O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, afirmou, nesta quinta-feira (29), que a autoridade monetária também "quer baixar os juros", assim como vem pedindo o governo e o setor produtivo, mas que não pode fazer nada que desestruture o processo econômico no futuro.
— Entendemos a pressão, o juro sempre é um debate, não só no Brasil — afirmou o chefe da autoridade monetária, que acrescentou: — A gente tem que pensar que o BC existe para fazer um trabalho técnico. Tem que manter um debate dentro do campo técnico e temos que explicar o que está fazendo. A gente também quer cair os juros, quer ter condição de gerar maior crescimento futuro, mas não podemos fazer coisas que desestruturem processo econômico no futuro.
Também nesta quinta, em entrevista ao programa Gaúcha Atualidade, da Rádio Gaúcha, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a comentar a atual taxa básica de juros da economia, mantida em 13,75% pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC). O chefe do Executivo aproveitou para fazer novas críticas a Campos Neto.
— Agora você tem um cidadão que me parece que não entende absolutamente nada de país, não entende nada de povo, não tem sentimento com o sofrimento do povo, e mantém uma taxa de juro para atender aos interesses de quem? A quem esse cidadão está servindo nesse momento? — questionou.
Após receber as críticas do presidente da República, Campos Neto fez uma defesa do trabalho do Banco Central nas melhorias econômicas do país. Segundo ele, o Brasil está "comemorando" uma inflação mais baixa, que é, em parte, resultado do trabalho do BC.
Campos Neto disse ainda que o Banco Central está "otimista" com o cenário da inflação e com as expectativa do mercado.
— As expectativas estão caminhando em um caminho positivo. Estamos otimistas. Já venho falando há uns meses que a inflação tem ido para baixo, e o crescimento, para cima — disse.
Ele destacou que há um processo de convergência de inflação ocorrendo e que o BC está "animado" com esse cenário.
— Entendemos que vai voltar para meta. Há esse processo de convergência acontecendo. Estamos animados com o que está acontecendo, com menor custo para sociedade — acrescentou Campos Neto, avaliando que o impacto para a economia tem sido ameno, inclusive com revisões, para cima, das expectativas de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB).
Sobre as críticas do governo, como da ministra Simone Tebet (Planejamento), à comunicação do BC, Campos Neto disse que a autoridade monetária tenta antecipar a interpretação da comunicação, mas que nem sempre acerta, "até porque ninguém é infalível". Ele repetiu que o comunicado não é lugar de dar muitas explicações, porque esse é o papel da ata.
Questionado se o BC avalia que deveria ter agido diferente, olhando a inflação e a diferença para as metas hoje, Campos Neto respondeu que há sempre um trade-off (conflito de escolhas) do aumento dos juros e sua duração, o que aconteceu no Brasil e agora acontece nos Estados Unidos:
— Se subo demais, pode ter efeito não linear no crédito. Não é fácil de corrigir ruptura no mercado de crédito.
Já o diretor de Política Econômica do Banco Central, Diogo Guillen, disse que a contração monetária hoje é explicada pelas expectativas de inflação acima da meta.
Meta
O presidente do Banco Central repetiu que o governo é que define as metas de inflação a serem perseguidas pela instituição, e evitou responder se uma meta de 3% é ou não adequada para a realidade da economia brasileira.
— Os aperfeiçoamentos da meta têm que mirar o trabalho da convergência da inflação com o menor custo para a sociedade. Quando você não está atingido a meta, mudar a meta para ganhar flexibilização tem efeito contrário — completou Campos Neto.
Crédito direcionado
O presidente do Banco Central repetiu que quando há um crédito direcionado estrutural maior no mercado, a potência da política monetária diminui.
— É bastante direta essa relação — avaliou.
Campos Neto disse que entende a necessidade de se aumentar o crédito direcionado de maneira conjuntural, mas alertou para que essas medidas não se tornem estruturais.
— Sobre o Plano Safra, temos trabalhado para que os grandes agricultores possam acessar o mercado de capitais, para que o crédito direcionado seja focado no médio e no pequeno. Isso tem um resultado muito bom — acrescentou.
O presidente do BC admitiu que quando os juros sobem muito, o mercado de capitais se fecha, criando a demanda por mais crédito direcionado.
— A gente entende isso — completou.
A instituição alterou, no Relatório Trimestral de Inflação (RTI) divulgado nesta quinta-feira, sua projeção para o saldo total de crédito de alta de 7,6% para elevação de 7,7%. Para o saldo de crédito livre — aquele que não utiliza recursos da poupança ou do BNDES — passou de alta de 7,1% para elevação de 6,3%.
Já a projeção do BC para o saldo de crédito direcionado, que utiliza recursos da poupança e do BNDES, passou de alta de 8,3% para 9,6%.
Formação da taxa de câmbio
O presidente do Banco Central citou diversos fatores que têm levado à apreciação do real em relação ao dólar desde o começo do ano.
— Vimos de fato a melhora de algumas moedas emergentes. A safra muito grande também gera uma forte entrada de câmbio. Há ainda a melhora da percepção do fiscal, com as medidas do governo, e a percepção de que o BC está fazendo o trabalho correto e que a inflação está convergindo. As taxas de juros altas também funcionam como ancoragem, porque o diferencial de juros é favorável — detalhou.
Campos Neto repetiu que, para o BC, o que importa não é a taxa de câmbio em si, mas o seu impacto sobre a inflação corrente e as expectativas.