A falta de tração da economia em um ambiente de juro alto e inflação que ainda pesa no bolso dos consumidores segue dificultando o planejamento financeiro das empresas. Em maio, 13,8% das empresas ativas fecharam o mês em situação de inadimplência no Estado – maior patamar no intervalo de um ano. O dado faz parte de levantamento inédito e recém-lançado da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) de Porto Alegre e da Boa Vista SCPC. O indicador acabou de fechar uma série de 12 meses.
A pesquisa mostra o percentual de empresas com algum tipo de dívida em atraso no período, levando em conta débitos em crédito, cheque, protesto ou ação judicial. O indicador considera qualquer restrição nesse sentido, sem levar em conta o valor dessa dívida e nem o tempo de duração do atraso. Em maio, 191.961 das 1.389.008 empresas ativas no Estado encontravam-se nessa situação. As entidades usam o Mapa das Empresas, do governo federal, para verificar o total de negócios em operação.
Em comparação com outros levantamentos nesses moldes, que usam metodologias diferentes, os principais diferenciais do material da CDL Porto Alegre são a divulgação das informações logo após o fechamento do mês e os recortes por faixa de faturamento, tempo de fundação e setores.
O economista-chefe da CDL Porto Alegre, Oscar Frank, afirma que o movimento observado na inadimplência das pessoas jurídicas no Estado ocorre diante de uma conjunção de fatores econômicos e organizacionais. Além dos aspectos macro, como inflação, juro alto e desaceleração da economia, a falta de planejamento financeiro das empresas, principalmente de parte dos pequenos negócios, ajudam a explicar a persistência e elevação da inadimplência de empresas, segundo o especialista:
— As decisões no âmbito micro também são relevantes. Por exemplo, se existe alguém um pouco mais capacitado dentro do setor financeiro da empresa, que consiga obter uma linha que seja mais adequada para a finalidade da empresa, daquilo que ela está buscando, isso também pesa positivamente.
A alta da inadimplência das empresas ocorre em paralelo ao crescimento do contingente de pessoas físicas com dívidas em atraso. Dado da CDL Porto Alegre mostra que 30,6% da população do Estado estava inadimplente em maio. O dado mostra certa estabilidade em relação a abril (30,8%), mas avanço ante o mesmo mês do ano passado (29%). O gestor de crédito e cobrança da CDL Porto Alegre, Diego Ramos, afirma que as empresas do varejo, um dos setores mais afetados, estão focadas em ações para recuperar crédito nesse ambiente:
— Também vejo a questão do planejamento, mas ainda observo que, nesse momento, a recuperação de crédito ainda está na frente. Porque também tem aquele apelo do empresário na linha de “preciso vender”.
Maurício Weiss, professor do Programa de Mestrado Profissional de Economia (PPECO) da Universidade Federal do RS (UFRGS), afirma que, além do juro alto que trava a economia, o Estado sofre com pressões particulares, como desaceleração das exportações diante de demanda menor de alguns países, como Argentina e Estados Unidos, e estiagem na safra de grãos. Isso ajuda a impulsionar a inadimplência de pessoas jurídicas, segundo o economista. Na avaliação de Weiss, pesquisas nesse modelo ajudam na análise do cenário e tomada de decisões:
— Além de mostrar um cenário amplo, faz uma avaliação por setores, ramos de atividade e também pelo nível de faturamento. Então, você consegue fazer um direcionamento de crédito com foco melhor. Consegue dar um norte mais adequado para as políticas públicas, seja por questões fiscais ou através de crédito.
Weiss destaca o efeito da persistência inadimplência, tanto no âmbito das pessoas jurídicas, quanto das físicas. O professor explica que esse ambiente freia o consumo, reduz o financiamento do capital de giro das empresas e o nível de investimento.
Setores
No recorte por ramos, o levantamento mostra os setores de serviços e comércio entre os com maior participação na inadimplência de empresas. Os ramos de varejo de vestuário e acessórios, de minimercados, mercearias e armazéns e de restaurantes lideram esse ranking. O faturamento presumido das companhias nessa situação aponta que 74,5% dos negócios faturaram até R$ 360 mil nos últimos 12 meses. Frank afirma que esse último indicador mostra que empresas com operação menor tem mais dificuldade para conseguir colocar as contas em dia diante de uma estrutura às vezes menos organizada:
— As empresas maiores tem acesso a uma condição de capital mais facilitada, contam com equipes mais preparadas, mais capacitadas. Consigo entender porque muitas vezes acaba apresentando menos inadimplência em comparação com as pequenas.
O professor Maurício Weiss afirma que o extrato por setores corrobora o cenário da economia do país, que apresenta dificuldade no pagamento de crédito em meio a taxas de juro elevadas:
— Por exemplo, o varejo de vestuário é um setor muito baseado em compras no crédito. Cada vez mais, boa parte das lojas baseiam suas vendas no financiamento próprio, por meio de cartões ou boletos parcelados. A compra a juros afeta bastante esse setor.
O economista-chefe da CDL Porto Alegre afirma que os indicadores atuais apontam para um cenário onde a inadimplência de empresas está caminhando para uma acomodação. No entanto, destaca que reversão desse cenário depende de melhoria na economia, com queda do juro e reformas estruturantes.