Reunidos desde as primeiras horas da manhã desta terça-feira (20), no Clube Farrapos, em Porto Alegre, pelo menos 2 mil trabalhadores da Corsan ouviram com atenção as cláusulas de um novo acordo coletivo construído pela entidade representativa da categoria, o Sindiágua, pela direção da companhia de saneamento gaúcha e pela Aegea – empresa majoritária do consórcio vencedor do leilão que arrematou a estatal em dezembro de 2022, mas ainda não assumiu o controle dos ativos por conta de uma série de imbróglios judiciais – o principal deles agora nas mãos do Tribunal de Contas do Estado (TCE). No final da plenária, foram apenas nove votos contrários e três abstenções, ante centenas de anuências aos termos do plano que garante alguns direitos, caso se confirme a troca de comando.
Na prática, a principal conquista é a estabilidade dos empregos por 18 meses, a partir da posse do novo controlador para cerca de 6 mil servidores. Além disso, estão previstos itens como a renovação da íntegra do atual acordo, com reposição salarial de 3,83% (variação do INPC) e a garantia de estabilidade e o pagamento do plano de saúde dos aposentados pelos próximos três anos.
Marcelo Gomes, que atua na manutenção eletromecânica, na Região Metropolitana, acompanhou a plenária. E, antes mesmo do resultado oficial, ele comentava que a tendência já indicava a ampla aprovação.
– Para nós, dos males é o menor, porque, se houver assinatura, teremos pelo menos uma garantia de que ficaremos nos quadros. É algo que dificilmente se consegue no caso das empresas privatizadas. Não havia por que não ser aprovado. Só que isso não é o ideal, o melhor cenário seria conseguir com que a empresa permanecesse estatal – resume.
O presidente do Sindiágua, Arilson Wünsch, reforça a informação e lembra que decisão não anulará as ações judiciais movidas pelos servidores, nem terá influência sobre as discussões a respeito da legitimidade da venda da companhia travadas no âmbito do TCE.
É essa a principal barreira, atualmente, para concluir o processo de desestatização pretendido pelo governo d0 Estado. Nesse aspecto, o que está em análise são as bases usadas para o chamado valuation (formação do preço). Esses dados ainda estão sob sigilo. Decisão da relatora do caso no TCE, a conselheira Ana Cristina Moraes, fixou prazo de cinco dias, que se encerraram na segunda-feira (19), para que o governo gaúcho manifestasse concordância ou não com a abertura dos dados.
Governo é contra quebra de sigilo
Por nota, a Procuradoria-Geral do Estado (PGE-RS) informa que se manifestou no processo dentro do prazo estabelecido e reafirma "a necessidade de manutenção do sigilo decretado pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE), considerando que a legislação federal aplicável assim determina”. O texto também afirma que o sigilo foi “recentemente questionado em processo judicial, perante o Juízo da 4ª Vara da Fazenda Pública de Porto Alegre, que extinguiu o processo ao entender correto o sigilo imposto, que encontra fundamento inclusive na Lei de Acesso à Informação”.
Por meio de nota, a bancada do PT na Assembleia afirmou que "é grave a posição do governador em defender o sigilo no processo da Corsan, através da PGE". E defende que o sigilo seja levantado pela relatora do caso no TCE, a conselheira Ana Cristina Moraes.
Após polêmicas, deputados estaduais integrantes da Comissão de Economia da Assembleia Legislativa tiveram acesso, no início do mês, às mais de 3 mil páginas que formam o processo de privatização, mas reclamam da falta de transparência e pressionam as instituições pelo que consideram o direito de divulgar informações que permeiam a "venda de uma estatal". A alegação dos parlamentares era de as avaliações de preço não consideraram um reajuste tarifário (represado em razão da pandemia), que ocorreria em julho de 2022. Com base nisso, o argumento é de que a companhia teria aproximadamente o dobro do valor, ou seja, R$ 8 bilhões, por conta desse fluxo de caixa não contabilizado na ocasião.
Outro ponto envolve o chamado capex, ou seja, o valor de investimento previsto para atender às metas do marco legal para a universalização do saneamento nos próximos anos. Quanto maior a necessidade de recursos, menor o preço de um ativo. Na Corsan, uma consultoria contratada para fazer o levantamento anotou em R$ 11,6 bilhões, mas a avaliação de engenheiros ligados à companhia indica em R$ 10,4 bilhões o montante para essa finalidade. Portanto, uma diferença de R$ 1,2 bilhão sobre a quantia usada para embasar o negócio e que também está sob sigilo.
Sobre o andamento do caso, a assessoria do TCE informa que, em razão do sigilo, a manifestação não consta no sistema aberto ao público e a conselheira não informou sobre as previsão ou prazo para sua decisão. O procurador-geral do Ministério Público de Contas (MPC/RS), Geraldo Costa da Camino, explica que, no final da instrução, haverá um novo parecer do órgão, razão pela qual não antecipará qualquer juízo de valor antes de cumpridos os trâmites processuais e da manifestação formal do TCE.