Com discurso marcado por insatisfação e busca por união, entidades empresariais agem em bloco para aumentar a pressão pela revogação do corte de incentivos fiscais, promovidos pelo governo do Estado. Encabeçada pela Federação das Entidades Empresariais do Rio Grande do Sul (Federasul), cerca de 15 organizações, incluindo federações e associações comerciais, se reuniram nesta quarta-feira (7) para tratar do tema em Porto Alegre. Alinhamento na conversa com o governo, reforço no alerta para a população sobre os efeitos do fim dos benefícios e aumento da formalização dominaram o centro do debate. Além disso, aproximação com parlamentares também foi ventilada na reunião.
O presidente da Federasul, Rodrigo Sousa Costa, destacou a necessidade de as entidades agirem em bloco nas conversas e negociações com o governo contra o corte dos incentivos. Costa voltou a dizer que a retirada de incentivos prejudica a competitividade das empresas gaúchas e afeta a compra de alimentos por parte das famílias. Na avaliação do dirigente, os setores sofrem em razão do distanciamento reforçado ao longo dos últimos 50 anos, em um ambiente onde as discussões com o governo eram individualizadas.
— A estratégia, neste momento, é de esclarecimento da opinião pública. No dia 21 de fevereiro, a gente abre o diálogo com o governo, com o Parlamento gaúcho, colocamos tudo sobre a mesa e apresentamos as alternativas possíveis para aumento de arrecadação — pontuou Costa.
Formalização para aumento de arrecadação
Outro ponto citado no encontro foi a possibilidade de aumento de arrecadação por meio de reforço na formalização de negócios informais. Segundo o presidente da Federasul, esse movimento provocaria um “aumento de arrecadação brutal”.
Ivonei Pioner, presidente da Federação Varejista do Estado, avalia que um ambiente com taxação maior empurra empresários do varejo e do setor de serviços para a informalidade:
— O caminho é para a informalidade. Não vai aumentar apenas a carga tributária. O peso do Estado vai aumentar ainda mais pela não cobrança do imposto daqueles que precisam atuar na ilegalidade em função do ambiente de empreendedorismo que é colocado hoje.
O presidente da Associação Gaúcha de Supermercados (Agas), Antônio Cesa Longo, afirmou que os decretos podem afetar a alimentação das famílias diante do aumento de preços em alimentos básicos e informalidade. Longo defendeu protesto contra o governo, mas sem transtornos nas ruas, sugerindo atraso no pagamento de imposto:
— Sou contra derramar leite na rua, porque o produtor não tem mais leite por botar fora. Mas nosso setor está fechado em deixar de pagar o ICMS no dia 12 de abril. Ao invés de fazer bagunça, atrasa.
Apoio da Assembleia
A presidente do Conselho da Mulher Empreendedora da Federasul, Simone Leite, citou a necessidade de discutir o tema de perto com a Assembleia. Esse seria um caminho para garantir apoio dos parlamentares contra o corte dos incentivos e informar a opinião pública sobre os efeitos dessa medida de maneira mais incisiva. Simone afirmou que esse seria um bom momento para o pleito, porque a Assembleia está iniciando os trabalhos:
— Então, vamos dar assunto pra eles, pautas e até perguntar como eles podem nos ajudar. De que forma nós podemos atingir a base deles para levar esse assunto e mexer efetivamente com a opinião pública.
O presidente da Federação do Comércio de Bens e de Serviços do Estado (Fecomércio-RS), Luiz Carlos Bohn, também reforçou a necessidade de estreitar conversas com deputados estaduais para ampliar as chances de reversão dos decretos. Na avaliação de Bohn, a Assembleia tem de “se sentir empoderada” para ao menos “fustigar o governo” com a possibilidade de revogação das medidas por meio de decreto legislativo:
— Ficaremos mobilizados para que saia um resultado positivo. No sentido desse decreto ser totalmente anulado ou pelo menos parte dele.
