falta ou o alto custo da mão de obra qualificada também tem destaque entre as adversidades citadas pelos integrantes do ramo. Dado da Fiergs aponta que esse problema foi indicado por 30,4% dos empresários do segmento como um dos principais entraves no trimestre.
O indicador é menor na comparação com os dois trimestres imediatamente anteriores, mas está no topo dos problemas do setor. Em segundo lugar, aparece a falta ou alto custo da mão de obra não qualificada (26,1%), que avança neste ano.
O presidente do Sindicato das Indústrias da Construção Civil do Estado (Sinduscon-RS), Claudio Teitelbaum, afirma que a escassez de profissionais dentro da construção ocorre em um ambiente onde a alta empregabilidade acaba elevando a concorrência por funcionários:
— A rotatividade está acontecendo, porque como tem um pleno emprego na construção civil hoje, o trabalhador acaba sendo assediado dentro da própria indústria para pular de emprego com uma maior fonte de remuneração.
Gustavo Navarro, diretor de engenharia da Cyrela Goldsztein, afirma que a empresa também passa por esse momento de carência de mão de obra qualificada. O problema é mais forte nos cargos de carpinteiro e de pedreiro para a alvenaria e revestimentos interno e externo. Esse obstáculo acabou refletindo nos custos, segundo o dirigente:
— A mão de obra de um pedreiro de alvenaria nos últimos dois anos cresceu. O preço, o custo que a gente paga cresceu 30%. Então, isso se repete exatamente pela escassez de mão de obra qualificada.
A MRV também observa esse entrave na operação do negócio no Estado. O diretor de produção da empresa, Thiago Mendonça, cita pressão maior em áreas técnicas:
— Sentimos mais dificuldade nos ramos de acabamento, que são mais específicos, mais técnicos, como pintura, ceramista, especialistas em elétrica, encanadores. Essas são as principais atividades, que são bastante técnicas e que a gente vê a necessidade.
Outro segmento da indústria que aponta esse problema é o calçadista. O setor enfrenta dificuldades para preencher alguns postos, como o de costurador de calçado, segundo o presidente-executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), Haroldo Ferreira. O dirigente afirma que esse cenário gera preocupação para a produção do próximo ano.
Comércio também enfrenta dificuldade
A economista-chefe da Federação do Comércio de Bens e de Serviços do Estado do Rio Grande do Sul (Fecomércio-RS), Patrícia Palermo, afirma que a falta de mão de obra é um problema generalizado no Estado. Pesquisa recente da entidade sobre a contratação de temporários focada em comércio varejista mostra sinais desse problema no ramo, segundo a economista. A maior parte dos entrevistados apontou que essa dificuldade existe, mesmo nos casos onde a qualificação exigida seja basicamente o Ensino Médio.
Patrícia afirma que isso pode ser reflexo de uma desconexão entre os empregos que as pessoas procuram e as vagas que estão disponíveis de fato dentro da economia. Principalmente nesta época do ano, o varejo busca pessoas com disponibilidade e tempo, o que diminui o número de candidatos:
— Muitas pessoas não querem trabalhar dentro dessas condições. Só que os empregos que existem são esses. Então, quando a gente vai para setores mais específicos, provavelmente esses gargalos ficam mais evidenciados.