O ritmo frenético de gritos, assobios e carrinhos de carga cortando a passagem fez parecer como se nada tivesse mudado no primeiro dia de operação da estrutura improvisada da Centrais de Abastecimento do Estado, a Ceasa-RS. Devido à inundação do seu complexo, onde a água bateu 2,5 metros, a central “levantou acampamento” e se instalou no estacionamento cedido pela Farmácias São João, às margens da freeway, onde abriga produtores e atacadistas desde esta quarta-feira.
As ruas abarrotadas de gente e do vai e vem de alimentos marcaram o dia de estreia. Foi como se alma da central também tivesse se movido para o novo endereço. Uma “bagunça boa” que foi recebida como alento pelo presidente da casa:
— A grande notícia é que a adesão de produtores, comerciante e clientes foi bem maior do se esperava. Parece um dia de trânsito na Índia, e isso é uma notícia boa. Sinal de que a ideia fazia sentido para todos — celebrou Carlos Siegle de Souza.
A estrutura improvisada tem toldos de 10 metros quadrados e foi setorizada de forma a simular o funcionamento normal da Ceasa. Ao centro, produtores disponibilizam os produtos, rodeados por grandes atacadistas de um lado e clientes menores do outro.
O objetivo é assegurar que o Rio Grande do Sul não sofra desabastecimento diante da tragédia que afeta mais da metade dos seus municípios. E é de gente que perdeu tudo que chegam grande parte dos esforços para que os alimentos continuem circulando.
Força-tarefa para operar
Jeferson Sauzen, sócio da Hortti, empresa que faz a logística de hortigranjeiros na Ceasa, teve a sua residência alagada no bairro Menino Deus, em Porto Alegre. Ainda assim, estava entre a turma que migrou para o novo QG da central. Desde que se alastrou a cheia, trabalha incansavelmente para encurtar o trajeto entre os produtores e os voluntários que cozinham marmitas para os desabrigados da enchente.
— A água lá em casa está na altura do peito. Mas estamos tentando botar essa dor no bolso para seguir em frente e ter forças de seguir operando e ajudar os nossos funcionários. Se parar aqui, para mais um monte de gente — disse Sauzen, que está abrigado na casa de amigos na zona Sul da Capital.
Numa logística do bem, a empresa segue conectando a cadeia, comprando os produtos e levando até as pessoas que montam as refeições. Dos 14 funcionários ao todo, 20% estão se revezando nos trabalhos, já que outros também perderam tudo.
— Como está difícil de comprar (alimentos), levamos direto da Ceasa até esses locais. É uma rede toda que se conecta — explicou Sauzen sobre o funcionamento.
O complexo da Ceasa no bairro Anchieta, a 10 quilômetros do novo local, foi evacuado na sexta-feira passada. No sábado, a água tomou conta, e no domingo, já não foi possível operar. Carrinhos de carga, caixotes e até caminhões ficaram para trás.
— Estávamos até com saudade disso tudo, da movimentação, da fala alta. Começou meio atrapalhado até tudo se acomodar, mas foi muito melhor que o esperado, graças a Deus — comemorou a permissionária Flávia Regina dos Santos.
Ao lado do esposo, o produtor Jecson Antônio Tomé, eles comercializam cenoura, beterraba e maçã plantados em Caxias do Sul, além de outros produtos. Nesta quarta-feira, um caminhão inteiro de mercadorias foi vendido para os pequenos clientes.
O casal se divide nas tarefas. Enquanto Flávia cuida do box improvisado, o companheiro planta e traz a carga da Serra. O trajeto, antes cumprido em cerca de 2h30min, está levando 5 horas para ser percorrido. A distância prejudica ainda mais o escoamento da produção, mas os trabalhos seguem mantidos.
Segundo o presidente da Ceasa, a manutenção do funcionamento da central, ao que tudo indica, assegura que não haverá falta de alimentos no Estado nem alta de preços.
— Os levantamentos estão sendo feitos, mas vamos confirmar a expectativa de que temos produtos no campo e armazenados, além de fornecedores de fora do RS que estão ativos. Ao que parece, não há produto que esteja faltando e os preços estão regulares. Isso vai ajudar a regular o mercado lá fora — diz Souza.
Horário adaptado
A Ceasa deve permanecer no local pelo tempo que for necessário até a recuperação do complexo. Siegle projeta pelo menos um mês para que a retomada seja possível. Até lá, a nova central seguirá funcionando de segunda a sexta-feira, das 9h às 15h.
O horário foi ajustado a pedido de produtores do Interior, para que se tivessem mais tempo de pegar a estrada e retornarem aos seus municípios, já que as principais rodovias do Estado estão comprometidas devido às chuvas.
Além dos impactos estruturais na Ceasa, há danos no seu quadro de pessoas. Pelo menos 28 funcionários da equipe de funcionamento da central perderam tudo. Muitos são moradores da Região Metropolitana, como Canoas, que teve dois terços do município devastados pela enchente.
Com 50 anos completados em março, a Ceasa comercializada quase 70% de tudo o que é produzido no Estado em hortifrutigranjeiros. São cerca de 30 pessoas circulando pelo complexo nas quintas-feiras, o dia mais concorrido da semana.
Como chegar
- O espaço provisório da Ceasa-RS fica no estacionamento do centro de distribuição da Farmácias São João, em Gravataí, no quilômetro 80 da freeway.
- Para chegar, saindo da Capital, é preciso deixar Porto Alegre e acessar a RS-118 e, então, acessar a freeway.
- Também é possível acessar partindo pela RS-040 e pegar a RS-118 até a freeway.
- Um trevo de acesso dá a entrada para a área da Farmácias São João.