Foram sete anos de espera, entre 2013 e 2020, para que o Brasil superasse a marca de 500 mil investidores pessoa física na B3 – a bolsa de valores nacional – e rompesse a barreira dos 2,5 milhões, num salto de 400%. No Rio Grande do Sul, em igual intervalo, o movimento intensificado a partir de 2017 ampliou a base de CPFs de 36,4 mil para 152,4 mil, alta de 318%. De lá para cá, em três anos são 5,2 milhões de pessoas com aportes de recursos na bolsa, dos quais quase 300 mil são gaúchas.
Por outro lado, a tendência aponta para a desaceleração da quantidade de estreantes. Essa trajetória, menos veloz, já era verificada no ano passado e dá sinais de persistência no decorrer de 2023. É que nos quatro primeiros meses do ano, no RS, o avanço foi de 15.157 pessoas físicas na bolsa, que representam 32,3% dos 46.939 novos investidores do Estado em 2022. No país, a proporção é semelhante, e os 279.339 novos CPFs, até abril, equivalem a 34,4% dos 811.709 investidores registrados nos 12 meses do ano passado.
— Houve, de fato, desaceleração, mas os números continuaram crescendo. As pessoas perceberam que é possível diversificar com os produtos oferecidos pela B3, seja em renda fixa ou variável, para compor carteiras equilibradas entre os riscos e a rentabilidade. Independentemente da conjuntura econômica, de quanto dinheiro se tem para investir ou dos objetivos, o brasileiro mostra que o mercado de capitais vai se tornar cada vez mais uma opção — argumenta Felipe Paiva, diretor de Relacionamento com Clientes e Pessoa Física da B3.
Segundo o executivo, com a alta dos juros, que tomou mais corpo a partir do meio de 2021, os produtos de renda fixa ganharam novos aportes e também novos investidores, o que é natural, diz.
— Mas não vimos cair o número de investidores em renda variável — complementa.
Sobre o salto do mercado, ele aponta alguns fatores que levaram à alta na procura pelos investimentos em ações há seis anos. A educação financeira, muito disseminada no período por bancos digitais, corretoras, influenciadores e pela própria B3, contribuiu, explica Paiva, para melhorar o entendimento sobre o papel de cada investimento em suas carteiras e a utilização dos recursos de forma a impulsionar possibilidades de rendimento.
Juros ditam o novo compasso do mercado
A mudança de patamar do mercado acionário brasileiro tem uma correlação com o nível da taxa de juros. Foi assim no período de maior avanço e também, agora, quando o freio de mão parece retardar o ritmo de ingressos na B3. Em 2020, quando a taxa Selic bateu no menor patamar (2% ao ano), foi deflagrada uma espécie de incentivo natural para que os investidores direcionassem parte de seu capital para as opções de risco (renda variável, ações), em busca de retornos mais atrativos do que os oferecidos naquele momento na renda fixa (títulos públicos, poupança).
As pessoas perceberam que é possível diversificar com os produtos oferecidos pela B3, seja em renda fixa ou variável, para compor carteiras equilibradas entre os riscos e a rentabilidade.
FELIPE PAIVA
diretor de Relacionamento com Clientes e Pessoa Física da B3
Entre as explicações, comenta o executivo da B3, destacam-se as evoluções digitais. Esse fator foi responsável, aponta ele, por tornar o processo de investir mais “simples e amigável”, em linha com a experiência e o uso de aplicativos e de outros setores (como os de transporte e música):
— É uma união de fatores que levou os brasileiros a perceberem que a bolsa pode ser para todos. Vemos pessoas começando com valores baixos, testando e voltando para novos aportes. O Brasil ainda tem um potencial enorme para investidores e recursos. Estamos só no começo da jornada.
Momento é de dificuldades para investidores e corretoras
Com o juro básico da economia a 13,75% ao ano, desde agosto de 2022, e acima do patamar de dois dígitos há 15 meses, o economista-chefe da Geral Asset, Denílson Alencastro, aconselha: o importante para quem entra é entender que existem ciclos. O atual, segundo ele, demanda por posicionar carteiras de investimento, em médio e longo prazo, à espreita de uma trajetória de baixa nos juros.
— Assim como a Selic subiu, tende a cair. Em probabilidades, é mais factível pensar em queda no futuro do que em novo aumento. Quem acessa o mercado, agora, precisa de orientação para estratégias mais consistentes — comenta Alencastro.
Thiago Calestine, economista e sócio da Dom Investimentos, lembra que o antigo slogan “venha para a bolsa ganhar dinheiro” precisa de ajustes. E alerta que, hoje, é preciso pensar em “não perder recursos”.
— As pessoas estudam para ganhar dinheiro com as ações, mas os ativos de proteção são complexos e nem todos sabem operá-los. Antes, sem inflação, qualquer papel dava dinheiro. Na conjuntura atual, além da inflação, que quando desconsiderada corrói ganhos, os juros altos deixam a bolsa mais volátil, por isso as pessoas precisam estressar ao máximo a mitigação dos riscos — alerta.
Antes, sem inflação, qualquer papel dava dinheiro. Hoje, além da inflação, que quando desconsiderada corrói ganhos, os juros altos deixam a bolsa mais volátil, por isso as pessoas precisam estressar ao máximo a mitigação dos riscos
THIAGO CALESTINE
economista e sócio da Dom Investimentos
Essas “peculiaridades”, acrescenta Calestine, geram um mercado “super desafiador”. A afirmação é válida não apenas para novos CPFs na B3, também para as corretoras, que recentemente inauguraram uma fase de redução dos times e enxugam a gestão.
Não é por coincidência que, de 2017 em diante, tenham surgido novas empresas e influenciadores digitais com foco em dicas, cursos e corretagem. Esse fator alterou o mercado que orbita no entorno da bolsa de valores brasileira. A escalada dos investidores abriu as portas para um nicho, com a promessa de conhecimento e democratização dos investimentos.
Demissões à vista
Recentemente, acompanhando da perda de apetite das pessoas físicas pelo mercado de capitais, o cenário para essas empresas também foi modificado. Em setembro do ano passado, por exemplo, um dos primeiros influencers populares do país, Thiago Nigro, o Primo Rico, demitiu 40 pessoas na segunda leva de um processo que totalizou 90 funcionários a menos (cerca de 40% dos 230 colaboradores) no Grupo Primo em um ano.
Ainda em 2022, a empresa de relatórios de ações, a Empiricus, reduziu em cem pessoas o seu quadro de colaboradores. Em janeiro, foi a vez de outra influenciadora renomada, Nathalia Arcuri, encolher o negócio que mantinha, desde 2015. A CEO da Me Poupe! demitiu 50 pessoas e, na ocasião, justificou que o acesso à educação financeira “é uma realidade”, mas que o modelo adotado por ela necessitava ser reestruturado.
Na prática, Nathalia afirmou que boa parte das receitas, antes originadas em cursos, abririam espaço para investimentos planejados em inteligência artificial. Em abril, a crise foi intensificada na Suno Research e os 40 desligamentos anunciados pela casa de análises atingiu 15% da equipe.