A Segunda Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2) concedeu habeas corpus em favor do ex-CEO do Grupo Americanas, Miguel Gutierrez. Com a medida, fica revogado o mandado de prisão contra ele, que está em Madri, na Espanha, onde mora. Gutierrez tem dupla cidadania. A confirmação do TRF2 foi feita nesta quinta-feira (22).
O executivo foi alvo da Operação Disclosure, da Polícia Federal (PF), que investiga fraude bilionária na rede de comércio varejista. Ele chegou a ser preso em Madri no dia 28 de junho, a pedido das autoridades brasileiras. A 10ª Vara Federal Criminal decretara a prisão preventiva com a justificativa de que havia risco de fuga, colocando em dúvida a aplicação de uma possível pena. No entanto, Gutierrez foi liberado pela Justiça espanhola no dia seguinte, após prestar depoimento à polícia do país europeu.
Ele se comprometeu a obedecer a medidas cautelares impostas na Espanha, como entrega de passaporte, não sair do país e se apresentar periodicamente à Justiça.
Miguel Gutierrez é acusado pelo Ministério Público Federal (MPF) de articular esquema de fraude na contabilidade da empresa, inflando números para receber altos bônus dentro da companhia e possibilitando ganhos ao vender ações que detinha. As fraudes contáveis superaram R$ 25 bilhões. A defesa dele nega a acusação.
Voto do relator
O processo que apura o caso corre em sigilo na Justiça federal, mas o TRF divulgou a fundamentação do relator, desembargador Flávio Lucas, para concessão do habeas corpus.
O voto do magistrado reconhece a presença de “suficientes indícios” — obtidos por meio de depoimentos, apreensões e quebras de sigilos bancário, fiscal e financeiro do acusado e da empresa — que apontam a participação de Gutierrez na fraude apurada. No entanto, o relator aceitou a argumentação da defesa de que não havia intenção de fuga, uma vez que Gutierrez tinha deixado o país quase um ano antes de haver medida judicial contra ele.
“Não se pode afirmar que houve 'fuga' do paciente (réu), visto que saiu do país quando não vigorava qualquer medida judicial que o impedisse”, registrou.
O desembargador entendeu também que não há risco à aplicação da lei penal brasileira pelo fato de Gutierrez, mesmo no Exterior, ter prestado depoimentos à PF e à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) por videoconferência diretamente de Madri.
“Não é dado ao magistrado compelir, sob pena de prisão, o retorno ao país de quem reside no Exterior, mas tem endereço certo e conhecido, de modo a possibilitar, como de fato possibilitou, a sua imediata localização por autoridade estrangeira, descaracterizando a alegação de risco à aplicação da lei penal, mesmo que os efeitos de eventuais decisões judiciais venham a ser produzidos fora do país”, fundamentou.
Em outros termos, isso significa dizer que a Justiça não pode decretar prisão apenas com o propósito de forçar o investigado que vive no Exterior a retornar ao Brasil antes do fim das investigações.
O magistrado lembrou que essa argumentação foi utilizada para a revogação da prisão de outro alvo da Disclosure, a ex-diretora da Americanas Anna Cristina Ramos Saicali. Ela estava em Portugal e entregou o passaporte às autoridades brasileiras ao retornar a São Paulo. Com a apreensão do documento, a prisão foi convertida em medida cautelar para não se ausentar do país.
O desembargador Flávio Lucas destacou que, caso medidas restritivas sejam descumpridas por Miguel Gutierrez na Espanha, pode haver, por parte da Justiça brasileira, mudança na situação cautelar do investigado.
A decisão da Segunda Turma foi tomada por unanimidade. Acompanharam o entendimento do relator os outros dois magistrados do colegiado, o presidente do TRF2, desembargador Wanderley Sanan, e o desembargador Marcello Granado.