O poupador brasileiro que for às redes sociais para aprender a investir na bolsa de valores vai deparar com uma infinidade de estratégias. Como tudo na internet, não é fácil distinguir informação de qualidade — que há, sim – das dicas furadas de quem não sabe o que está falando ou possa ter um conflito de interesse.
Mas esse debate não começou com as redes sociais. Muito antes delas, já havia uma farta oferta de livros — que aumenta cada vez mais — apresentando diferentes princípios de investimentos. É com lições amparadas em pesquisas acadêmicas que Bruno Giovannetti e Fernando Chague, professores da Escola de Economia de São Paulo da FGV, compõem o livro Trader ou Investidor? (editora Intrínseca, 176 páginas, R$ 49,90 o impresso e R$ 24,90 o e-book).
Na primeira parte, os autores descrevem oito comportamentos comuns entre investidores que, em bom português, podem fazer perder dinheiro. Alguns desses vieses comportamentais são se achar melhor investidor do que de fato é, buscar adrenalina na bolsa e gostar de ações com cara de loteria. São características de um perfil que os autores definem como Trader, ou seja, pessoas que vendem e compram ações em prazos curtos, achando que conseguirão ter um desempenho melhor do que os profissionais que administram bilhões de reais e têm farta tecnologia e equipe qualificada à disposição.
Giovannetti e Chague afirmam que investir na bolsa deve ser "chato, monótono, sem emoção e sem atalhos". É o que elaboram na segunda parte do livro, em que trazem os 10 mandamentos do Investidor, termo que escrevem com inicial maiúscula, para diferenciá-lo do Trader. O Investidor, defendem, tem uma carteira amplamente diversificada de ações, pensada para o longo prazo – e longo prazo aqui significa aposentadoria. Uma maneira de implementar isso, segundo eles, é investir em ETFs, que são fundos de investimento negociados em bolsa, de preferência os que têm baixas taxas de administração.
Ao final do livro, há uma tabela com sugestões de como combinar investimentos em bolsa com renda fixa — a proporção de cada uma dessas classes vai variar conforme a tolerância a risco e conforme a idade de cada pessoa.
"Temos que investir na bolsa pensando no longo prazo", diz Fernando Chague
Leia, a seguir, entrevista com o pesquisador da FGV-SP e coautor do recém-lançado livro "Trader ou Investidor?"
Quem busca informações sobre como investir na bolsa nas redes sociais pode ficar confuso com a quantidade de dicas que encontra. Ajudar os investidores a navegar nesse cenário foi uma motivação para vocês escreverem o livro?
Certamente. No ano de 2019, começamos a estudar um tipo de operação de curtíssimo prazo muito comum no mercado financeiro, conhecida como day trade. Nessa operação, a pessoa compra e vende a ação no mesmo dia. Muitas pessoas que operam de casa estão fazendo isso. É um fenômeno que vem crescendo lá fora, e aqui no Brasil também. Na nossa pesquisa, em uma parceria com a CVM (Comissão de Valores Mobiliários), olhamos para os números de todos os Traders que fizeram isso no Brasil. Quando divulgamos os dados, causou certa repercussão entre influenciadores e pessoas que se dedicam a isso. Aí percebemos que as pessoas ainda não sabiam ou não tinham à sua disposição essa informação (em artigo de 2020, Giovannetti e Chague observaram que dos 98.378 brasileiros que fizeram seu primeiro day trade em ações entre 2013 e 2016, 99,43% não persistiram na atividade, atuando em menos de 300 pregões). Quisemos trazer informações com rigor científico, olhando para dados mesmo, e não para anedotas. Consigo imaginar as pessoas procurando informação sobre como investir na bolsa em sites, no YouTube, entre influenciadores, e não conseguindo entender de onde vêm aquelas informações. No livro, está tudo fundamentado com artigos acadêmicos publicados nos melhores periódicos internacionais.
A principal recomendação do livro é que as pessoas devem investir na bolsa pensando no longo prazo, por meio de uma carteira diversificada de ações, preferencialmente optando por ETFs de baixo custo de administração. A tendência é cada vez mais pessoas adotarem esses princípios?
Essa tendência já vem acontecendo nos Estados Unidos. John Bogle criou o primeiro fundo de índice por lá, nos anos 1970, cuja ideia era justamente esta: criar uma carteira superdiversificada e não cobrar caro por isso. Hoje, uma parcela significativa dos investidores norte-americanos investe dessa forma. Sempre haverá o bate entre dois tipos de investidores (o que investe para o longo prazo e o que busca operar no curto prazo), mas, conforme as pessoas vão se educando, a tendência é irem cada vez mais para a bolsa com a visão de investimento de longo prazo. Mesmo porque a visão do Trader não se sustenta por muito tempo. A pessoa pode até começar como Trader, tentando desenvolver uma estratégia que ela acha que só ela tem, mas com o tempo vai percebendo que não tem resultado.
Como está a adoção desses princípios de investimento no Brasil?