Marcos Oderich, vice-presidente do Sistema Fiergs, criticou a negociação individual de alguns setores junto ao governo do Estado. Na avaliação de Oderich, esse pleito restrito enfraquece a pauta de maneira geral. Oderich também afirmou que é necessário reverter esse ambiente fiscal para impedir o fim da indústria no Estado diante da fuga de fábricas.
Fábio Avancini Rodrigues, vice-presidente da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul, afirmou que o governo se atrapalhou no âmbito financeiro ao citar a queda de arrecadação com base de cálculo em anos atípicos, marcados por estiagens e pandemia. Em seguida, Rodrigues reforçou o coro por unidade entre os setores:
— As federações estão fazendo o seu trabalho, de tentar entender isso e propor mudanças. Evitar a divisão, porque é importante o foco e a coesão do setor empresarial do Rio Grande do Sul.
Visão divergente
Perto do fim do debate, o ex-vice-governador do Estado José Paulo Cairoli elogiou a união das entidades, mas demonstrou insatisfação em relação a parte das estratégias citadas no encontro. Na avaliação de Cairoli, investir em campanhas de mídia não provoca efeito satisfatório no pleito contra o governo.
Cairoli defendeu o embate contra setores do governo pelo desinchaço do Estado. Nesse sentido, cita a Secretaria da Fazenda e a Procuradoria Geral do Estado como “duas corporações que dominam o Estado”:
— O Estado do Rio Grande do Sul não tinha dinheiro para pagar os salários dos funcionários, do Executivo. Mas todo funcionário da Secretaria Estadual da Fazenda, aposentado ou não, tem a produtividade. Você conhece uma empresa que está dando prejuízo e paga produtividade? Eu não vejo nenhum movimento em relação a esse tipo de coisa.
O presidente da Federasul minimizou o fato, dizendo que a diferença de ideias é importante nesse tipo de encontro para avançar na construção de alternativas.
O que diz o governo
Procurado por GZH, o governo do Estado enviou nota em que se manifesta sobre o movimento dos empresários. Leia abaixo:
Com ampla transparência, a revisão de incentivos fiscais foi alternativa apresentada previamente e adotada diante do não acolhimento do ajuste na alíquota modal de ICMS, de forma a assegurar a capacidade de investimentos do Estado em serviços essenciais à população e o atendimento aos diversos compromissos do Estado, como os referentes à dívida com a União e os precatórios. Assim, a simples reversão dos decretos sem alternativa de receitas não é uma opção. O governo manterá, como sempre, o diálogo aberto para discutir com cada uma das entidades e setores representativos a construção de uma solução conjunta, analisando eventuais ajustes pontuais, com olhar para o equilíbrio fiscal, a manutenção das políticas públicas e o desenvolvimento econômico.
Linha do tempo do embate
- Em meados de novembro, o governador Eduardo Leite anunciou proposta de aumento de ICMS, elevando a alíquota do imposto de 17% para 19,5% a partir de 2024.
- Medida seria uma alternativa para garantir divisão igual do futuro Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) ante outros Estados, que já haviam elevado o ICMS. Gatilho da reforma tributária discutida na época previa divisão do IBS com base na arrecadação entre 2024 e 2028.
- A proposta de aumento do ICMS causou atrito entre governo, entidades empresariais e parte da Assembleia.
- Diante da impopularidade da medida no Parlamento, Leite anunciou plano B, baseado no corte de benefícios de 64 setores e no aumento imposto na cesta básica para reforçar a arrecadação.
- Em 16 de dezembro, três dias antes da votação do aumento do ICMS, o governo do Estado publicou os decretos com cortes de benefícios para setores produtivos. A retirada dos incentivos começa a valer em abril de 2024.
- Em 18 de dezembro, diante da falta de apoio na Assembleia e ciente da derrota, Leite retirou o projeto, que seria votado no dia seguinte.