Alvo de discussões em torno do corte de gastos do governo federal, os custos com seguro-desemprego cresceram no país e no Rio Grande do Sul neste ano. Os valores pagos via esse benefício apresentaram alta de 18,5% no Estado no acumulado de 12 meses fechados em agosto de 2024 ante o mesmo período do ano passado, segundo dados do governo federal. Em meio a esse movimento, eventuais mudanças nas regras do seguro-desemprego são especuladas entre as opções para tentar o equilíbrio fiscal.
Entre setembro de 2023 e agosto de 2024, painel do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) informa que foram pagos R$ 2,9 bilhões via seguro-desemprego no RS. No mesmo período do ano passado, com valores corrigidos pela inflação, essa cifra ficou em R$ 2,5 bilhões (veja os dados no gráfico abaixo). No país, os repasses avançaram 7,66% nesse recorte de tempo.
Especialistas apontam rotatividade no mercado de trabalho e ocupações informais como fatores que podem ajudar a explicar esse cenário. Além disso, no caso específico do Rio Grande do Sul, parte do aumento também responde a iniciativas emergenciais de socorro no pós-inundação. O governo pagou duas parcelas extras do seguro-desemprego aos moradores de áreas afetadas pela inundação de maio. Até outubro, 135.058 parcelas, somando R$ 237,4 milhões, haviam sido pagas nesse modelo, segundo o MTE. O ministério entende que parte da elevação nos repasses via benefício no Estado respondem a essa medida emergencial de apoio.
Ao mesmo tempo que os valores pagos crescem, o número de segurados e de novos pedidos apresentam certa estabilidade, mesmo com o país acumulando quedas sucessivas na taxa de desemprego nos últimos anos.
Remodelação
Nas últimas semanas, o seguro-desemprego entrou no rol das despesas cotadas para sofrer alterações dentro dos esforços por redução de gastos por parte do governo federal. O uso da multa do FGTS em caso de demissão para custear o benefício foi ventilado em um primeiro momento, mas descartada em seguida pelo MTE. Outra possibilidade que entrou no radar é a criação de um limite de renda para trabalhadores acessarem o programa, segundo informação apurada pelo jornal Folha de S. Paulo.
Hoje, o seguro-desemprego garante o pagamento de três a cinco parcelas entre R$ 1.412 e R$ 2.313,74, de acordo com o período trabalhado pelo funcionário e a faixa salarial na qual ele se encaixa.
O professor Moisés Waismann, coordenador do Observatório Unilasalle: Trabalho, Gestão e Políticas Públicas, afirma que restringir o acesso ao seguro-desemprego seria um equívoco. Além de garantir uma proteção ao cidadão que busca recolocação no mercado, a ferramenta também retorna para a economia por meio do consumo, segundo o especialista:
— É bom pensar que o seguro-desemprego é uma proteção provisória para que a força de trabalho consiga entre empregos subsistir. O trabalhador vai receber alguma coisa mínima por alguns meses para se movimentar, procurar emprego, usar transporte, imprimir, organizar o seu currículo, poder pagar internet para poder pesquisar. Essas coisas e também subsistir. Então, esse é um dinheiro que também retorna para a economia no consumo de bens e serviços desses trabalhadores.
Lisiane Fonseca da Silva, economista que atua na área do mercado de trabalho e professora da Universidade Feevale, afirma que o debate em torno de mudanças no seguro-desemprego parece estar mais ligado a questões como o tempo de trabalho necessário para pedir o benefício. Caso a alteração ocorra apenas nesse ponto, o impacto aos trabalhadores seria menor, segundo a especialista:
— Do que eu estou acompanhando, para o trabalhador, não me parece que vai ter mudanças muito significativas. Na verdade, alguns ajustes estariam associados ao tempo dele estar empregado, isso de certa forma até buscando garantir uma empregabilidade maior.
No entanto, caso o ajuste caminhe para o lado da criação de linhas de corte vinculados à renda, a repercussão na vida dos empregados seria maior, segundo a professora.
Clóvis Scherer, economista do Dieese e assessor da CUT no Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), afirma que um período mais alongado, comparando 2023 com 2014 e 2020, por exemplo, mostra queda na despesa do governo com pagamentos do seguro-desemprego e do abono salarial, corrigindo os valores pela inflação. Nesse sentido, avalia que esses benefícios não seriam um fator de pressão neste momento:
— Em grande parte desse período, de 2015 até 2022, os salários tiveram queda. Portanto, isso também se reflete no valor do benefício. Então, nós não enxergamos tanto o seguro-desemprego quanto o abono salarial como fatores que estejam pressionando as contas públicas no sentido de alta, muito ao contrário.
Na semana passada, o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, disse que nunca foi consultado sobre a agenda de revisão de gastos e que não existe debate no Executivo sobre cortar recursos de benefícios como seguro-desemprego e abono salarial. Questionado sobre eventual pedido de demissão caso esse pleito avance, o respondeu que "se eu for agredido, é possível".
Marinho ainda destacou que seguro-desemprego e abono salarial não podem ser considerados "gastos".
— O que é gasto? Coisa desnecessária, se tiver coisa desnecessária tem de cortar — avaliou.
Movimentos distintos
O seguro-desemprego em patamar elevado ocorre em paralelo com o recuo do desemprego no país. A taxa de desemprego ficou em 6,4% no trimestre encerrado em setembro, abaixo dos 6,9% registrados no período entre abril e junho, segundo dados da Pnad Contínua, divulgados na quinta-feira (31) pelo IBGE.
O seguro-desemprego em alta num cenário de mercado de trabalho aquecido pode dar sinais da qualidade das vagas preenchidas. Além da alta empregabilidade aumentar a rotatividade dos trabalhadores, parte das pessoas captadas dentro da situação de ocupação pode estar atuando em postos informais ou de maneira autônoma ao mesmo tempo em que recebem parcelas do benefício, segundo o professor Moisés Waismann:
— Nessa transição, eu tenho o direito de acionar o meu seguro-desemprego. Talvez isso nos mostre uma tendência de que esse crescimento no mercado de trabalho se dá nos empregos sem carteira assinada, inclusive, aqueles que trabalham por conta própria. Porque, muitas vezes, esse trabalhador pode estar trabalhando sem carteira assinada e recebendo o benefício.