No pano de fundo das discussões sobre a desoneração da folha de pagamento, que envolve a manutenção de postos de trabalho nos setores mais intensivos em contratação de pessoas no país, outra matéria que tramita na Câmara dos Deputados, e trata sobre o endividamento das famílias, teve a votação adiada para a próxima semana. Desta vez, a meta é estabelecer um teto para a cobrança de juros no rotativo do cartão, considerada a modalidade mais cara de crédito no país e que atinge uma a cada quatro famílias brasileiras, atualmente, segundo dados do Banco Central (BC).
O projeto de lei (PL) 2685/22 de autoria do deputado Elmar Nascimento (União-BA) estabelece regras permanentes para a renegociação de débitos com o sistema bancário. A ideia é adotar as regras do programa Desenrola, recentemente colocado em prática pelo governo Federal, e que renegociou R$ 9,5 bilhões em dívidas, entre 17 de julho a 18 de agosto, em 1,5 milhão de contratos.
O relator da proposta, deputado Alencar Santana (PT-SP), foi além e incluiu no substitutivo que irá ao plenário na próxima semana, um prazo de 90 dias, após aprovação e sanção da futura lei, para que as instituições financeiras apresentem ao Conselho Monetário Nacional (CMN) e ao Banco Central (BC) uma proposta para limitar os juros nos cartões.
Em declarações à imprensa, Santana afirmou que, apresentada a proposta, caso não haja homologação do CMN e do BC, “o montante máximo dos juros devidos será o valor da dívida principal”. Em outras palavras, o teto de juros para uma dívida inicial de R$ 1.000 seria R$ 1.000, ou seja, nunca maior do que 100% (em julho o juro do rotativo chegou a 445,7% ao ano).
Considerado um dos vilões da inadimplência que é a realidade para 71,4 milhões de brasileiros, destes, 3,5 milhões de gaúchos, o rotativo do cartão fica estabelecido quando a pessoa deixa de pagar a totalidade da fatura mensal. O tema está na mira do presidente do BC, Roberto Campos Neto, que tem argumentado abertamente em favor de uma solução para estancar o volume de débitos associados a esse tipo de crédito, e também do ministro da Fazenda Fernando Haddad, que, no início do mês chegou a afirmar que resolveria o problema em 90 dias.
CONSUMO
Em meio aos debates, o dispositivo do relator Alencar Santana (PT-SP) que institui prazo de 90 dias, idêntico ao fixado pelo ministro da fazenda Fernando Haddad para uma resolução sobre o tema, o Banco Central divulgou, na segunda-feira (28), o relatório mensal do crédito no país (veja abaixo), que constata um avanço de 8,7 pontos percentuais no juro médio do rotativo na passagem entre junho e julho de 2023. Entre as entidades bancárias inseridas no setor o clima é de atenção.
Em nota, a Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs) afirma que é “rigorosamente contrária a qualquer proposta de tabelamento da taxa de juros do rotativo do cartão de crédito”. De acordo com a associação, a medida pode gerar impactos danosos, não apenas para o setor de cartões, mas principalmente para o consumidor e para a economia do país. A justificativa é que: “inevitavelmente ocasionará reduções na oferta de crédito e no consumo”.
Amparada em dados próprios, a entidade antevê um corte potencial de mais de 29% dos cartões emitidos, redução no volume de crédito disponibilizado e impacto de negativo de 7% no Produto Interno Bruto Nacional (PIB), entre outros efeitos.
BANCOS
Por outro lado, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) reconhece os esforços para encontrar uma alternativa capaz de enfrentar os altos juros do cartão, mas demonstra preocupação quanto a adoção de “limites oficiais de preços de qualquer espécie”. Segundo a manifestação oficial, “limites artificiais de juros impactam na oferta de crédito, pois carregam o risco de torná-lo não sustentável”.
No caso do cartão de crédito, a Febraban alega que o produto responde por 40% de todo o consumo no Brasil e, portanto, tem 21% de peso no PIB. Um eventual teto para os juros no rotativo, acrescenta a nota, poderia tornar “uma parcela relevante dos cartões de crédito inviáveis economicamente, afetando a disponibilidade de crédito na economia”.
De acordo com a entidade, apesar da complexidade, existe “confiança de que no prazo de 90 dias a indústria de cartões, juntamente com o governo e o regulador, terá sucesso em promover evoluções materiais no cartão de crédito”.
Panorama do crédito
- 102,7% é a taxa média do cartão de crédito para as pessoas físicas.
- 17,5 pontos percentuais é o avanço em 12 meses dessa taxa média cobrada pelos bancos.
- 8,7 pontos percentuais foi a alta do crédito rotativo em julho deste ano.
- 50,8 pontos percentuais é o avanço em 12 meses no juro do crédito rotativo.
- 445,7% ao ano é a taxa média do juro crédito rotativo para as pessoas físicas.
- 132,5% ao ano é a taxa média do cheque especial.
- 4,2% foi a inadimplência (atraso superior a 90 dias)* em junho.
- 48,3% é o comprometimento da renda familiar em 12 meses fechados em junho para arcar com as dívidas*.
Fonte: BC
*Esses indicadores são apresentados com defasagem maior do mês de divulgação, pois o Banco Central usa dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).