A dinâmica econômica associada à crise climática fez com que o Rio Grande do Sul avançasse acima da média nacional em um dos indicadores que ajudam a desenhar o nível de deterioração da atividade econômica. Trata-se das recuperações judiciais. Em 2024, até junho, foram 78 pedidos no Estado.
A quantidade supera os patamares da pandemia, em 2020, e representa acréscimo de 188% sobre as 27 solicitações apuradas em igual período do ano passado. A análise considera o indicador Serasa Experian de Falências e Recuperações Judiciais, construído a partir de levantamento mensal.
Nesse aspecto, o economista sênior da Serasa Luiz Rabi lembra que há um processo de elevação dos pedidos em curso também no restante do país. Fatores como juro em dois dígitos por longo período, dificuldade de acesso ao crédito e concorrência com produtos importados fizeram com que em todo o Brasil mais de mil pedidos de recuperação judicial fossem registrados nos seis meses iniciais de 2024.
Na média nacional, houve um salto de 71% na relação com 2023, portanto, mais contido do que os 188% do RS. Rabi lembra que esses números não incluem o mês de julho, ou seja, captam apenas dois meses de efeitos da enchente histórica que atingiu o Estado, em procedimentos que tendem a ter trâmites demorados para que se efetive o registro. Na prática, significa que as expectativas são de piora do quadro a curto prazo.
Há um exemplo emblemático que se situa no intervalo referido pelo economista da Serasa. Na última semana de junho, a Casa do Pão de Queijo, rede nacional considerada uma das líderes no mercado de cafeterias, deu entrada na 4ª Vara de Competência Empresarial e de Conflitos Relacionados à Arbitragem, de Campinas (SP), no seu processo de recuperação.
Entre os motivos elencados para justificar a necessidade de cobrir R$ 57,5 milhões em dívidas, a empresa que conta com 28 filiais em diversos Estados mencionou o fechamento do ponto que mantinha no aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, inundado no dia 3 de maio e até a data do protocolo ainda sem condições de operação.
Efeitos da tragédia no Vale do Taquari
A alta no número de pedidos de recuperação judicial no Rio Grande do Sul tem origem ainda no ano passado. Outro indicador – que, diferentemente da Serasa, não se restringe ao próprio banco de dados e amplia a consulta junto às esferas jurídicas –, o Monitor RGF de recuperação judicial já apontava em dezembro do ano passado os efeitos da tragédia do Vale do Taquari, ocorrida em setembro.
Naquela ocasião, os 325 pedidos de recuperação judicial mapeados para o Estado, que ocupava a oitava posição no ranking, estavam mais concentrados nas atividades ligadas ao agronegócio. Agora, ao analisar o primeiro semestre de 2024, a situação se agravou. O RS pulou para a segunda colocação no ranking nacional, com 361 pedidos em aberto, alta de 11%.
Outra vez, as empresas ligadas ao agro, em segmentos como cultivo de soja (11), criação de bovinos (10), frigoríficos (6), cultivo de arroz (6), fabricação de laticínios (5) e fabricação de alimentos para animais (3), predominam.
Na soma, sem considerar a fabricação de máquinas e equipamentos, os 41 pedidos registrados nesses ramos de atividade superam os 25 apurados no comércio varejista, por exemplo.
Não é falência
Sócia da área de Recuperações de TozziniFreire Advogados, Gabriela Martines, que atua junto a um time voltado especificamente para esses processos, confirma a percepção de que há mais demanda. Ela explica que, ao contrário do que indica o imaginário popular, a recuperação não é sinônimo de falência.
O procedimento, acrescenta, envolve o pedido de uma ação cautelar que dá proteção judicial para que os credores não possam cobrar dívidas e reter ativos patrimoniais por 180 dias, prorrogáveis por mais 180. Nesse período, é possível elaborar um planejamento, com os credores podendo, inclusive, participar do processo.
Na prática, trata-se de um instrumento pensado para evitar a falência. De acordo com a Serasa, uma em cada quatro empresas sobrevive à recuperação, mas há indicadores setoriais que apontam para uma taxa de fechamento inferior a 50%.
Para não confundir
- Os pedidos de recuperação judicial costumam ocorrer na sequência de um processo de agravamento da inadimplência
- As recuperações judiciais também são a etapa que antecede um eventual pedido ou a consolidação da falência
- Até junho, mais de um terço das empresas do país, o que equivale a 6,9 milhões de CNPJs, apresentavam algum grau de inadimplência
- Com 350,5 mil empresas nessa situação, o RS era o quinto Estado no ranking dos mais inadimplentes do país, atrás de SP, MG, RJ e PR
- A boa notícia, que ajuda a frear a evolução para pedidos de recuperação judicial, é que a proporção de empresas gaúchas inadimplentes na comparação com o total de CNPJs é a segunda mais baixa do país com 24,5%, até junho
- Nesse aspecto, a média nacional é de 31%, mas chega a 44,5% em Alagoas, 36,8% em São Paulo e a 34,8% em Mato Grosso, por exemplo
- Por outro lado, no que se refere às falências, apenas em junho de 2024, um mês depois da enchente, foram 20 consolidadas no RS, a maior quantidade mensal desde 2019
- No total, o RS registrou 30 falências no primeiro semestre de 2024, patamar maior do que a soma dos primeiros semestres de 2023 (8) e de 2022 (20)
- Também significa que em apenas um mês, o de junho, no RS, foi consolidada a mesma quantidade de falências do que na soma de todo primeiro semestre de 2022 (20)