No Brasil, o investimento em EFTs é uma coisa relativamente nova. A gente viu uma explosão de pessoas entrando na bolsa nos últimos cinco anos. O número de CPFs cadastrados na bolsa passou de 500 mil para quase 5 milhões em 10 anos (em junho deste ano, já havia 5,3 milhões, segundo a B3, a bolsa de valores de São Paulo). É uma revolução. Acho que ainda tem mais espaço, acho que as pessoas têm que investir na bolsa de maneira geral. Mas da maneira correta: da forma que o Investidor faz, e não como o Trader faz. Ao mesmo tempo, o número de ETFs disponíveis na bolsa brasileira também vem aumentando, assim como sua liquidez.
O número de investidores na bolsa no Brasil cresceu muito. Mesmo assim, segundo a pesquisa Raio X do Investidor, da Anbima, apenas 2,4% dos brasileiros investiam em ações em 2022. Nos EUA, segundo o Instituto Gallup, essa porcentagem era de 58% no mesmo ano. Por que tão poucos brasileiros investem na bolsa, proporcionalmente?
Temos um histórico macroeconômico um pouco mais turbulento do que o dos EUA. Passamos por períodos de hiperinflação, em que não dava para pensar tanto no longo prazo. Estávamos mais preocupados com o curto prazo. Depois da estabilização, tivemos um período em que as taxas de juros ficaram altas por bastante tempo. Foi um período em que investir na renda fixa trazia retornos bem elevados, então as pessoas se acostumaram com isso. Com mais estabilidade, o mercado de capitais se desenvolvendo e a economia crescendo, é natural que as pessoas passem cada vez mais a investir na bolsa. Vejo isso como uma tendência de médio ou longo prazo, em que as pessoas vão cada vez mais entrar na bolsa e entendê-la como um lugar para poupar.
Um dos comportamentos prejudiciais na hora de investir que vocês documentam no livro é buscar adrenalina, procurando a ação do momento. Por que tantas pessoas tentam descobrir uma única ação que vai torná-las ricas em pouco tempo?
Vemos isso em várias esferas da vida: sempre achamos que vamos conseguir resolver os problemas de maneira fácil. Por alguns segundos, nos iludimos, mas logo percebemos que não é bem assim. Não é à toa que existem cassinos e sites de apostas. Mas tem uma diferença. A pessoa que vai para o cassino sabe onde está pisando. Ninguém se imagina vivendo de apostar em cassino. Já na bolsa, algumas operações, como o day trade, são mais parecidas com um cassino do que com um trabalho, só que as pessoas não percebem isso. Acham que vão conseguir tirar um sustento do day trade. Muitos que passaram por isso se culpam: acham que não conseguiram ganhar dinheiro porque não se dedicaram o suficiente ou porque não são inteligentes ou, ainda, porque não compraram os melhores cursos. Mas a culpa não está na pessoa.
Trocando em miúdos: quem faz operações de curto prazo na bolsa acha que está jogando um jogo de habilidade, mas na verdade está jogando um jogo de azar.
Exatamente. É um erro muito comum do Trader.
Um dos pontos mais interessantes do livro são as evidências de que os homens, em geral, têm mais excesso de confiança do que as mulheres, e por isso acabam correndo riscos desnecessários nos investimentos e, como consequência, tendo performances piores. Mesmo assim, segundo dados da B3, as mulheres representam apenas 23% do total de CPFs que investem em renda variável. Por que não há mais mulheres investindo em ações?
É uma boa pergunta. Não sei se tenho uma resposta. Acho que se for para investir na bolsa de maneira errada, da maneira que o Trader faz, é melhor ficar na renda fixa. É possível que o número de homens esteja inflado porque muitos acabam encarando a bolsa como o Trader faz, em busca de emoções, o que não é bom. Temos que ter mais homens e mulheres investindo na bolsa da forma que o Investidor faz: pensando no longo prazo, daquela forma "chata" e "monótona".
Vocês observam, no livro, que os investidores profissionais dispõem cada vez mais de alta tecnologia para operar no mercado, e que o pequeno investidor não deve tentar jogar o mesmo jogo deles, com operações de curto prazo, pois vai sair perdendo. Essa desvantagem deve ficar cada vez maior, conforme avança a tecnologia?
Sim, esse é o ponto. Pense na bolsa americana há cem anos, quando não havia tanta tecnologia. Uma pessoa que tivesse alguma informação sobre uma empresa teria uma vantagem sobre o mercado. Hoje, é praticamente impossível alguém ter mais informação do que os profissionais que investem milhões em tecnologia.
É quase impossível o Trader amador achar uma boa oportunidade no mercado antes dos investidores profissionais, certo?
Certo. Por isso, a vida do Trader é muito difícil. Já o Investidor não faz nada disso. Ele não tenta procurar qual ação vai subir mais que as outras. Está simplesmente investindo em uma carteira superdiversificada, esperando o prêmio de risco, que é um "vento mágico" que existe na bolsa e favorece todo mundo no longo prazo. Você tem que ter paciência.