Diante de expansão da especialização e economia andando de lado, a renda média da população com mais formação apresentou declínio nos últimos anos no Rio Grande do Sul. O grupo formado por pessoas com Ensino Superior completo ou equivalente teve a maior queda no rendimento real habitual no intervalo de 11 anos, encolhendo 14,23% no período.
Essa faixa é seguida por Ensino Superior incompleto e Ensino Médio completo. Esses três segmentos são os únicos com retração na média dos vencimentos nesse intervalo de tempo no Estado. Na outra ponta, o público com menos formação teve o maior avanço nos rendimentos, com alta de 37,57%.
Aumento no número de pessoas com curso superior, desindustrialização, atividade com pé no freio e avanço da informalidade estão entre os principais pontos que explicam esse movimento, segundo especialistas. Esse ambiente cria menos dinamismo na economia e menor demanda por bens duráveis.
No segundo trimestre de 2023 — dado mais recente disponível —, o rendimento médio real habitual do grupo Ensino Superior completo ou equivalente ficou em R$ 6.002. No mesmo período de 2012, era de R$ 6.998. Os dados são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) Trimestral, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os valores foram corrigidos pela inflação. O movimento repete tendência observada na média nacional (veja no gráfico).
O coordenador da Pnad Contínua no Estado, Walter Rodrigues, afirma que um dos principais pontos que explicam essa diminuição na renda média da população com maior formação é o aumento no número de pessoas buscando curso superior. Esse acesso foi facilitado nos últimos anos com ferramentas como o Ensino a Distância (EAD), segundo o pesquisador:
— Tem uma questão de oferta e procura. Com o aumento no número de profissionais especializados, a concorrência aumenta, e a renda média dos cargos disponíveis acaba se reduzindo nessa relação em parte dos setores.
Demanda não ocorre na mesma proporção
Professor do Instituto de Economia da Unicamp e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho (Cesit), da Unicamp, Marcelo Manzano afirma que a alta no número de pessoas formadas não ocorreu na mesma proporção da demanda por esse tipo de especialização. Manzano avalia que o país apresentou tendência de desindustrialização nos últimos anos. Isso tira espaço das atividades econômicas que oferecem empregos de maior qualidade, avalia.
— Isso está expressando uma tendência estrutural de longo prazo de gradativa perda de densidade da nossa produção industrial e aumento das atividades ligadas a bens primários e serviços de baixa qualidade – explica.
O fato de a economia brasileira não deslanchar nos últimos anos, com crescimento médio baixo, também entra nesse processo, porque cria um ambiente desestimulado para absorver esse aumento de pessoas qualificadas que ingressam ano a ano no mercado, de acordo com o professor.
A coordenadora do Observatório do Trabalho da Universidade de Caxias do Sul (UCS), Lodonha Maria Portela Coimbra Soares, também cita o peso da pandemia de coronavírus nesse processo. Desligamentos em algumas cadeias no início da crise mudaram o mercado, diz:
— Teve um grande número de pessoas que foram obrigadas a se retirar do mercado de trabalho. E ao retornar não voltaram para o mesmo posto, mesma função e com o rendimento anterior.
Atividade secundária para complementar a renda
O advogado Germano Salvadori Weschenfelder, 29 anos, faz parte do grupo de profissionais que ainda não conseguem viver apenas da atividade de formação. Weschenfelder formou-se em Direito em 2019, passou no exame da Ordem dos Advogados em 2022 e decidiu abrir o próprio escritório para atuar na área trabalhista.
Atualmente, ele concilia a jornada na advocacia com viagens como motorista por aplicativo. Essa função secundária serve como um complemento de renda, porque ele ainda não conseguiu volume de trabalhos para viver apenas da advocacia.
— Se eu não atuasse com o aplicativo, talvez precisasse de alguma ajuda nesse momento para pagar algumas contas. Justamente por isso que faço essa atividade, para não ter de pedir ajuda de parentes para me sustentar — conta.
Weschenfelder enxerga que a sua área de atuação está saturada, com menos oportunidades em relação ao mercado de anos anteriores. O profissional afirma que, como está em início de carreira, o volume de clientes ainda é instável.
Ele estima seguir com essa jornada dupla no máximo por mais três anos até conseguir um retorno mais estável na atividade principal. O advogado também é vice-presidente do Sindicato dos Motoristas em Transportes Privados por Aplicativos do Estado (Simtrapli-RS).
Outros fatores que explicam o movimento
- O aumento da informalidade também pesa. Com a falta de vagas no mercado formal, alguns profissionais formais acabam enxergando nesse modelo a chance de garantir renda. Dados do IBGE mostram que a população com Ensino Superior completo ou equivalente saltou de 144 mil, no segundo trimestre de 2016, para 220 mil no segundo trimestre de 2023.
- Além de mudar a realidade de parte dos profissionais com maior experiência, a pandemia também acelerou a troca de trabalhadores com mais qualificação e rendimento maior por funcionários jovens e com renda média mais baixa.
- Em 2012, o país vivia cenário econômico diferente, com maior dinamismo e demanda por cargos técnicos diante do aquecimento de algumas indústrias. Nos últimos esse cenário se reverteu.
Principais efeitos na economia
- Com uma economia que anda de lado e não ativa as principais linhas de produção, a atividade do país acaba voltando mais para o lado de serviços do que da indústria.
- Com menos pessoas com rendimentos maiores, setores como o comércio de bens duráveis acabam desestimulados.
- A falta de tração em itens de maior valor agregado também diminui o ritmo de produção nessas cadeias.
Reversão passa por mudança na estrutura
O professor Marcelo Manzano afirma que a mudança desse cenário passa por algumas alterações estruturais como a reindustrialização do país. Nesse sentido, o governo precisa estimular, investir e montar parcerias com setores industriais estratégicos como o de saúde. A reativação da produção nesse ramo cria demanda por mão de obra especializada e provoca aumento da renda, além de melhorar um segmento essencial, segundo o professor. No entanto, é necessário estudar quais outras cadeias têm potencial nesse processo, conforme explica Manzano:
— Mas esse é um. Precisaria descobrir seis, oito setores para os quais nós fossemos capazes de organizar esse complexo com uma coordenação do Estado em parceria com o setor privado para fazer a economia deslanchar.
O coordenador da Pnad contínua no Estado afirma que a melhoria no rendimento de carreiras com maior formação passa pela retomada da economia com mais vigor. Para isso, seria necessário investimento maior em infraestrutura e produção, que gera empregos de maior qualidade, segundo Rodrigues.